IDENTIFICAÇÃO
Processo psicológico pelo qual um sujeito
assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma,
total ou parcialmente, segundo o modelo desse outro. A personalidade
constitui-se e diferencia-se por uma série de identificações. (...)
Na obra de Freud, o conceito de
identificação assumiu progressivamente o valor central que faz dela, mais do
que um mecanismo psicológico entre outros, a operação pela qual o sujeito
humano se constitui. Essa evolução tem relação direta principalmente com a
colocação em primeiro plano do complexo de Édipo em seus efeitos estruturais, e
também com a remodelação introduzida pela segunda teoria do aparelho psíquico,
em que as instâncias que se diferenciam a partir do id são especificadas pelas
identificações de que derivam.
No entanto, a identificação tinha sido
desde muito cedo invocada por Freud, principalmente a propósito dos sintomas
histéricos. É certo que os chamados fatos de imitação, de contágio mental, eram
conhecidos de longa data, mas Freud vai mais longe explicando-os pela
existência de um elemento inconsciente comum às pessoas em causa: “a
identificação não é simples imitação, mas apropriação baseada na pretensão a
uma etiologia comum; ela exprime um ‘tudo como se’ e relaciona-se com um
elemento comum que permanece no inconsciente”. Este elemento comum é uma
fantasia; assim, o agoráfobo identifica-se inconscientemente com uma “mulher da
rua” e o seu sintoma é uma defesa contra esta identificação e contra o desejo
sexual que ela supõe. Por fim, Freud observa desde cedo que podem coexistir
várias identificações: “o fato da identificação autoriza talvez um emprego
literal da expressão ‘pluralidade das pessoas psíquicas’”.
Ulteriormente, o conceito de identificação
é enriquecido por diversas contribuições: 
1. A noção de incorporação oral é isolada
nos anos 1912-15 (Totem e tabu [Totem und Tabu], Luto e
melancolia [Trauer und Melancholie]). Freud mostra o papel desta
principalmente na melancolia, em que o sujeito se identifica no modo oral com o
objeto perdido, por regressão à relação de objeto característica da fase oral. 
2. A noção de narcisismo é circunscrita.
Em Sobre o narcisismo: uma introdução (Zur Einführung des Narzissmus,
1914) Freud esboça a dialética que liga a escolha narcísica de objeto (o objeto
é escolhido segundo o modelo da própria pessoa) à identificação (o sujeito, ou
qualquer das suas instâncias, é constituído segundo o modelo dos seus objetos
anteriores: pais, pessoas do seu meio). 
3. Os efeitos do complexo de Édipo sobre a
estruturação do sujeito são descritos em termos de identificação: os
investimentos nos pais são abandonados e substituídos por identificações.
Uma vez destacada a fórmula generalizada
do Édipo, Freud mostra que essas identificações formam uma estrutura complexa
na medida em que o pai e a mãe são, cada um por sua vez, objeto de amor e de
rivalidade. Aliás, é provável que esta presença de uma ambivalência em relação
ao objeto seja essencial à constituição de qualquer identificação. 
4. A elaboração da segunda teoria do
aparelho psíquico vem testemunhar o enriquecimento e a importância crescente da
noção de identificação: as instâncias da pessoa já não são descritas em termos
de sistemas em que se inscrevem imagens, recordações, “conteúdos” psíquicos,
mas como resquícios, sob diversas modalidades, das relações de objeto. (...)
Em Psicologia de grupo e análise do ego
(Massenpsychologie und Ich-Analyse, 1921) (...), o estudo da hipnose, da
paixão amorosa e da psicologia dos grupos leva (...) Freud (...) a opor a
identificação que constitui ou enriquece uma instância da personalidade ao
processo inverso, em que o objeto é “posto no lugar” de uma instância, como por
exemplo o caso do líder que substitui o ideal do ego dos membros de um grupo. (...)
A função do ideal do ego é colocada em primeiro plano. Freud vê nele uma
formação nitidamente diferenciada do ego, que permite principalmente explicar a
fascinação amorosa, a dependência para com o hipnotizador e a submissão ao
líder, casos em que uma pessoa estranha é colocada pelo sujeito no lugar do seu
ideal do ego. 
Esse processo está na base da constituição
do grupo humano. O ideal coletivo retira a sua eficácia de uma convergência dos
“ideais do ego” individuais: “... certos indivíduos puseram um só e mesmo
objeto no lugar do seu ideal do ego, e em consequência disso identificaram-se
uns com os outros no seu ego”, inversamente, estes são os depositários, em
consequência de identificações com os pais, com os educadores, etc., de um
certo número de ideais coletivos: “Cada indivíduo faz parte de vários grupos,
está ligado por identificação de vários lados e construiu o seu ideal do ego
segundo os mais diversos modelos.” 
Em O ego e o id, em que pela
primeira vez figura o termo superego, este é considerado sinônimo de ideal do
ego; é uma só instância, formada por identificação com os pais correlativamente
ao declínio do Édipo, que reúne as funções de interdição e de ideal. “As
relações [do superego] com o ego não se limitam ao preceito ‘você deve ser
assim’ (como o pai); compreendem igualmente a interdição ‘você não tem o
direito de ser assim’ (como o pai), quer dizer, de fazer tudo o que ele faz; há
muitas coisas que são reservadas a ele.” (...)
O termo identificação deve ser
diferenciado de termos próximos, como incorporação e introjeção (...).
