Módulo 14

 

MECANISMOS DE DEFESA DO EU

 


         Os mecanismos de defesa são processos psíquicos que se atribuem geralmente ao Eu organizado. Têm por função a organização e a manutenção de condições psíquicas ótimas, podendo ajudar o Eu do sujeito a enfrentar e a evitar a angústia e o mal-estar psíquico. Participam assim das tentativas de elaboração do conflito psíquico mas podem, por sua utilização excessiva ou imprópria, comprometer o crescimento psíquico. (...)

         Anna Freud (...) repertoriou e descreveu os mecanismos de defesa do Ego (no livro O ego e os mecanismos de defesa de 1936). Para ela, “tudo o que acontece às pulsões (...) é, no fim das contas, atribuível a uma atividade do Ego. Se as exigências do Ego ou das forças exteriores representadas pelo Ego não exercessem pressão, a pulsão conheceria apenas um destino: o da satisfação”. Ela distingue “novos métodos de defesa”: o recalcamento, a regressão, a formação reativa, o isolamento, a anulação retroativa, a projeção, a introjeção, o voltar contra si mesmo, a transformação no contrário. “Pode-se acrescentar”, diz ela, “um décimo método que pertence mais ao domínio da normalidade que ao da neurose: a sublimação ou deslocamento da meta instintiva”.

MIJOLLA, Alain de. Dicionário internacional de psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2005. Vol. 1. Verbete Realidade Psíquica. p. 438.

 

Praticamente desde o começo de nossas vidas nos deparamos com conflitos inevitáveis. Existem impulsos imperiosos demandando satisfação. Postado à frente deles, temos o mundo exterior, que ameaça de punição a tentativa de satisfazer a vários desses impulsos. Esse é o primeiro conflito, sendo, com diferentes disfarces, vitalício. Durante a infância, outra força se desenvolve, e é preciso lidar com ela: o superego, a consciência, que ameaça punir com a culpa. A psicanálise é o estudo desses conflitos e do modo como se lida com eles.

No quadro freudiano da vida mental, vimos que os impulsos se originam no id e que o ego é aquela parte da personalidade encarregada de manejar os conflitos entre o id, o mundo exterior e o superego. O ego tem de tentar nos manter longe do perigo, enquanto busca conseguir que ao menos alguns dos impulsos sejam satisfeitos. Deve tentar manter a dor psíquica na intensidade mínima. Acima de tudo, deve impedir que sejamos subjugados pelas três variedades de ansiedade: a realista, a moral e a neurótica. Sua missão não é fácil. A própria antecipação da satisfação de alguns desses impulsos evoca o espectro da punição e, desse modo, gera muita ansiedade. Uma decisão consciente de privar-se do impulso, no entanto, pode ser extremamente frustrante.

Freud deu o nome de mecanismos de defesa às muitas tentativas do ego de solucionar esses dilemas. Repetidamente, ele disse que os mecanismos de defesa eram a pedra fundamental da teoria psicanalítica. Se os compreendêssemos, entenderíamos como a mente funciona. Embora ele tenha acrescentado que por meio disso compreenderíamos também a neurose, é importante observar que nem Freud nem qualquer um de seus seguidores acreditavam que o emprego dos mecanismos de defesa era necessariamente patológico. Pelo contrário, todos nós os utilizamos; não poderíamos levar a vida sem eles. Esses mecanismos só se tornam um problema se utilizados pelo ego de modo excessivo ou inflexível.

Observa-se corriqueiramente na medicina que às vezes o corpo tenta encontrar alivio para uma doença ou ferimento com excessivo entusiasmo e produz urna condição pior ainda. A afirmação de Freud de que os mecanismos de defesa são a chave da neurose contém a mesma implicação. Em uma tentativa de se proteger da ansiedade, as pessoas às vezes instauram medidas defensivas excessivas que se tornam componentes pertinazes e gravemente onerosos do seu caráter.

Dos vários mecanismos de defesa, o primeiro que Freud focalizou foi o recalque (...). Vimos como um recalque excessivo oprime a nossa vida. Mais tarde, Freud acrescentou outros mecanismos, mas nunca escreveu um relatório sistemático sobre eles. Essa tarefa coube à sua filha, Anna Freud, que em 1936 publicou O ego e os mecanismos de defesa, até hoje um dos livros clássicos da psicanálise sobre o assunto. Dos escritos do pai, ela selecionou uma lista de defesas e, em seguida, acrescentou outras; consideraremos as mais importantes aqui. (...)

