MECANISMOS
DE DEFESA DO EU
Os mecanismos de defesa são processos psíquicos que se
atribuem geralmente ao Eu organizado. Têm por função a organização e a
manutenção de condições psíquicas ótimas, podendo ajudar o Eu do sujeito a
enfrentar e a evitar a angústia e o mal-estar psíquico. Participam assim das
tentativas de elaboração do conflito psíquico mas podem, por sua utilização
excessiva ou imprópria, comprometer o crescimento psíquico. (...)
Anna Freud (...) repertoriou e descreveu os mecanismos de
defesa do Ego (no livro O ego e os mecanismos de defesa de 1936). Para
ela, “tudo o que acontece às pulsões (...) é, no fim das contas, atribuível a
uma atividade do Ego. Se as exigências do Ego ou das forças exteriores
representadas pelo Ego não exercessem pressão, a pulsão conheceria apenas um
destino: o da satisfação”. Ela distingue “novos métodos de defesa”: o
recalcamento, a regressão, a formação reativa, o isolamento, a anulação
retroativa, a projeção, a introjeção, o voltar contra si mesmo, a transformação
no contrário. “Pode-se acrescentar”, diz ela, “um décimo método que pertence
mais ao domínio da normalidade que ao da neurose: a sublimação ou deslocamento
da meta instintiva”.
MIJOLLA, Alain de. Dicionário
internacional de psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2005. Vol. 1. Verbete Realidade Psíquica. p. 438.
Praticamente desde o começo de nossas
vidas nos deparamos com conflitos inevitáveis. Existem impulsos imperiosos demandando
satisfação. Postado à frente deles, temos o mundo exterior, que ameaça de
punição a tentativa de satisfazer a vários desses impulsos. Esse é o primeiro
conflito, sendo, com diferentes disfarces, vitalício. Durante a infância, outra
força se desenvolve, e é preciso lidar com ela: o superego, a consciência, que
ameaça punir com a culpa. A psicanálise é o estudo desses conflitos e do modo
como se lida com eles.
No quadro freudiano da vida mental, vimos
que os impulsos se originam no id e que o ego é aquela parte da
personalidade encarregada de manejar os conflitos entre o id, o mundo exterior
e o superego. O ego tem de tentar nos manter longe do perigo, enquanto busca
conseguir que ao menos alguns dos impulsos sejam satisfeitos. Deve tentar
manter a dor psíquica na intensidade mínima. Acima de tudo, deve impedir que
sejamos subjugados pelas três variedades de ansiedade: a realista, a moral e a
neurótica. Sua missão não é fácil. A própria antecipação da satisfação de
alguns desses impulsos evoca o espectro da punição e, desse modo, gera muita
ansiedade. Uma decisão consciente de privar-se do impulso, no entanto, pode ser
extremamente frustrante.
Freud deu o nome de mecanismos de
defesa às muitas tentativas do ego de solucionar esses dilemas.
Repetidamente, ele disse que os mecanismos de defesa eram a pedra fundamental
da teoria psicanalítica. Se os compreendêssemos, entenderíamos como a mente
funciona. Embora ele tenha acrescentado que por meio disso compreenderíamos
também a neurose, é importante observar que nem Freud nem qualquer um de seus
seguidores acreditavam que o emprego dos mecanismos de defesa era
necessariamente patológico. Pelo contrário, todos nós os utilizamos; não
poderíamos levar a vida sem eles. Esses mecanismos só se tornam um problema se
utilizados pelo ego de modo excessivo ou inflexível.
Observa-se corriqueiramente na medicina
que às vezes o corpo tenta encontrar alivio para uma doença ou ferimento com
excessivo entusiasmo e produz urna condição pior ainda. A afirmação de Freud de
que os mecanismos de defesa são a chave da neurose contém a mesma implicação.
Em uma tentativa de se proteger da ansiedade, as pessoas às vezes instauram
medidas defensivas excessivas que se tornam componentes pertinazes e gravemente
onerosos do seu caráter.
Dos vários mecanismos de defesa, o
primeiro que Freud focalizou foi o recalque (...). Vimos como um recalque
excessivo oprime a nossa vida. Mais tarde, Freud acrescentou outros mecanismos,
mas nunca escreveu um relatório sistemático sobre eles. Essa tarefa coube à sua
filha, Anna Freud, que em 1936 publicou O ego e os mecanismos de defesa,
até hoje um dos livros clássicos da psicanálise sobre o assunto. Dos escritos
do pai, ela selecionou uma lista de defesas e, em seguida, acrescentou outras;
consideraremos as mais importantes aqui. (...)
RECALQUE
Recalcar significa excluir um impulso ou
um sentimento da consciência. Portanto, é a manipulação da percepção de um
episódio interior.