Incorporação e introjeção são protótipos da identificação ou, pelo menos, de
algumas modalidades em que o processo mental é vivido e simbolizado como uma
operação corporal (ingerir, devorar, guardar dentro de si, etc.). (...) De um
ponto de vista puramente conceitual, podemos dizer que a identificação se faz
com objetos - pessoa (“assimilação do ego a um ego estranho”), ou
característica de uma pessoa, objetos parciais (...). Podemos observar que
geralmente a identificação de um sujeito A com um sujeito B não é global, (...)
o que remete para um determinado aspecto da relação com ele; eu não me
identifico com o meu patrão, mas com determinada característica dele que está
ligada à minha relação sadomasoquista com ele. Mas, por outro lado, a
identificação permanece sempre marcada pelos seus protótipos primitivos: a
incorporação incide em coisas, pois a relação confunde-se com o objeto em que
ela encarna (...). 
Por outro lado, e esse é um fato
essencial, o conjunto das identificações de um sujeito forma nada menos que um
sistema relacional coerente; por exemplo, no seio de uma instância como o
superego, encontram-se exigências diversas, conflituais, heteróclitas. Do mesmo
modo, o ideal do ego é constituído por identificações com ideais culturais não
necessariamente harmonizados entre si.
LAPLANCHE
e PONTALIS. Vocabulário de psicanálise. Verbetes Ideal do ego e Identificação
São Paulo: Martins Fontes, 2016. p. 222, 223, 226, 227, 228, 229, 230.
         A identificação é um processo psíquico
inconsciente pelo qual uma pessoa assimila uma parte mais ou menos importante
de sua personalidade à de um outro que lhe serve de modelo. Descrito
primitivamente por Freud em contextos psicopatológicos, o mecanismo da
identificação veio a designar um modo primordial de relacionamento com os
outros e a integrar-se entre os processos constitutivos da psique. Cumpre
distinguir a identificação da imitação, que é uma abordagem voluntária e
consciente.
         A noção de identificação, (...)
novidade e originalidade no vocabulário científico da época, aparece pelo punho
de Freud numa carta a Wilhelm Fliess de 17 de dezembro de 1896 na acepção que
conservaria desde então: “Foi assim que se viu confirmada uma suspeita que eu
nutria há muito tempo, uma suspeita relativa ao mecanismo da agorafobia nas
mulheres. Não será difícil adivinhar do que se trata se pensares nas
prostitutas. É o recalcamento da compulsão para ir buscar na rua o primeiro
homem que encontrar, um sentimento de ciúme para com as prostitutas e uma
identificação com elas”.
         Identificação e sintomas histéricos
encontram-se então frequentemente associados nos escritos seguintes, mas a
noção assume toda a sua importância em A interpretação dos sonhos
(1900), mais especialmente no comentário que se segue aos sonhos da
“espirituosa mulher do açougueiro”, a propósito das identificações que ela aí
faz com sua amiga e presumida rival (capítulo IV) [1]. Assim, diz Freud, os
pacientes podem “sofrer por toda uma multidão e desempenhar sozinhos todos
todos os papéis de uma peça teatral”[2]. Segue-se a definição
clássica: “Assim, a identificação não constitui uma simples imitação, mas uma
assimilação à base de uma pretensão etiológica semelhante: ela exprime um ‘tudo
como se’ e tem sua origem em algo de comum que persiste no inconsciente”. 
Que essa “pretensão etiológica” e esse
“algo em comum” sejam de ordem sexual não oferece a menor dúvida para Freud
que, no Capítulo VI, completa a sua descrição ao mostrar a utilização dinâmica
da identificação sob a cobertura de uma personalidade diferente ou de uma
formação compósita, pelo processo da condensação e por meio de um “só traço”
comum (einzige Zug), (...) para driblar a censura e realizar os desejos
infantis interditados pelo sonho. A noção evoluirá pouco nos anos seguintes, e
o caso Dora é um exemplo de sua utilização para expor a complexidade dos
fenômenos histéricos[3].
Mas em 1909, Sándor Ferenczi reacendeu o
interesse com a criação da noção aparentada de “introjeção”. Para ele, o Eu
“está em perpétua busca de objetos de identificação, de transferência” e os
“introjeta” para se desenvolver. O amor objetal nada mais é do que uma
introjeção. A partir do ano seguinte, com o estudo sobre Leonardo da Vinci
(1910), Freud caminha nesta nova direção quando escreve que o rapaz fadado para
a homossexualidade “recalca seu amor pela mãe; ele próprio se coloca no lugar
dela, identifica-se com ela e adota então a sua própria pessoa como o modelo à
imagem e semelhança do qual escolhe os novos objetos de seu amor”.
Da mesma maneira, as identificações do
“pequeno Hans” com o animal fobogênico[4], portanto, com o pai
(1909), do Homem dos Ratos com o pai ou a mãe (1909), do pequeno Arpad com um
galo (Ferenczi, 1913[5]) ou do Homem dos Lobos com
os pais unidos na cena primitiva (1918) encontram em Totem e tabu
(1912-13) o seu modelo, com a identificação com o pai morto durante a refeição
totêmica. O precursor oral canibálico do mecanismo psíquico da identificação,
chamado “incorporação”, está nitidamente indicado a partir de uma nota
adicionada em 1915 aos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905)[6]. 
         Esse ano de 1915 marca sobretudo a mais
importante modificação que caracteriza a noção de identificação e vai fazer
dela um processo integrado na história dos vínculos libidinais que se tecem
entre o Eu e o outro, inclusive no interior do próprio sujeito. Com efeito, a
perda objetal de um objeto narcisicamente investido acarreta um fenômeno que
Freud descreve em Luto e melancolia (1916-17) como “uma identificação do
Eu com um objeto abandonado”. Cumpre assinalar um ponto importante nessa
identificação, que é, nesse caso, qualificada de “melancólica”: ela deixou de
ser parcial e determinada por um “traço único comum”, como era na identificação
histérica, mas passou a ser total e a efetuar-se por retirada da libido que, do
objeto perdido, retorna ao Eu. Ela não tardará em ser designada como
“identificação narcísica” e considerada mais originária do que a outra. 