 

RECALQUE

Recalcar significa excluir um impulso ou um sentimento da consciência. Portanto, é a manipulação da percepção de um episódio interior.

O desejo erótico por uma pessoa proibida é perigoso. Se a pessoa que eu desejo é um progenitor, um filho ou um irmão, ou talvez (se me defino como heterossexual) uma pessoa do mesmo sexo, ter a consciência desse desejo me colocaria em risco de experimentar dolorosos sentimentos de culpa. Se eu revelasse o desejo, incorreria em novo risco, o de ser humilhado ou punido. Se tenho consciência do impulso e consigo mantê-lo inteiramente oculto, tenho de lidar não apenas com a culpa, mas também com a frustração de uma forte necessidade que nunca pode ser satisfeita. Parece claro que é uma vantagem não ter consciência do meu desejo.

O mesmo é verdadeiro para os impulsos agressivos. Para muitos de nós, é difícil ter consciência dos sentimentos de raiva que guardamos em relação a pessoas próximas. Para alguns de nós, é difícil aceitar sentimentos de raiva em relação a qualquer pessoa. Assim como acontece com os sentimentos eróticos, parece melhor não estar ciente deles.

Essa opção está disponível: é a opção do recalque. Encontramos de novo nosso velho amigo, o vigia que toma conta da sala de visitas da consciência. Ele examina o desejo que busca ser admitido na consciência e decide expulsá-lo, mantê-lo no hall de entrada. Se de algum modo esse desejo consegue entrar na sala de visitas, ele o acompanha até a saída novamente. Na linguagem da teoria dos mecanismos de defesa, o ego reconheceu essa dupla demanda do id:

• que o desejo seja reconhecido pela consciência; e

• que seja satisfeito por meio de ação.

O ego sabe bem que, se qualquer dessas demandas for concedida, o superego atacará com a culpa. Ele também sabe que provavelmente haverá respostas negativas do mundo exterior, caso o desejo seja revelado. Portanto, recalca o desejo, ou seja, mantém-no longe da consciência, mantém-no aprisionado no inconsciente, e, ao fazer isso, protege-se da ansiedade, da antecipação do desamparo diante do perigo. (...) Ao menos no caso da agressão, isso é uma vitória pirrônica. O superego não será mitigado porque os sentimentos agressivos se tornaram inconscientes. No exemplo anterior, a percepção de um episódio interior (desejo) foi bloqueada. Ainda desejo a pessoa ou ainda quero magoá-la, mas esse desejo é agora inconsciente, invisível, não mais percebido por mim. (...)

O recalque é indispensável. Os desejos incestuosos são um bom exemplo disso. Como poucos de nós estamos planejando violar os tabus e arcar com as consequências, a consciência desses impulsos seria dolorosa, frustrante e provocaria ansiedade. O mesmo pode ser dito a respeito de boa parte dos desejos eróticos e dos impulsos agressivos que sentimos. Se não os recalcássemos de todo, iríamos nos sentir oprimidos pela profusão de fantasias e impulsos que incidiriam sobre a consciência.

Como vimos (...), a maioria de nós recalca mais do que seria desejável. Se não posso ter plena consciência dos meus sentimentos amorosos - tanto dos afetuosos quanto dos passionais -, da minha jocosidade, da minha assertividade e da minha dor e tristeza, minha vida fica truncada e distorcida. Embora o recalque seja indispensável quando aplicado aos impulsos apropriados em doses apropriadas, quando excessivo é a causa de graves problemas na vida.

Há uma importante lição sobre a criação dos filhos que pode ser tirada disso. A muitos de nós foi ensinado que havia não apenas boas e más ações, mas bons e maus sentimentos. São raros os pais que encorajam os filhos a fazer uma distinção entre sentimentos e comportamentos, apoiando o direito deles de sentir tudo que sentem, ao mesmo tempo em que lhes ensinam que certos comportamentos são proibidos. O encorajamento dessa distinção, no entanto, seria um avanço, no sentido de proteger a criança de um recalque excessivo em sua vida futura.