O desejo erótico por uma pessoa proibida é
perigoso. Se a pessoa que eu desejo é um progenitor, um filho ou um irmão, ou
talvez (se me defino como heterossexual) uma pessoa do mesmo sexo, ter a
consciência desse desejo me colocaria em risco de experimentar dolorosos
sentimentos de culpa. Se eu revelasse o desejo, incorreria em novo risco, o de
ser humilhado ou punido. Se tenho consciência do impulso e consigo mantê-lo
inteiramente oculto, tenho de lidar não apenas com a culpa, mas também com a
frustração de uma forte necessidade que nunca pode ser satisfeita. Parece claro
que é uma vantagem não ter consciência do meu desejo.
O mesmo é verdadeiro para os impulsos
agressivos. Para muitos de nós, é difícil ter consciência dos sentimentos de
raiva que guardamos em relação a pessoas próximas. Para alguns de nós, é
difícil aceitar sentimentos de raiva em relação a qualquer pessoa. Assim como
acontece com os sentimentos eróticos, parece melhor não estar ciente deles.
Essa opção está disponível: é a opção do
recalque. Encontramos de novo nosso velho amigo, o vigia que toma conta da sala
de visitas da consciência. Ele examina o desejo que busca ser admitido na
consciência e decide expulsá-lo, mantê-lo no hall de entrada. Se de algum modo
esse desejo consegue entrar na sala de visitas, ele o acompanha até a saída
novamente. Na linguagem da teoria dos mecanismos de defesa, o ego
reconheceu essa dupla demanda do id:
• que o desejo seja reconhecido pela
consciência; e
• que seja satisfeito por meio de ação.
O ego sabe bem que, se qualquer dessas
demandas for concedida, o superego atacará com a culpa. Ele também sabe que
provavelmente haverá respostas negativas do mundo exterior, caso o desejo seja
revelado. Portanto, recalca o desejo, ou seja, mantém-no longe da consciência,
mantém-no aprisionado no inconsciente, e, ao fazer isso, protege-se da
ansiedade, da antecipação do desamparo diante do perigo. (...) Ao menos no caso
da agressão, isso é uma vitória pirrônica. O superego não será mitigado porque
os sentimentos agressivos se tornaram inconscientes. No exemplo anterior, a
percepção de um episódio interior (desejo) foi bloqueada. Ainda desejo a pessoa
ou ainda quero magoá-la, mas esse desejo é agora inconsciente, invisível, não
mais percebido por mim. (...)
O recalque é indispensável. Os desejos
incestuosos são um bom exemplo disso. Como poucos de nós estamos planejando
violar os tabus e arcar com as consequências, a consciência desses impulsos
seria dolorosa, frustrante e provocaria ansiedade. O mesmo pode ser dito a
respeito de boa parte dos desejos eróticos e dos impulsos agressivos que
sentimos. Se não os recalcássemos de todo, iríamos nos sentir oprimidos pela
profusão de fantasias e impulsos que incidiriam sobre a consciência.
Como vimos (...), a maioria de nós recalca
mais do que seria desejável. Se não posso ter plena consciência dos meus
sentimentos amorosos - tanto dos afetuosos quanto dos passionais -, da minha
jocosidade, da minha assertividade e da minha dor e tristeza, minha vida fica
truncada e distorcida. Embora o recalque seja indispensável quando aplicado aos
impulsos apropriados em doses apropriadas, quando excessivo é a causa de graves
problemas na vida.
Há uma importante lição sobre a criação
dos filhos que pode ser tirada disso. A muitos de nós foi ensinado que havia
não apenas boas e más ações, mas bons e maus sentimentos. São raros os pais que
encorajam os filhos a fazer uma distinção entre sentimentos e comportamentos,
apoiando o direito deles de sentir tudo que sentem, ao mesmo tempo em que lhes
ensinam que certos comportamentos são proibidos. O encorajamento dessa
distinção, no entanto, seria um avanço, no sentido de proteger a criança de um
recalque excessivo em sua vida futura.
Sigmund e Anna Freud entendiam que o
recalque era o mecanismo de defesa básico e o mais propenso a causar sérias
dificuldades neuróticas. Veremos que alguns dos outros podem ser muito
destrutivos, se utilizados em excesso, mas em sua maioria fazem parte da vida
mental normal. À medida que prosseguimos, consideraremos os mecanismos
rotulados de negação, projeção, formação reativa, identificação com o agressor,
deslocamento e voltando-se contra o self.
NEGAÇÃO
O recalque é a manipulação da percepção de
um episódio interno. O mecanismo da negação é a manipulação mental de um
episódio externo.
A negação significa que eu me protejo da
ansiedade, deixando de perceber ou percebendo equivocadamente algo no mundo
exterior aos meus próprios pensamentos ou sentimentos. Assim que saímos da
infância, a negação apresenta um problema para o ego. Uma das missões do ego é
o teste de realidade. Sobrevivemos graças à capacidade do ego de avaliar a
realidade, e é através dessa capacidade que maximizamos as nossas gratificações.
É o ego que nos lembra de que, por mais que tenhamos prazer em dirigir rápido,
a realidade é que podemos ser presos ou mortos por causa da alta velocidade.