         Em Psicologia de grupo e a análise
do Ego (1921), um capítulo é consagrado à identificação e três modalidades
aí são descritas: “primeiro, a identificação constitui a forma original de laço
emocional com um objeto[7]; segundo, de maneira
regressiva, ela se torna sucedâneo para uma vinculação de objeto libidinal, por
assim dizer, por meio da introjeção do objeto no ego;[8] e, terceiro, pode surgir
com qualquer nova percepção de uma qualidade comum partilhada com alguma outra
pessoa que não é objeto de pulsões sexuais”[9].
         A primeira dessas modalidades é a
ocasião escolhida por Freud para exprimir a dialética do ser e do ter que
retomará ulteriormente por diversas vezes: “O menino dá mostras de um interesse
particular por seu pai, gostaria de se tornar e ser como ele, tomar o seu lugar
em todos os aspectos. Digamo-lo tranquilamente: ele adota seu pai como ideal”.
Mas (...) no complexo de Édipo (...) pode haver também (...) investimento
homossexual (do menino) por identificação com a mãe: “É fácil expressar numa
fórmula a diferença entre uma tal identificação com o pai e a escolha do pai
como como objeto. No primeiro caso, o pai é o que se desejaria ser; no segundo,
o que se desejaria ter”. Dezessete anos mais tarde, em 12 de julho de 1938,
essa oposição continuará agitar Freud, que deixará dela um breve traço: “Ter e
ser nas crianças. As crianças gostam de expressar uma relação de objeto por uma
identificação: ‘Eu sou o objeto’. O ter é o mais tardio dos dois; após a perda
do objeto, ele recai no ser. Exemplo: o seio. O seio é uma parte de mim, eu sou
o seio. Só mais tarde: ‘Eu o tenho, isto é, eu não o sou...’”
         A segunda das modalidades, assinala a
substituição pela identificação de um apego erótico, ligado ao complexo de
Édipo e por regressão. (...) Dora tosse como o seu objeto de amor, o pai. (...)
         A terceira das modalidades é original.
Ela faz intervir a nova noção de Ideal do Eu e a encarna na pessoa do
“aliciador” ou do “líder”. Essa introjeção do ideal permite a vida em sociedade
a indivíduos que vão poder se identificar entre eles por um vínculo comum a um
outro, em vez de se considerarem rivais a destruir: as jovens apaixonadas por
um pop star não sentem ciúmes umas das outras, os partidários fascinados
por um líder esquecem suas querelas e suas divergências mútuas. Um ponto é
importante: a identificação não é aqui determinada pela ligação sexual que
caracterizava a comunidade da identificação histérica, o que inaugura a sua
utilização no estudo sociológico de grupos e de “massas”.
         Com a introdução da “mitologia” das
pulsões de vida e de morte, e a descrição da segunda tópica, a noção de
identificação se desenvolve em direções que vão continuar se aprofundando até
aos nossos dias. A situação nodal atribuída ao complexo de Édipo leva a
complicadas identificações cruzadas com cada um dos pais, as quais se fazem e
se desfazem em função da pluralidade das possibilidades de evolução e dosa
dados da constituição bissexual de cada um.
         Paralelamente a essas modalidades de
identificação de tipo “histérico”, a identificação narcísica adquire uma
importância muito especial na constituição da pessoa: “Compreendemos que tal
substituição tem um papel importante na formação do Eu e contribui essencialmente
para produzir aquilo a que chamamos o seu caráter”. Numerosos autores (...)
chegaram a ver aí um processo formador do próprio Eu, o que podia deixar prever
os comentários subsequentes de Freud sobre o necessário desinvestimento dos
objetos libidinais aos quais a corrente da evolução compele o Isso a renunciar:
“Talvez essa identificação seja, de um modo geral, a condição para que o Isso
abandone os seus objetos (...). Quando o Eu adota os traços do objeto, ele
próprio se impõe, por assim dizer, ao Isso como objeto de amor, procura ser o
substituto do que foi perdido dizendo: ‘Olha, tu me podes amar também, eu sou
muito parecido com o objeto’”.
         É na sequência dessas proposições que
Freud vai definir o que ele chama a “identificação primária” (primäre
Identifizierung), fenômeno fundador da psique humana cujo postulado
representa um momento mítico bastante semelhante aos que designam as noções de
narcisismo primário, de recalcamento primário ou mesmo de assassinato do pai da
horda primitiva. Compreende-se a que absurdos e mal-entendidos resultaram do
uso dessa mesma expressão de identificação “primária” para designar uma
identificação precoce do bebê com a mãe, visto que, para Freud, se trata de uma
outra coisa muito diferente (...): “Tu deves ser como teu pai”, tal é a
primeira instrução identificatória que contradirá a injunção mais tardia: “Tu
não tens o direito de ser como ele nem de fazer tudo que ele faz”. Pois em
resposta à evolução do complexo de Édipo e do medo da castração, o Supereu vem
se impor como uma introjeção do pai em seu caráter interditório, por uma
retomada da identificação primária no a posteriori: “Nós dissemos e
repetimos que o Eu se forma em boa parte a partir de identificações que possuem
investimentos abandonados pelo Isso (...). O Supereu deve sua posição
particular no Eu a um fator que deve ser apreciado de dois lados:
primeiramente, trata-se da primeira identificação produzida enquanto o Eu ainda
era fraco e, em segundo lugar, ele é o herdeiro do complexo de Édipo e, portanto,
introduziu no Eu os objetos da mais alta importância”.