Sigmund e Anna Freud entendiam que o recalque era o mecanismo de defesa básico e o mais propenso a causar sérias dificuldades neuróticas. Veremos que alguns dos outros podem ser muito destrutivos, se utilizados em excesso, mas em sua maioria fazem parte da vida mental normal. À medida que prosseguimos, consideraremos os mecanismos rotulados de negação, projeção, formação reativa, identificação com o agressor, deslocamento e voltando-se contra o self.

 

NEGAÇÃO

O recalque é a manipulação da percepção de um episódio interno. O mecanismo da negação é a manipulação mental de um episódio externo.

A negação significa que eu me protejo da ansiedade, deixando de perceber ou percebendo equivocadamente algo no mundo exterior aos meus próprios pensamentos ou sentimentos. Assim que saímos da infância, a negação apresenta um problema para o ego. Uma das missões do ego é o teste de realidade. Sobrevivemos graças à capacidade do ego de avaliar a realidade, e é através dessa capacidade que maximizamos as nossas gratificações. É o ego que nos lembra de que, por mais que tenhamos prazer em dirigir rápido, a realidade é que podemos ser presos ou mortos por causa da alta velocidade. Para o ego, o uso de um mecanismo de defesa que distorce a realidade, como, por exemplo, achar que não existe perigo na alta velocidade, lhe apresenta um problema. Entretanto, mesmo o ego mais maduro e flexível dá um jeito de, às vezes, fazer exatamente isso.

Um exemplo clássico de negação em nosso mundo contemporâneo é a persistente falta de disposição de amplas parcelas da população de reconhecer riscos à saúde amplamente divulgados, mais flagrantemente, o hábito de fumar. Para fumar sem um forte sentimento de ansiedade, é necessário encobrir a consciência do perigo.

No auge do impasse nuclear entre os Estados Unidos e a União Soviética, todos os habitantes do planeta estavam sob permanente ameaça de urna catástrofe de proporções inimagináveis. Tenho a impressão de que, para todos, algum grau de negação era necessário para viver sem uma ansiedade paralisante. A maioria das pessoas parecia ter conseguido uma boa dose de negação. Mesmo os ativistas antinucleares precisavam negar de alguma forma, para continuar em atividade.

Jogadores contumazes empregam a negação, a um custo considerável. As chances de não ganhar em uma das loterias que pagam prêmios elevados são estarrecedoras. Tenho um amigo que vive falando de ganhar na loteria; quando alguém diz que não sabia que ele jogava, ele diz: "Eu não jogo, mas tenho tanta chance de ganhar quanto quem joga." Isso está muito próximo da verdade, porém não há falta de fregueses para os bilhetes lotéricos. Jogadores envolvidos com máquinas caça-níqueis não poderiam continuar jogando se não negassem a alta probabilidade desfavorável a eles. Mesmo os jogadores de dados, que enfrentam as probabilidades menos ruins de um cassino, precisam negar a pequena chance que têm de sair vitoriosos ao final do jogo.

A maioria de nós utiliza a defesa da negação ao menos ocasionalmente. Certa vez, no meu trabalho, eu desejava muito uma determinada atribuição, e, durante várias semanas, fui o principal candidato a ela. Um amigo meu, preocupado com a possibilidade de uma reação negativa de minha parte quando a realidade fosse revelada, chamou-me de lado e disse, gentilmente, que todos, menos eu, estavam percebendo que eu não tinha a menor chance - o meu supervisor vinha indicando isso. Eu não tinha me permitido enxergar esses indícios.

Algumas vezes, empregamos a negação em nossos relacionamentos, quando, por exemplo, estamos motivados a não enxergar que nosso amor não é correspondido ou, caso contrário, quando o relacionamento é tão agradável que nos recusamos a enxergar que estamos nos envolvendo mais profundamente do que planejávamos.

A negação pode ser muito perigosa, como no caso do fumo. No entanto, às vezes pode ser adaptativa. Uma amiga minha precisava fazer uma biópsia que, ela disse, poderia produzir um diagnóstico inofensivo ou catastrófico. A biópsia estava marcada para dali a sete dias. Ela continuou fazendo o que tinha de fazer na semana, parecendo bastante animada. Comentei com um psicólogo amigo nosso muito culto que eu estava preocupado com a negação dela, temendo que não estivesse preparada para a catástrofe, caso esta de fato ocorresse. Ele me disse para deixá-la em paz e me dar por contente por ela ter um ego suficientemente forte para negar o perigo, quando não havia nada que pudesse fazer a respeito. Nunca me esqueci desse conselho. Incidentalmente, a história teve um final feliz.