Para o ego, o uso de um mecanismo de defesa que distorce a realidade, como, por
exemplo, achar que não existe perigo na alta velocidade, lhe apresenta um
problema. Entretanto, mesmo o ego mais maduro e flexível dá um jeito de, às
vezes, fazer exatamente isso.
Um exemplo clássico de negação em nosso
mundo contemporâneo é a persistente falta de disposição de amplas parcelas da
população de reconhecer riscos à saúde amplamente divulgados, mais
flagrantemente, o hábito de fumar. Para fumar sem um forte sentimento de
ansiedade, é necessário encobrir a consciência do perigo.
No auge do impasse nuclear entre os
Estados Unidos e a União Soviética, todos os habitantes do planeta estavam sob permanente
ameaça de urna catástrofe de proporções inimagináveis. Tenho a impressão de
que, para todos, algum grau de negação era necessário para viver sem uma
ansiedade paralisante. A maioria das pessoas parecia ter conseguido uma boa
dose de negação. Mesmo os ativistas antinucleares precisavam negar de alguma
forma, para continuar em atividade.
Jogadores contumazes empregam a negação, a
um custo considerável. As chances de não ganhar em uma das loterias que pagam
prêmios elevados são estarrecedoras. Tenho um amigo que vive falando de ganhar
na loteria; quando alguém diz que não sabia que ele jogava, ele diz: "Eu
não jogo, mas tenho tanta chance de ganhar quanto quem joga." Isso está
muito próximo da verdade, porém não há falta de fregueses para os bilhetes
lotéricos. Jogadores envolvidos com máquinas caça-níqueis não poderiam continuar
jogando se não negassem a alta probabilidade desfavorável a eles. Mesmo os
jogadores de dados, que enfrentam as probabilidades menos ruins de um cassino,
precisam negar a pequena chance que têm de sair vitoriosos ao final do jogo.
A maioria de nós utiliza a defesa da
negação ao menos ocasionalmente. Certa vez, no meu trabalho, eu desejava muito
uma determinada atribuição, e, durante várias semanas, fui o principal
candidato a ela. Um amigo meu, preocupado com a possibilidade de uma reação
negativa de minha parte quando a realidade fosse revelada, chamou-me de lado e
disse, gentilmente, que todos, menos eu, estavam percebendo que eu não tinha a
menor chance - o meu supervisor vinha indicando isso. Eu não tinha me permitido
enxergar esses indícios.
Algumas vezes, empregamos a negação em
nossos relacionamentos, quando, por exemplo, estamos motivados a não enxergar
que nosso amor não é correspondido ou, caso contrário, quando o relacionamento
é tão agradável que nos recusamos a enxergar que estamos nos envolvendo mais
profundamente do que planejávamos.
A negação pode ser muito perigosa, como no
caso do fumo. No entanto, às vezes pode ser adaptativa. Uma amiga minha
precisava fazer uma biópsia que, ela disse, poderia produzir um diagnóstico
inofensivo ou catastrófico. A biópsia estava marcada para dali a sete dias. Ela
continuou fazendo o que tinha de fazer na semana, parecendo bastante animada.
Comentei com um psicólogo amigo nosso muito culto que eu estava preocupado com
a negação dela, temendo que não estivesse preparada para a catástrofe, caso
esta de fato ocorresse. Ele me disse para deixá-la em paz e me dar por contente
por ela ter um ego suficientemente forte para negar o perigo, quando não havia
nada que pudesse fazer a respeito. Nunca me esqueci desse conselho.
Incidentalmente, a história teve um final feliz.
PROJEÇÃO
O mecanismo de defesa como qual
manipulamos uma percepção interna e uma percepção externa é chamado de
projeção. A projeção refere-se a uma forma de proteção contra a ansiedade por
meio do recalque de um sentimento e da percepção equivocada desse sentimento em
uma outra pessoa. Eu recalco a minha raiva e acho que você está com raiva de
mim. Recalco o meu desejo sexual e acho que você é que me deseja.
Essa forma de projeção, incidentalmente,
está sempre presente na homofobia. Eu recalco meus anseios homossexuais e
acredito que outro homem, talvez um que identifico como gay, está tentando me
seduzir. É possível que muitas das acusações políticas contra os homossexuais
tenham suas raízes na projeção. Por exemplo, diz-se frequentemente que não se
deveria permitir que homens homossexuais dessem aulas nos colégios ou fossem
chefes de escoteiros, porque poderiam incentivar um estilo de vida gay ou mesmo
seduzir os meninos. Não há evidências para se afirmar isso, portanto a teoria
da projeção leva a deduzir que pode ser o acusador quem tema correr o risco de
ser seduzido ou de seduzir. O leitor não terá dificuldade para entender por que
tantos soldados heterossexuais se opõem veementemente a que haja homossexuais
em suas unidades. Freud acreditava que a homofobia podia explicar muitos casos
de paranoia.