         Em Dissolução do complexo de Édipo
(1924), Freud retoma a sua descrição acentuando o papel desempenhado pelo medo
da castração. Por causa desse medo, escreve ele, “os investimentos de objeto
são abandonados e substituídos por identificações. A autoridade do pai ou dos
pais é introjetada no Eu e aí forma o núcleo do Supereu, que assume a
severidade do pai e perpetua a proibição deste contra o incesto, defendendo
assim o Eu do retorno do investimento libidinal. As tendências libidinais
pertencentes ao complexo de Édipo são em parte dessexualizadas e sublimadas
(coisa que provavelmente acontece com toda transformação em uma identificação)
e em parte são inibidas em seu objetivo e transformadas em impulsos de
ternura”. Vemos aqui o uso da noção de introjeção como marca de uma espécie de
assimilação mais estável, menos lábil do que seriam as identificações mais
ligadas às fantasias. É um desvio em relação à noção originalmente definida por
Sándor Ferenczi, e um dos exemplos adicionais dos equívocos terminológicos que
estorvarão a evolução da noção de identificação. Seja como for, “o Supereu
conserva, por conseguinte, caracteres essenciais dos personagens introjetados,
sua potência, sua severidade, sua tendência para vigiar e punir”, escreve ainda
Freud em O problema econômico do masoquismo (1924).
         As últimas considerações de Freud sobre
a identificação deixam perceber sua complexidade diante da complexidade dessa
noção. Na XXXI das Novas conferências introdutórias... (1933), ele tenta
uma vez mais, e esta será a última, introduzir um pouco de ordem nos diversos
processos designados por ele como dependentes da identificação e conclui: “Eu
próprio não estou satisfeito, em absoluto, com esses desenvolvimentos a respeito
da identificação”. 
Mas acrescenta uma observação que
inaugurará a pesquisa sobre os fenômenos de transmissão entre gerações: “Via de
regra, os pais, e as autoridades análogas a eles, seguem os preceitos dos seus
próprios Supereus ao educar as crianças (...). Esqueceram as dificuldades de
sua própria infância e agora se sentem contentes com identificar-se eles
próprios, inteiramente, com seus pais, que no passado impuseram sobre eles
restrições tão severas. Assim, o Supereu de uma criança é, com efeito,
construído segundo o modelo não de seus pais, mas do Supereu de seus pais; os
conteúdos que ele encerra são os mesmos, e torna-se veículo da tradição e de
todos os duradouros julgamentos de valores que dessa forma se transmitem de
geração em geração. (...) A humanidade nunca vive inteiramente no presente. O
passado, a tradição da raça e do povo, vive nas ideologias do Supereu e só
lentamente cede às influências do presente, no sentido de novas modificações”[10].
O próprio pai “cruel” tinha, portanto, um
pai que ele tinha tomado por modelo, bem como uma mãe, e estes tiveram
igualmente um pai e uma mãe... Todos os pais fazem um filho pequeno reviver o
mundo da própria infância deles tal como ficou gravado no inconsciente e nas
fantasias pré-conscientes de ambos, além das versões de lembranças conscientes
que eles lhe comunicam ou conservam secretas. É esse universo das origens que a
pulsão de investigação de cada criança explora para descobrir aí os segredos de
seu nascimento e de sua identidade. Pois sua personalidade se constitui com
esse material de imagens compósitas que voltarão talvez um dia para a invadir,
sob a forma de “visitantes do Eu”. 
A noção de identificação não deixou de
suscitar numerosos trabalhos, a tal ponto ela é original e fecunda para a
compreensão dos processos psíquicos normais e patológicos. Os autores
pós-freudianos deram maior ênfase à situação psicanalítica, cujo estudo Freud
não tinha abordado sob o ângulo da identificação, para insistir na necessidade
e nos limites a estabelecer para a identificação transferencial com o seu
analista, assim como para sublinhar que este último deve possuir uma certa
qualidade de “empatia” (Einfühlung), essa faculdade “que desempenha o
maior papel em nossa compreensão do que nas outras pessoas existe de estranho
ao nosso Eu” (Psicologia das massas e análise do eu, 1921), a fim de
estar apto a entender e interpretar o Inconsciente do seu analisado. A
identificação com Freud, o pai fundador, se foi mais viva e a causa de
numerosas querelas entre os seus contemporâneos e sucessores imediatos, nem por
isso deixou de ser um dos setores vigorosos e perseverantes do “ser-analista”.
As fantasias de identificação, com Freud e com personagens da “genealogia
psicanalítica”, representam um dos eixos fecundos da compreensão de certas
proposições teóricos e de muitos acontecimentos na história da psicanálise.
A identificação com o agressor, isolada
por Anna Freud (1936), depois a identificação projetiva elaborada por Melanie
Klein (1952), abriram o caminho para múltiplas descrições de modalidades
identificatórias que confirmam o interesse heurístico dessa noção tão difícil
de definir. A ênfase dada às relações com a mãe resultou num desvio do sentido
da “identificação primária” com que Freud tinha marcado o caráter
paterno-fálico e, na esteira de Edith Jacobson (1954), os autores se empenharam
em apresentar essa identificação como uma relação mãe-filho arcaica
pré-objetal, situada num estado de fusão/confusão entre o Self e o não-Self,
e em distingui-la da noção de “imitação” adotada pelos modelos psicológicos.
(...)
         O interesse dispensado pelos
psicanalistas às patologias mais pesadas fez com que desviassem suas atenções
para os males que atingem a identidade, quer se trate de transtornos
comportamentais da adolescência ou de despersonalizações observáveis em pacientes
borderlines ou psicóticos. Freud, muito antes de voltar ao problema no
estudo do presidente Schreber (1912), não tinha já assinalado precocemente
(carta a Wilhelm Fliess de 9 de dezembro de 1809) que “a paranoia redefine as
identificações, restaura todas as figuras amadas da infância que foram
abandonadas e cinde o Eu em várias personalidades estranhas”? 