 

PROJEÇÃO

O mecanismo de defesa como qual manipulamos uma percepção interna e uma percepção externa é chamado de projeção. A projeção refere-se a uma forma de proteção contra a ansiedade por meio do recalque de um sentimento e da percepção equivocada desse sentimento em uma outra pessoa. Eu recalco a minha raiva e acho que você está com raiva de mim. Recalco o meu desejo sexual e acho que você é que me deseja.

Essa forma de projeção, incidentalmente, está sempre presente na homofobia. Eu recalco meus anseios homossexuais e acredito que outro homem, talvez um que identifico como gay, está tentando me seduzir. É possível que muitas das acusações políticas contra os homossexuais tenham suas raízes na projeção. Por exemplo, diz-se frequentemente que não se deveria permitir que homens homossexuais dessem aulas nos colégios ou fossem chefes de escoteiros, porque poderiam incentivar um estilo de vida gay ou mesmo seduzir os meninos. Não há evidências para se afirmar isso, portanto a teoria da projeção leva a deduzir que pode ser o acusador quem tema correr o risco de ser seduzido ou de seduzir. O leitor não terá dificuldade para entender por que tantos soldados heterossexuais se opõem veementemente a que haja homossexuais em suas unidades. Freud acreditava que a homofobia podia explicar muitos casos de paranoia.

Um dos meus clientes, Jay, estava fazendo um doutorado e havia tempo tentava terminar sua tese. Os meses se passavam, e ele ia ficando cada vez mais enfurecido com os professores da banca, alegando que eles sempre conseguiam inventar um novo obstáculo para colocar no seu caminho. Por fim, concluiu que os professores não queriam que ele obtivesse o título e estavam conspirando para derrotá-lo. Ao longo de todo esse período, fui ficando cada vez mais convencido de que Jay estava sabotando a tese e inconscientemente determinado a não terminá-la. Seu pai fora um operário que fizera verdadeiros sacrifícios para que o filho pudesse estudar e tinha morrido assim que ele começara os estudos na faculdade. Jay falava com frequência do amor que sentia pelo pai, de sua gratidão por ter sido encorajado a estudar e de sua tristeza pelo fato de o pai não estar vivo para vê-lo concluir os estudos. Aos poucos, foi ficando claro que também se sentia muito culpado por suplantar o pai. A culpa decorria de diversos fatores, já que a morte do pai deixara a mãe só para ele. Todo esse complexo de emoções era tão assustador para Jay que a solução que encontrou foi projetar nos professores seu senso de desvalor e o desejo de fracassar.

Todos nós empregamos versões moderadas da projeção durante uma boa parte do tempo, e dificilmente nos damos conta disso, a não ser quando ela afeta um relacionamento a ponto de chamar a atenção para sua existência. Não é incomum a pessoa projetar no parceiro a fantasia da infidelidade, e em seguida acusá-lo de infiel.

Quando eu estava na faculdade, um amigo que era muito íntimo de seu companheiro de quarto convenceu-se de maneira inabalável de que sua noiva estava planejando ter um caso com ele, durante o tempo em que estaria fora da cidade. Em meio a uma intensa confrontação, a noiva, que era muito ponderada e sagaz, lhe disse: "Alguém está com desejo de dormir com Ted, muito bem, e não sou eu." Meu amigo ficou completamente abalado. Mais tarde, ele me disse que até aquele momento acreditara firmemente que sua heterossexualidade era absoluta. Durante um curso de psicologia, ao ouvir alguém falar da teoria de que todas as pessoas eram inconscientemente bissexuais, ele pensara: "Menos eu."

Essa situação acabou se provando um problema brando (e muito instrutivo). A projeção levada aos extremos pode se transformar num problema muito grave, que se deteriora até se tornar uma paranoia plenamente desenvolvida.

 

FORMAÇÃO REATIVA

A formação reativa é um mecanismo de defesa com o qual nos protegemos da ansiedade, manipulando uma percepção interna. Significa perceber equivocadamente um sentimento como o seu oposto. Frequentemente, significa transformar amor em agressão ou agressão em amor.