Um dos meus clientes, Jay, estava fazendo
um doutorado e havia tempo tentava terminar sua tese. Os meses se passavam, e
ele ia ficando cada vez mais enfurecido com os professores da banca, alegando
que eles sempre conseguiam inventar um novo obstáculo para colocar no seu
caminho. Por fim, concluiu que os professores não queriam que ele obtivesse o
título e estavam conspirando para derrotá-lo. Ao longo de todo esse período,
fui ficando cada vez mais convencido de que Jay estava sabotando a tese e
inconscientemente determinado a não terminá-la. Seu pai fora um operário que
fizera verdadeiros sacrifícios para que o filho pudesse estudar e tinha morrido
assim que ele começara os estudos na faculdade. Jay falava com frequência do
amor que sentia pelo pai, de sua gratidão por ter sido encorajado a estudar e
de sua tristeza pelo fato de o pai não estar vivo para vê-lo concluir os
estudos. Aos poucos, foi ficando claro que também se sentia muito culpado por
suplantar o pai. A culpa decorria de diversos fatores, já que a morte do pai
deixara a mãe só para ele. Todo esse complexo de emoções era tão assustador
para Jay que a solução que encontrou foi projetar nos professores seu senso de
desvalor e o desejo de fracassar.
Todos nós empregamos versões moderadas da
projeção durante uma boa parte do tempo, e dificilmente nos damos conta disso,
a não ser quando ela afeta um relacionamento a ponto de chamar a atenção para
sua existência. Não é incomum a pessoa projetar no parceiro a fantasia da
infidelidade, e em seguida acusá-lo de infiel.
Quando eu estava na faculdade, um amigo
que era muito íntimo de seu companheiro de quarto convenceu-se de maneira
inabalável de que sua noiva estava planejando ter um caso com ele, durante o
tempo em que estaria fora da cidade. Em meio a uma intensa confrontação, a
noiva, que era muito ponderada e sagaz, lhe disse: "Alguém está com desejo
de dormir com Ted, muito bem, e não sou eu." Meu amigo ficou completamente
abalado. Mais tarde, ele me disse que até aquele momento acreditara firmemente
que sua heterossexualidade era absoluta. Durante um curso de psicologia, ao
ouvir alguém falar da teoria de que todas as pessoas eram inconscientemente
bissexuais, ele pensara: "Menos eu."
Essa situação acabou se provando um
problema brando (e muito instrutivo). A projeção levada aos extremos pode se
transformar num problema muito grave, que se deteriora até se tornar uma
paranoia plenamente desenvolvida.
FORMAÇÃO REATIVA
A formação reativa é um mecanismo de
defesa com o qual nos protegemos da ansiedade, manipulando uma percepção interna.
Significa perceber equivocadamente um sentimento como o seu oposto.
Frequentemente, significa transformar amor em agressão ou agressão em amor.
Um dos episódios mais fascinantes e
emocionantes da vida de Beethoven envolveu seu sobrinho Karl e sua cunhada
Johanna, mãe de Karl. Beethoven desenvolveu um ódio irracional por Johanna e
uma firme convicção de que deveria resgatar Karl de sua influência. Maynard
Solomon, o biógrafo mais sofisticado do compositor, psicologicamente falando,
levanta a hipótese convincente de que o ódio obsessivo de Beethoven por Johanna
representava uma atração passional inconsciente por ela.
Uma forma extremamente importante de
formação reativa é confundir um desejo com um medo. É um modo comum de se
proteger da culpa decorrente de um desejo. (...)
Os terapeutas psicodinâmicos aprenderam
que, ao se confrontar com um medo do cliente que consideram enigmático, devem
refletir, ao menos para si, sobre que desejo aquele medo pode estar mascarando.
A forma oposta da formação reativa é a
contrafobia, em que o indivíduo se protege de ter de confrontar um medo,
percebendo-o equivocadamente como um desejo. Sou fascinado por cutelarias.
Existe uma cadeia delas em Nova York, com amplas vitrines exibindo uma
infindável coleção de facas brilhantes, canivetes e tesouras. Posso ficar horas
diante de uma dessas vitrines, embora certamente não necessite de mais um
canivete suíço. O leitor que me acompanhou até aqui reconhecerá uma resposta
contrafóbica a um caso grave de ansiedade de castração.
IDENTIFICAÇÃO COM O AGRESSOR
Um dos conteúdos mais importantes do livro
de Anna Freud é o capítulo sobre identificação com o agressor. Embora Sigmund
Freud tenha descrito o fenômeno em diversos contextos, nunca o isolou e nomeou.
A confrontação com alguém mais poderoso que você, que tem intenções agressivas
a seu respeito, reais ou imaginadas, provoca muita ansiedade. Possuir intenções
agressivas em relação a essa pessoa poderosa também pode provocar ansiedade,
devido ao medo da retaliação. A identificação com o agressor é uma defesa elaborada para proteger
o sujeito contra a ansiedade decorrente do conflito com uma pessoa poderosa ou
de estar à mercê dessa pessoa. (...)