MIJOLLA, Alain de. Dicionário
internacional de psicanálise. Vol. 1. Verbete Identificação. Rio
de Janeiro: Imago, 2005. p. 913, 914, 915, 916 e 917.
         O processo de identificação é
fundamental para a construção da personalidade. É por meio dele que o sujeito
se constitui e se transforma ao longo da vida, formando seus padrões básicos
de relação objetal que determinarão as escolhas de seus objetos de amor.
         Ferenczi definiu o processo de
identificação nos seguintes termos:
“Paralelamente
a essa etapa evolutiva do ego, existe um processo libidinal específico que vai
integrar-se agora, enquanto fase particular do desenvolvimento, entre o
narcisismo e o amor objetal (mais exatamente, entre as fases de organização
oral e sádico-anal que ainda são predominantemente narcísicas e o amor objetal
propriamente dito). Este processo libidinal é a identificação. No decorrer
desse processo os objetos do mundo externo não são realmente ‘incorporados’
como na fase canibal, mas tão somente na imaginação, como se diz, eles são
introjetados, suas propriedades são anexadas e atribuídas ao próprio ego. Ao
identificar-se assim com um objeto (pessoa), cria-se de certo modo uma ponte
entre o ego e o mundo externo, e esse vínculo permite em seguida deslocar a
ênfase do ‘ser’ intransitivo para o ‘ter’ transitivo; portanto, permite à
identificação evoluir para o verdadeiro amor objetal.” (Psicologia de grupo
e análise do ego, de Freud. In: Obras completas, vol. III.  p. 195 e 196)
         A identificação consiste num processo
psicológico majoritariamente inconsciente, operante desde o início da vida, no
qual o sujeito assimila parcial ou totalmente aspectos, características, traços
e valores de pessoas significativas de sua estreita convivência.
         O conceito de identificação é essencial
à compreensão dos fenômenos ligados ao complexo de Édipo, especialmente em
relação ao processo de identificação com as imagos paterna e materna, que vão
definir a identidade de gênero do sujeito. (...)
         É pela introjeção da relação de
autoridade das figuras parentais ambivalentemente amadas e odiadas que o
sujeito formará o núcleo fundamental do superego. A partir das sucessivas
identificações com essas figuras, durante todo o desenvolvimento, a
personalidade individual irá se compondo, variação de saúde mental que vai
desde o modo mais salutar até o mais patológico.
         A identificação é um fenômeno
psicológico que se encontra também na base de todas as experiências de aprendizado,
em que o aluno identifica-se com seu professor ao internalizar não apenas
seus ensinamentos, mas também a relação do educador com o próprio
conhecimento.
         Nos processos de formação
psicanalítica, podemos observar esse mesmo fenômeno na medida em que os
candidatos tendem a identificar-se com seus professores, analistas e
supervisores construindo, assim sua identidade profissional. É desse
modo que se forma também o superego técnico psicanalítico. 
KAHTUNI,
Haydée Christinne e SANCHES, Gisela Paraná. Dicionário sobre o pensamento
de Sándor Ferenczi: uma contribuição à clínica psicanalítica contemporânea. Verbete:
Identificação. Rio de Janeiro: Elsevier; São Paulo: FAPESP; 2009.  p. 209 e 210.
[1]
A mulher do açougueiro, paciente de Freud, sonha que queria oferecer um jantar
para convidados, mas não consegue, por não ter comida suficiente em casa.
Apaixonada pelo marido, sente ciúmes de uma amiga que recebera elogios dele.
Contudo, sente-se segura pelo fato de que o corpo muito magro da mulher não
suscitava interesse no marido. Algum tempo antes do sonho, tal amiga comenta
que gostaria de jantar com o casal. Segundo Freud, o sonho realiza o desejo de
não ter a amiga “rival” por perto, e não “alimentá-la” para que não engorde. Ao
mesmo tempo, Freud sugere que a sua paciente havia se identificado com a amiga,
pois desejava também possuir as outras características da moça que eram
elogiadas pelo marido. Tal identificação faz com que o sonho torne-se uma
manifestação de desejo, mas apenas indireta: o sonho assume a forma de
“frustração”, pois a paciente de Freud (que é também a amiga, através do
processo de identificação) sente-se “frustrada” por não conseguir oferecer o
jantar.
[2]
Tal comentário de Freud, formulado em sua explanação sobre o “contágio
psíquico” de sintomas, tão comum na histeria, acena também para uma experiência
frequente do leitor de romances, ou expectador de filmes e peças: sua
identificação simultânea com diversos personagens. 
[3] A
identificação de Dora com o pai manifesta-se unicamente na maneira semelhante
de tossir.
[4]
Fobogênico: que provoca fobia. Era o cavalo, para o “pequeno Hans”, ou o galo
para Arpad.
[5]
Em Um pequeno homem-galo (Vol. II das Obras completas), Ferenczi
descreve o menino Arpad, obcecado imitador de galos, e ao mesmo tempo fóbico
diante do animal. Em uma determinada viagem, o menino tinha fantasiado que um
galo havia atacado seu órgão genital. Ao mesmo tempo, suas atividades
masturbatórias precoces eram duramente repreendidas pelo seu pai. Segundo
Ferenczi, a ambivalência dos sentimentos do menino pelos galos (amor, ódio e
medo) eram semelhantes aos sentimentos contraditórios que sentia pelo pai, de
quem temia a castração.
[6]
“Chamaremos de pré-genitais as organizações da vida sexual em que as zonas
genitais ainda não assumiram o papel predominante. (...) A primeira de tais
organizações sexuais pré-genitais é a oral ou, se assim preferirmos, canibal.