A identificação com o agressor desempenha
um papel importante na resolução do complexo de Édipo, na formação da
identidade do adolescente e na formação do superego.
A psicanalista Nancy MacWilliams assinalou
que a análise que Anna Freud fez desse fenômeno teria sido mais clara se ela o
tivesse chamado de "introjeção do agressor", porque era claramente
isso o que ela queria dizer. A identificação em geral implica uma defesa menos
automática e inconsciente do que a introjeção. As crianças se identificam com
os pais, mentores e colegas de maneiras muito óbvias: forma de vestir, atitudes
e comportamentos. Também introjetam aspectos deles, como na resolução do
complexo de Édipo. A introjeção implica a suposição inconsciente de que existe
em mim um determinado atributo ou conjunto de atributos da outra pessoa. No
entanto, manteremos a terminologia empregada por Anna Freud, já que esta
conquistou aparentemente um lugar permanente na linguagem psicanalítica.
A identificação com o agressor me permite
aumentar o poder que percebo em mim por meio da introjeção de algum aspecto da
pessoa perigosa. Posso introjetar uma ou mais de suas características pessoais,
ou justamente a sua agressividade. Na resolução edipiana clássica, eu me torno
igual a meu progenitor do mesmo sexo ao me definir como heterossexual e partir
em busca do meu próprio parceiro. É provável que eu também me torne igual
àquele progenitor de uma série de outras maneiras. Uma parte importante da
minha identidade é construída por meio dessa introjeção.
Ao utilizar essa defesa, posso também
projetar. Projeto as minhas intenções agressivas na outra pessoa para me
proteger contra a ansiedade superegoica, ou seja, para me proteger da culpa.
Desse modo, não percebo minha agressividade em relação a meu pai; percebo
apenas que tenho medo dele. Como introjetei seu poder, o medo é administrável.
As crianças que brincam de super-heróis onipotentes empregam uma versão
cotidiana adaptada dessa defesa. Elas estão, é claro, identificando-se com urna
pessoa poderosa que as amedronta, frequentemente com um progenitor.
Em seu livro sobre os campos de
concentração nazistas, o psicanalista Bruno Bettlelheim, ele mesmo um
sobrevivente do holocausto, fornece um exemplo comovente dessa defesa. Os
prisioneiros judeus se identificavam com os guardas nazistas. Eles imitavam a
maneira de os guardas andarem e se apossavam de uma parte descartada do
uniforme deles, como se fosse um objeto de valor.
DESLOCAMENTO E VOLTANDO-SE CONTRA O SELF
Anna Freud conta de um paciente do sexo
feminino cujas tentativas de lidar com a ansiedade ilustram dois mecanismos de
defesa que ainda não consideramos:
Quando criança, essa paciente sentia
inveja e ciúme intenso do tratamento especial que acreditava ser concedido por
sua mãe aos irmãos. Isso se transformou finalmente em uma impetuosa hostilidade
contra a mãe e ela se tornou uma criança abertamente raivosa e desobediente.
Mas seu amor pela mãe era igualmente forte, o que fez com que adquirisse um
severo conflito. Temia que a raiva lhe custasse o amor da mãe, de que ela tanto
necessitava. Ao entrar no período de latência, sua ansiedade e conflito se
tornaram cada vez mais intensos. A primeira tentativa de dominar essa ansiedade
foi através do emprego do mecanismo de deslocamento. Para solucionar o problema
da ambivalência, ela deslocou o ódio para uma série de mulheres. Sempre havia
em sua vida uma segunda mulher importante que ela odiava violentamente. Isso
produzia uma culpa menor do que o ódio que sentia pela mãe, mas não eliminava a
culpa. Portanto, o deslocamento não era uma solução adequada.
O seu ego agora recorreu a um segundo
mecanismo [que Sigmund Freud chamou de voltando-se contra o self]:
interiorizou o ódio que até então estava relacionado exclusivamente a outras
pessoas. Ela se torturava com autoacusações e sentimentos de inferioridade. Ao
longo da adolescência e já adulta, fez tudo que podia para se colocar em
desvantagem e prejudicar seus interesses, sempre abdicando de seus desejos para
suprir as demandas dos outros em relação a ela.
Como os outros mecanismos, o deslocamento
e o voltar-se contra o self são comuns na vida cotidiana, mas
relativamente inofensivos, contanto que sejam brandos e de curta duração. O
deslocamento é uma defesa tão comum que ganhou uma expressão geral:
"Descontar nos outros." Se o meu patrão me tratou mal, é claro que
não posso manifestar a raiva que sinto dele. O que é mais sutil: posso não me
permitir senti-la plenamente, porque isso tornaria a minha vida profissional
desagradável e poderia estimular uma culpa inconsciente relacionada à raiva que
sinto de um progenitor. Nessas ocasiões, meus entes queridos mais próximos me
fornecem um amplo ancoradouro; eles são alvos mais seguros.
Minha cliente Victoria, quando criança,
aprendeu que as consequências de expressar a raiva eram terríveis,
frequentemente dias de tratamento silencioso. Ela cresceu quase sem poder até
mesmo sentir raiva, quanto mais manifestá-la. Sua resposta a qualquer
dificuldade interpessoal era se sentir bastante deprimida. Demorou muito até
ela ser capaz de perceber a depressão como raiva voltada contra si mesma, O
único lugar seguro para onde podia dirigi-la. (...)
Anna Freud escreveu que “os processos
defensivos, tais como o deslocamento (...) ou o voltar-se contra o self, afetam
o próprio processo pulsional; o recalque e a projeção apenas o impedem de ser
percebido”. O que ela queria dizer com isso era que a criança, no exemplo
anterior retirado de seu livro, deixou realmente de odiar a mãe e começou a
odiar primeiro as outras mulheres, e depois a si mesma. (...) Porém o ódio da
mãe ainda está presente no inconsciente, sendo simplesmente recalcado, ou seja,
não percebido. Não é incomum trabalhar com um cliente que deslocou seus anseios
eróticos edipianos para outra pessoa, e então falseia a evidência inconfundível
de que o anseio original continua a existir, inconscientemente.
KAHN,
Michel. Freud básico – pensamentos psicanalíticos para o século XXI. Rio
de Janeiro: BestBolso, 2013. p. 139 a 154.
Os mecanismos de defesa do ego, conceitos teóricos
introduzidos por Freud em diversos artigos e que foram discutidos com mais
profundidade por sua maior herdeira intelectual: a própria filha. "Com os
trabalhos de Anna Freud, a noção de mecanismo de defesa voltou a se tornar
central na reflexão psicanalítica e assumiu até mesmo o valor de conceito",
explica a francesa Elisabeth Roudinesco. "Os mecanismos de defesa
interviriam contra as agressões pulsionais, mas também contra todas as fontes
externas de angústia, inclusive as mais concretas."
Segundo
a psicanálise, portanto, esses mecanismos mentais são estratégias inconscientes
para que o indivíduo consiga se defender de um monte de coisa: da ansiedade
provocada pelo conflito entre id e superego, dos pensamentos inaceitáveis que
querem vir do inconsciente e das pressões da realidade externa. Para isso,
esses processos criam disfarces para os pensamentos com maior potencial de
dano, impedindo que a pessoa esteja consciente deles - e conseguindo que os
machucados doam menos, se chegarem a doer. Foi em 1936 que Anna Freud mergulhou
nos mecanismos de defesa do ego sugeridos na obra de seu pai. Os principais,
nós vamos ver agora.
Projeção
Está
se sentindo culpado por um desejo proibido, um comportamento impróprio ou um
mau-caratismo da pior espécie? Seus problemas acabaram: é só jogar a batata
quente dessa culpa no colo de outra pessoa - uma transferência de
responsabilidade que pode acontecer dentro da sua cabeça, via projeção. Esse
mecanismo faz com que o indivíduo projete em outras pessoas as suas
inseguranças e sentimentos desagradáveis. Assim, ele consegue tirar a carga
emocional das próprias costas - botando a culpa em alguém. E tudo começa com o
reconhecimento em si mesmo de algo que lhe cause sofrimento. Caso você esteja
querendo brigar com seu irmão porque tem ciúmes da relação que ele tem com seus
pais, a dificuldade de aceitar que é uma pessoa ciumenta faz com que você
comece a inventar motivos para achar que, na verdade, é o seu irmão quem está
tentando brigar com você.
Também
pode acontecer quando, intimamente, a pessoa se acha um peso morto na empresa.
Em vez de reconhecer o problema, ela começa a comentar com os outros que um
novo colega está querendo mostrar serviço demais, e vai queimar o filme de todo
mundo. É uma forma que a mente encontra de avisar à consciência que o próprio
indivíduo não está fazendo jus ao emprego, mas sem ir direto ao assunto - e,
portanto, sem provocar as dores dessa culpa.
Formação reativa
É
agir da maneira oposta ao seu desejo oculto - e exagerando nessa inversão. Por
exemplo, a ciência já mostrou que homofóbicos raivosos são, na verdade,
homossexuais reprimidos. Um estudo de 1996, da Universidade da Geórgia, nos
Estados Unidos, investigou a reação de homens declaradamente heterossexuais a
cenas de sexo gay. Entre os pesquisados - 64 voluntários, com média de vinte
anos de idade -, havia homens que disseram não gostar de homossexuais, mas
também héteros que não manifestaram nenhuma rejeição à ideia de outras pessoas
terem vínculos homoafetivos. Durante o estudo, enquanto os pesquisadores
exibiam um filminho pornô gay, um aparelho ligado ao pênis de cada participante
media o nível de excitação sexual de cada um. Adivinhe, então, qual grupo teve
movimentos no pênis ao assistir às cenas de pegação homem com homem... Sim, os
homofóbicos. Um clássico da formação reativa.