Nela a atividade sexual ainda não se encontra separada da ingestão de
alimentos, correntes opostas ainda não estão diferenciadas em seu interior. O
objeto das duas atividades é o mesmo, a meta sexual consiste na incorporação do
objeto, no modelo daquilo que depois terá, como identificação, um papel
psíquico relevante. Um resíduo dessa fase de organização que a patologia nos
leva a supor pode ser o ato de chupar o dedo, no qual a atividade sexual,
desprendida da atividade da alimentação, trocou o objeto externo por um do
próprio corpo”. FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In:
Obras completas, volume 6. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. p.
108.
[7]
Trata-se da “identificação primária”, que será exposta de maneira mais
minuciosa abaixo. Trata-se de uma identificação que antecede a “relação
objetal” propriamente dita, partindo de uma incorporação “canibálica” do pai
(por ocasião do complexo de Édipo normal do menino, em Freud) ou da mãe (em
todos os seres humanos, na psicanálise pós-freudiana).
[8]
Trata-se de uma identificação que sucede o investimento libidinal objetal, uma
“identificação secundária”, seja por causa da perda do objeto (como ocorre, por
exemplo, na melancolia), seja como uma regressão identificatória provocada pelo
recalque do investimento libidinal (como ocorre, por exemplo, no adolescente
masculino identificando-se com a mãe antes desejada e assumindo, portanto, a
orientação homossexual).
[9]
Trata-se de uma identificação parcial, que não envolve um investimento
libidinal mais intenso. Compartilha-se com o outro, por exemplo, apenas um
comportamento; no caso muito comum dos processos de “contágio histérico”,
compartilha-se apenas um sintoma. Para Freud, a vida comunal nasce de processos
de identificação deste tipo: todos os membros do grupo identificam-se por
compartilharem, por exemplo, valores comuns ou o mesmo líder. 
[10]
“Transgeracionalidade” é um termo bastante empregado na psicanálise
contemporânea. Representações inconscientes - traumas, fantasias, prescrições
morais, ideais, conflitos etc. - das antigas gerações são legadas e
transmitidas para as gerações atuais. A transmissão ocorre por meio de
identificações inconscientes com pais e cuidadores. Assim, todo este passado torna-se
um “enigma” que, caso não seja resolvido (relembrado, conscientizado), continua
a se propagar para as gerações seguintes.
IDENTIFICAÇÃO
PRIMÁRIA
Modo primitivo de constituição do sujeito
segundo o modelo do outro, que não é secundário a uma relação previamente
estabelecida em que o objeto seria inicialmente colocado como independente. A
identificação primária está em estreita correlação com a chamada relação de
incorporação oral. 
Embora faça agora parte da terminologia
analítica, a noção de identificação primária reveste-se de acepções muito
diferentes conforme as reconstruções feitas pelos autores dos primeiros tempos
da existência individual. 
A identificação primária opõe-se às
identificações secundárias que vêm se sobrepor a ela, não apenas na medida em
que ela é a primeira cronologicamente, mas também na medida em que não se teria
estabelecido consecutivamente a uma relação de objeto propriamente dita e seria
“a forma mais originária do laço afetivo com um objeto”. “Logo no início da
fase oral primitiva do indivíduo, o investimento de objeto e a identificação
talvez não se devam distinguir um da outra.”
Esta modalidade do laço da criança com
outra pessoa foi descrita principalmente como primeira relação com a mãe, antes
da diferenciação entre ego e alter ego estabelecer-se solidamente. Esta
relação seria evidentemente marcada pelo processo da incorporação. Convém, no
entanto, notar que, a rigor, é difícil ligar a identificação primária a um
estado absolutamente indiferenciado e anobjetal. 
É interessante notar que Freud, que aliás
só raramente usa a expressão identificação primária, designa assim uma
identificação com o pai “da pré-história pessoal”, tomado pelo menino como
ideal ou protótipo (Vorbild). Tratar-se-ia “de uma identificação direta
e imediata que se situa anteriormente a qualquer investimento de objeto”.
LAPLANCHE e PONTALIS. Vocabulário de psicanálise. Verbete: Identificação primária. São Paulo: Martins Fontes, 2016. p. 231 e 232.
IDENTIFICAÇÃO
COM O AGRESSOR
Anna Freud foi a primeira a descrever a
identificação com o agressor em seu livro O ego e os mecanismos de defesa,
publicado inicialmente em alemão (1936). (...) 
Anna Freud (...) sublinhou (...) como
(...) a identificação com o agressor chama a atenção para uma fase particular
no desenvolvimento do funcionamento do Supereu. Com efeito, embora a crítica
exterior tenha sido introjetada, a ligação entre o medo de punição e a falta
cometida ainda não está estabelecida no espírito do paciente. Tão logo a
crítica é interiorizada, a falta é, portanto, exteriorizada – segundo uma
manobra que envolve um outro mecanismo, a projeção da culpa. De acordo com a
fórmula de Anna Freud, a intolerância com os outros precede a severidade em
relação a si mesmo.
Mecanismo de defesa isolado e descrito por
Anna Freud (1936). O sujeito, confrontado com um perigo exterior (representado
tipicamente por uma crítica emanada de uma autoridade), identifica-se com o seu
agressor, ou assumindo por sua própria conta a agressão enquanto tal, ou
imitando física ou moralmente a pessoa do agressor, ou adotando certos símbolos
de poder que o caracterizam. Segundo Anna Freud, esse mecanismo seria
predominante na construção da fase preliminar do superego, pois a agressão
mantém-se então dirigida para o exterior e não se voltou ainda contra o sujeito
sob a forma de autocrítica. 