Sublimação
Eis
aqui um mecanismo que deveria ser implantado por chip no cérebro dos políticos,
porque basicamente transforma pensamentos ruins em atos bons, construtivos,
generosos - no mínimo, em comportamentos socialmente aceitáveis.
Alguém
obcecado por games de luta pode estar sublimando uma agressividade que, se
dependesse só do que está no inconsciente, tornaria o indivíduo um criminoso. E
alguns esportes também permitem essa transformação regeneradora. Se você descer
a porrada no seu vizinho barulhento, a polícia vai aparecer na sua casa. Mas,
se você der golpes no seu adversário num torneio de judô, sua vocação para o
confronto físico será não apenas aceita como pode lhe render uma medalha
olímpica.
E
não é só para a agressividade que esse mecanismo funciona. Alguém com desejo de
ter relações extraconjugais pode aproveitar os momentos em que o cônjuge não
está por perto e sublimar essa vontade... pintando as paredes da casa toda, ou
organizando sua coleção de quatrocentos discos de vinil. Sim, além de colocar o
indivíduo para fazer uma coisa útil com seus impulsos, a sublimação pode evitar
divórcios.
Regressão
Você
já levou um ursinho para o trabalho novo ou decorou seu ambiente no escritório
com figurinhas de um álbum que pouco tem a ver com a sua idade? Essa volta a um
comportamento infantil é a maneira que a psique encontra para lidar com
aflições da vida adulta que o indivíduo não quer encarar de frente. É o caso da
pessoa que, diante da morte de alguém querido, só consegue um pouco de conforto
dormindo na sua antiga cama, na casa dos pais. Na regressão, a mente se apega a
formas de gratificação do seu passado, geralmente ligadas à infância, para
contornar questões dolorosas.
Outro
bom exemplo existe nos desenhos do Snoopy: o personagem Linus, amigo do Charlie
Brown, tem um “cobertor de segurança” ao qual ele se apega como se fosse um
bebê. Sem a mantinha, o garoto fica paranoico e tem ataques de ansiedade,
simplesmente não consegue lidar com as interações do dia a dia sem o acessório -
remanescente de um tempo em que o berço quentinho era o lugar mais seguro do
mundo.
Anulação
É
um tipo de atitude que busca o cancelamento de uma experiência desagradável,
tenha sido ela real ou apenas em pensamento, Por exemplo, um indivíduo tem
ímpetos de dar uma surra numa criança - uma violência que ele mesmo considera
repugnante. Aí o mecanismo mental o protege dessa autoimagem de agressor de
menores fazendo com que ele se comporte de modo a remediar esse ato - ainda
que, no caso, ele nunca tenha partido mesmo para as vias de fato. De uma hora
para outra, o homem vira um doce de pessoa com a molecada: faz esculturas de
balões nas festinhas, vê o mesmo desenho repetidas vezes com a paciência dos
santos penitentes e, mais importante, defende os menininhos que apanham dos
seus pares mais brucutus.
Mas
esse sistema também tem seus riscos, e o mecanismo pode descambar num
comportamento pior do que o pensamento original - aquele do qual o ego deveria
se proteger. Alguém que seja um obsessivo da limpeza no ambiente de trabalho
pode inconscientemente sentir culpa por esse exagero - quiçá influenciado pelos
comentários irônicos dos colegas mais porquinhos. Aí, em casa, escondido dos
outros, Mr. Clean assume a identidade do Cascão: deixa restos de pipoca no sofá
e a pia entulhada de louça. Assim, fazendo a festa das baratas, a pessoa anula
a mania de limpeza que a deixava ansiosa.
Negação
Esse
é perigoso! Ao fazer com que o indivíduo se recuse a aceitar que algum evento
traumático ocorreu de verdade - ou ainda ocorre -, o sistema de defesa pode se
transfigurar em alienação ou, pior, em delírio mesmo. Mas essa negação pode
acontecer em vários níveis. Nesse grau mais extremo, o mecanismo atinge o
inconsciente, e a pessoa realmente acredita que o fato não aconteceu. Como a
mãe que arruma o quarto do filho morto e fica esperando que ele volte para casa
à noite. Ou o alcoólatra que jura de pés juntos que não tem problema com bebida
e que só depende da própria vontade para não enfiar o pé na jaca de novo. Mesmo
diante da realidade dos fatos - a recorrência dos porres, a cirrose -, ele
honestamente acredita que pode parar quando quiser.
Mas
a negação também opera no nível da consciência, como quando uma mulher que
sofre violência do marido fala às amigas sobre como ele é carinhoso, negando os
maus-tratos. Ela pode não saber por que é agredida nem por que mente para as
amigas, mas ela sabe que apanha - tem consciência do próprio martírio. Outro
exemplo pode ser o do pai de família que tinha uma fortuna e perdeu todo o seu
dinheiro na crise, mas continua tendo hábitos de rico. Nesses casos, e em
muitos outros nos quais pensamentos estressantes são evitados com uma fuga da
realidade, a negação tem um custo alto: fazer de conta que o problema não
existe é a forma mais garantida de perpetuá-lo.