A expressão identificação com o
agressor não figura nos escritos de Freud, mas houve quem observasse que
ele descreveu o seu mecanismo, particularmente a propósito de certas
brincadeiras de criança, no capítulo III de Além do princípio do prazer
(Jenseits des Lustprinzips, 1920). Ferenczi recorre à expressão identificação
com o agressor num sentido muito especial: a agressão considerada é o
atentado sexual do adulto, que vive num mundo de paixão e culpa, à criança
supostamente inocente. O comportamento descrito como resultado do medo é uma
submissão total à vontade do agressor; a mudança provocada na personalidade é
“a introjeção do sentimento de culpa do adulto”. (...) Toda a questão está em
saber se devemos considerar a fantasia de sedução como uma simples deformação
defensiva e projetiva da componente positiva do complexo de Édipo, ou se se
deve ver nela a tradução de um dado fundamental: o fato de a sexualidade da criança
ser inteiramente estruturada por algo que lhe vem como que do exterior - a
relação entre os pais, o desejo dos pais que preexiste ao desejo do sujeito e
lhe dá forma. Neste sentido, a sedução realmente vivida, tal como a fantasia de
sedução, não seriam mais do que a atualização desse dado. Na mesma linha de
pensamento, Ferenczi, adotando em 1932 a teoria da sedução, descreveu como a
sexualidade adulta (“a linguagem da paixão”) realizava verdadeiramente uma
efração no mundo infantil (“a linguagem da ternura”). O perigo desta renovação
da teoria da sedução estaria em voltar à noção pré-analítica de uma inocência
sexual da criança que a sexualidade adulta viria perverter. (...) 
Anna Freud vê em ação a identificação com
o agressor em contextos variados (agressão física, crítica, etc.) e a
identificação pode intervir antes ou depois da agressão temida. O comportamento
observado é o resultado de uma inversão de papéis: o agredido faz-se agressor. 
Os autores que atribuem a este mecanismo
um papel importante no desenvolvimento da pessoa apreciam de modo diferente o
seu alcance, particularmente na constituição do superego. Para Anna Freud, o
sujeito passa por uma primeira fase em que o conjunto da relação agressiva se
inverte: o agressor é introjetado, enquanto a pessoa atacada, criticada,
culpada, é projetada para o exterior. Só num segundo momento a agressão se
voltará para o interior, e a relação é no seu conjunto interiorizada.
LAPLANCHE
e PONTALIS. Vocabulário de psicanálise. Verbetes Sedução e Identificação
com o agressor. São Paulo: Martins Fontes, 2016. p. 230, 231 e 472.
         A identificação é o processo
psicológico pelo qual um indivíduo assimila certos aspectos, propriedades e
características de outrem, e se transforma total ou parcialmente moldando a
própria personalidade de acordo com o modelo dessa pessoa.
         Estudos antropológicos nos mostram
exemplos concretos desse processo, como os casos de certas culturas onde são
praticados costumes antropofágicos tais como o canibalismo, por exemplo,
praticado com o intuito de assimilar aspectos positivos da vítima.
         A identificação é o principal mecanismo
psíquico responsável pela formação da personalidade. É por meio das várias
identificações que o indivíduo vai transformando seu ego, formando e
diferenciando sua personalidade à imagem e à semelhança dos modelos identificatórios.
         O superego, como uma extensão
diferenciada do ego, também vai se formando a partir das identificações e
heranças parentais, sendo que o complexo de Édipo – mais prematuro, de acordo
com a Escola de Relações Objetais, ou mais tardio, de acordo com a Escola
Freudiana – ocupará um lugar central no cenário das identificações.
         A identificação com o agressor, por sua
vez, é um mecanismo defensivo que foi inicialmente descrito por Ferenczi
(1932/1933) e posteriormente discutido por Anna Freud (1936).
         Sendo um dos possíveis efeitos do
trauma na criança, a identificação com o agressor é um tipo de defesa psíquica
no qual o sujeito confrontado com o objeto traumatogênico – normalmente uma
figura de autoridade significativa -, identifica-se com seu agressor,
compreendendo suas razões e introjetando sua culpa. Isso explicaria o fato
surpreendente e comum de o sujeito traumatizado comumente sair em defesa de seu
agressor.
         O que acontece com o sujeito
identificado com seu agressor é que ele, quando adulto, tenderá a se comportar
com os objetos com os quais se relaciona do mesmo modo que os objetos
agressores se comportaram com ele, quando ele era ainda uma criança indefesa.
         Esse é um fenômeno de inversão de
papéis pela identificação com o agressor. O fato de o adulto agressor ter sido
alvo de frequentes violências e abusos na infância por parte de pessoas
significativas e ter se identificado com elas é o que explica o fato de todo o
adulto perverso ter sido, em algum momento de sua história, vítima de abuso.
         Caso esse ciclo identificatório
transgeracional não seja interrompido e modificado por meio de psicoterapia ou
algum outro meio de elaboração, o adulto, por estar identificado com seu
agressor e ter o ego e superego cindidos, tenderá a se comportar do mesmo modo
que seus agressores antepassados, aparentando ser uma maldição familiar.
         Para Ferenczi, no contexto da
traumatogênese, a agressão é o atentado sexual, físico ou psicológico do adulto
contra a criança inocente e desprotegida, vivido com paixão intensa e culpa por
parte do adulto agressor. Por sua dependência e indefensabilidade em relação ao
adulto e por temê-lo, a criança se submete totalmente a vontade do agressor. Ao
identificar-se com o agressor, ela introjeta também o sentimento de culpa do
adulto, mantendo esses elementos identificatórios como base de sua
personalidade.
         Ao
descrever o modo de ocorrência das seduções incestuosas, Ferenczi esclareceu:
“É
difícil adivinhar quais são o comportamento e os sentimentos das crianças após
a perpetuação de tais atos. Seu primeiro movimento seria a recusa, o ódio, a
repugnância, uma resistência violenta: “Não, não, eu não quero, está me
machucando, deixe-me!” Isto, ou algo muito semelhante, seria a reação imediata
se esta não fosse inibida por um medo intenso. As crianças sentem-se física e
moralmente sem defesa, sua personalidade é ainda frágil demais para poder
protestar, mesmo em pensamento, contra a força e a autoridade esmagadora dos
adultos que as emudecem, podendo até fazê-las perder a consciência. Mas esse
medo, quando atinge seu ponto culminante, obriga-as a submeter-se
automaticamente à vontade do agressor, a adivinhar o menor de seus desejos, a
obedecer esquecendo-se de si mesmas e a identificar-se totalmente com o
agressor. Por identificação, digamos, introjeção do agressor, este
desaparece enquanto realidade exterior, e torna-se intrapsíquico; mas o que é
intrapsíquico vai ser submetido, num estado próximo do sonho – como é o transe
traumático -, ao processo primário, ou seja, o que é intrapsíquico pode,
segundo o princípio do prazer, ser modelado e transformado de maneira
alucinatória, positiva ou negativa. Seja como for, a agressão deixa de existir enquanto
realidade exterior e estereotipada, e, no decorrer do transe traumático, a
criança consegue manter a situação de ternura anterior”. (Confusão de
línguas entre o adulto e as crianças; Obras completas, vol. IV, p.
116 e 117.)
         E Ferenczi prossegue: 
“Mas
a mudança significativa, provocada no espírito da criança pela identificação
ansiosa com o parceiro adulto, é a introjeção do sentimento de culpa do
adulto; o jogo, até então anódino, apresenta-se agora como um ato merecedor
de punição. Se a criança se recupera de tal agressão, ficará sentindo, no
entanto, uma enorme confusão; a bem dizer, já está dividida, ao mesmo tempo
inocente e culpada, e sua confiança no testemunho de seus próprios sentidos
está desfeita.” (Confusão de línguas entre o adulto e as crianças; Obras
completas, vol. IV, p. 117.)
         Quanto à culpa do adulto agressor, é
importante lembrar que, sob a aparente ausência de culpa do perverso, se oculta
um superego excessivamente cruel e perseguidor que precisa manter-se encoberto
a todo custo. Este trabalho de encobrir o superego severo reforça ainda mais a
cisão do ego e do superego. Entretanto, em alguma medida, o agressor sabe que
está fazendo “algo errado”, mas em seu superego (igualmente cindido) predomina
o caráter perverso que permite que ele disponha do corpo e do psiquismo alheio
a seu bel-prazer, desconsiderando os sentimentos do outro.
         Deste modo, a criança introjeta um
superego perverso e retaliador – que provoca culpa -, mas cuja cisão a impede
de aceitar a interdição do incesto, assim como de outras leis.
         Ferenczi evidenciou que, na formação do
trauma, a criança fica confuso, seu ego, ainda frágil, está dividido. Ela
sente-se simultaneamente inocente e culpada. Sua personalidade clivada constitui-se
agora em uma parte criança – que sofre calada e solitária – e em uma
parte adulta – que sabe tudo, mas não pode sentir nem fazer nada. (...)
         A identificação com o agressor foi
apontada por Ferenczi como um dos resultados devastadores do trauma. Numa nota
de seu Diário, denominada Identification x hatred, ele
escreveu:
“É
porque me identifico (tudo compreender = tudo perdoar) que não posso odiar. Mas
o que acontece à nossa emoção mobilizada quando qualquer descarga psíquica
sobre o objeto é impedida? Permanece no corpo sob a forma de tensão que
procura descarregar-se em objetos deslocados (com exclusão dos objetos reais).
Punir-se a si mesmo (matar-se, suicídio) é mais suportável do que ser morto.”
(...)
         Outro exemplo de identificação com o
agressor é o fenômeno que ocorre com algumas pessoas vítimas de sequestro ou de
aprisionamento, denominado Síndrome de Estocolmo. Como mecanismo
defensivo inconsciente e estratégia de sobrevivência, essas pessoas, submetidas
a um intenso nível de estresse, se identificam com seus raptores e passam a
gostar deles, afastando-se de uma realidade extremamente assustadora e
ameaçadora de sua integridade física e emocional.
         O nome Síndrome de Estocolmo se deve ao
fato de que, em agosto de 1973, houve um assalto a um banco na cidade de
Estocolmo e, durante seis dias, quatro pessoas foram mantidas reféns pelos
bandidos. Surpreendentemente, elas desenvolveram uma relação afetuosa com seus
sequestradores e duas das mulheres prisioneiras acabaram se casando com eles. O
psicólogo e criminólogo Nils Bejerot, integrante da equipe de polícia
responsável pela solução do assalto, utilizou o termo Síndrome de Estocolmo em
uma entrevista e, a partir de então, o termo passou a ser utilizado pelos
psicólogos em todo o mundo. Um caso que ficou conhecido foi a da milionária
Patrícia Campbell Hearst, que desenvolveu a síndrome em 1974, depois de ter
sido sequestrada em um banco por uma organização paramilitar. Após ter sido
libertada, Patrícia Hearst passou a viver com as pessoas que a haviam
sequestrado, tornando-se cúmplice de outros assaltos a bancos.
         O mecanismo psíquico da identificação
com o agressor, descoberto por Ferenczi, também nos ajuda a compreender
intrigantes fatos e fenômenos de massa, até então de difícil explicação como a
identificação nos âmbitos racial, étnico, econômico etc., de grupos sociais
desfavorecidos com seus respectivos exploradores (negros com brancos, pobres
com ricos, colonizados com colonizadores etc.)
KAHTUNI,
Haydée Christinne e SANCHES, Gisela Paraná. Dicionário sobre o pensamento
de Sándor Ferenczi: uma contribuição à clínica psicanalítica contemporânea. Verbetes:
Identificação e Identificação com o agressor. Rio de Janeiro:
Elsevier; São Paulo: FAPESP; 2009.  p. 210, 211, 212 e 213.


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