Racionalização
É
outro mecanismo que funciona em vários níveis. Pode ser a justificativa para um
ato que a pessoa no fundo condena ou, ainda, a tentativa de achar uma
explicação positiva para uma situação difícil. No primeiro caso, quando a
pessoa faz algo que a moral do superego desaprova, o ego dá um jeito de arrumar
razões que atenuem essa desaprovação. Por exemplo, a pessoa não resiste à
impulsividade do id e compra um apartamento de bacana num dos bairros mais
caros da cidade - uma aquisição acima de suas posses. Ela racionaliza esse ato
dizendo para os outros - e para si mesma - que o próximo ano deve ser de boas
notícias no trabalho, um aumento de salário é quase certo, a economia está
melhorando... Toda uma conjuntura provável - pelo menos na cabeça dela - que dá
aparente sanidade à atitude irracional.
Como
se vê, a necessidade de manter uma coerência entre ação e pensamento é forte
nesse mecanismo. Como no caso da pessoa que bate nos filhos e busca na internet
opiniões "pedagógicas" que deem aval à sua atitude. Até as próprias
vítimas agem assim. Mulheres abusadas tentam achar razões para a violência que
sofreram.
Já
no segundo caso é quando, por exemplo, uma pessoa sozinha à noite ouve barulhos
no quintal. Diante da ansiedade que esses ruídos provocam, o indivíduo começa a
buscar explicações razoáveis que ofereçam uma versão positiva às suas piores
suspeitas. "Não deve ser um ladrão tentando invadir a casa porque vi uma
notícia no jornal dizendo que nosso bairro é dos mais seguros. Deve ser o gato
da vizinha, ele pode ter fugido. Ou o vento derrubou uma das samambaias."
Tudo fica mais "racional" e aceitável que o revólver do ladrão diante
do rosto.
Deslocamento
(...)
O deslocamento é a substituição de um alvo desejado - e proibido ou inacessível
- por um alvo substituto. Um exemplo é o comerciante que ouve um tanto de
absurdos do cliente e engole sapo - afinal, o cliente é a fonte dos seus
rendimentos. Aí, quando chega em casa, desconta sua raiva, até então contida,
nos filhos. O id queria gratificação imediata - dar um murro na cara do cliente
-, mas o superego proibiu - seu trabalho depende de uma boa relação com a
clientela, e isso não envolve socos no queixo. Então o ego encontrou uma hora e
lugar para essa energia psíquica transbordante: brigar mais tarde, com alguém
que não vá colocar em risco a sua capacidade de pagar boletos.
Repressão
Muito
mais do que um mecanismo de defesa, falamos agora de um dos próprios alicerces
da psicanálise. A repressão impede que conteúdos psíquicos incômodos cheguem à
consciência do indivíduo, criando um tipo de amnésia, que pode ser temporária
ou permanente. Até aí, parece bom. Esquecer pensamentos que nos fazem sofrer
tem todo o jeitão de uma panaceia contra as nossas piores angústias. Mas você
viu o filme Brilho eterno de uma mente sem lembranças? Quem assistiu
sabe: de um jeito ou de outro, as recordações dolorosas, que deveriam ter sido
eliminadas, vão voltar com força total.
O
problema é que, por mais poderosa que seja, a repressão nunca faz o serviço
completo: as memórias reprimidas não são deletadas pela mente - só estão
escondidas. É como o lixo que você empurra para baixo do tapete: uma hora essa
sujeira toda vai aparecer, e talvez da pior maneira possível. No caso das
histéricas do século XIX, como vimos, esses pensamentos insuportáveis apareciam
transformados em sintomas físicos. Mas, aqui no século XXI, geralmente surgem
na forma de ansiedade ou comportamento disfuncional (...).
Uma
pessoa que tenha sofrido bullying na pré-escola pode não ter lembrança
nenhuma desses abusos, mas "ganha" uma enorme dificuldade de se
relacionar na vida adulta - e uma neurose digna de tratamento psicanalítico.
Outro indivíduo pode ter fobia de aves – ornitofobia é o termo técnico -, ainda
que uma amnésia misteriosa o impeça de ter a mais vaga ideia de quando esse
medo besta começou. Para quem vive em centros urbanos, e não em fazendas
apinhadas de galinheiros, lidar com esse transtorno não é tão terrível assim:
basta adquirir certa habilidade para driblar o zigue-zague das pombas ou
treinar sua filha para espantar os pássaros para bem longe de você (esse
escritor fala por experiência própria). Mas se o dia a dia com essa fobia pode
ser razoavelmente administrável, o trauma que a provocou talvez não fosse – e
teve de ser banido da mente consciente pela repressão, a capitã do time dos
mecanismos de defesa do ego.
CARVALHO, Alexandre.
Freud sem traumas. São Paulo: Leya Brasil, 2021. p. 164 a 172.
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