Um dos episódios mais fascinantes e emocionantes da vida de Beethoven envolveu seu sobrinho Karl e sua cunhada Johanna, mãe de Karl. Beethoven desenvolveu um ódio irracional por Johanna e uma firme convicção de que deveria resgatar Karl de sua influência. Maynard Solomon, o biógrafo mais sofisticado do compositor, psicologicamente falando, levanta a hipótese convincente de que o ódio obsessivo de Beethoven por Johanna representava uma atração passional inconsciente por ela.

Uma forma extremamente importante de formação reativa é confundir um desejo com um medo. É um modo comum de se proteger da culpa decorrente de um desejo. (...)

Os terapeutas psicodinâmicos aprenderam que, ao se confrontar com um medo do cliente que consideram enigmático, devem refletir, ao menos para si, sobre que desejo aquele medo pode estar mascarando.

A forma oposta da formação reativa é a contrafobia, em que o indivíduo se protege de ter de confrontar um medo, percebendo-o equivocadamente como um desejo. Sou fascinado por cutelarias. Existe uma cadeia delas em Nova York, com amplas vitrines exibindo uma infindável coleção de facas brilhantes, canivetes e tesouras. Posso ficar horas diante de uma dessas vitrines, embora certamente não necessite de mais um canivete suíço. O leitor que me acompanhou até aqui reconhecerá uma resposta contrafóbica a um caso grave de ansiedade de castração.

 

IDENTIFICAÇÃO COM O AGRESSOR

Um dos conteúdos mais importantes do livro de Anna Freud é o capítulo sobre identificação com o agressor. Embora Sigmund Freud tenha descrito o fenômeno em diversos contextos, nunca o isolou e nomeou. A confrontação com alguém mais poderoso que você, que tem intenções agressivas a seu respeito, reais ou imaginadas, provoca muita ansiedade. Possuir intenções agressivas em relação a essa pessoa poderosa também pode provocar ansiedade, devido ao medo da retaliação. A identificação com o  agressor é uma defesa elaborada para proteger o sujeito contra a ansiedade decorrente do conflito com uma pessoa poderosa ou de estar à mercê dessa pessoa. (...)

A identificação com o agressor desempenha um papel importante na resolução do complexo de Édipo, na formação da identidade do adolescente e na formação do superego.

A psicanalista Nancy MacWilliams assinalou que a análise que Anna Freud fez desse fenômeno teria sido mais clara se ela o tivesse chamado de "introjeção do agressor", porque era claramente isso o que ela queria dizer. A identificação em geral implica uma defesa menos automática e inconsciente do que a introjeção. As crianças se identificam com os pais, mentores e colegas de maneiras muito óbvias: forma de vestir, atitudes e comportamentos. Também introjetam aspectos deles, como na resolução do complexo de Édipo. A introjeção implica a suposição inconsciente de que existe em mim um determinado atributo ou conjunto de atributos da outra pessoa. No entanto, manteremos a terminologia empregada por Anna Freud, já que esta conquistou aparentemente um lugar permanente na linguagem psicanalítica.

A identificação com o agressor me permite aumentar o poder que percebo em mim por meio da introjeção de algum aspecto da pessoa perigosa. Posso introjetar uma ou mais de suas características pessoais, ou justamente a sua agressividade. Na resolução edipiana clássica, eu me torno igual a meu progenitor do mesmo sexo ao me definir como heterossexual e partir em busca do meu próprio parceiro. É provável que eu também me torne igual àquele progenitor de uma série de outras maneiras. Uma parte importante da minha identidade é construída por meio dessa introjeção.

Ao utilizar essa defesa, posso também projetar. Projeto as minhas intenções agressivas na outra pessoa para me proteger contra a ansiedade superegoica, ou seja, para me proteger da culpa. Desse modo, não percebo minha agressividade em relação a meu pai; percebo apenas que tenho medo dele. Como introjetei seu poder, o medo é administrável. As crianças que brincam de super-heróis onipotentes empregam uma versão cotidiana adaptada dessa defesa. Elas estão, é claro, identificando-se com urna pessoa poderosa que as amedronta, frequentemente com um progenitor.

Em seu livro sobre os campos de concentração nazistas, o psicanalista Bruno Bettlelheim, ele mesmo um sobrevivente do holocausto, fornece um exemplo comovente dessa defesa. Os prisioneiros judeus se identificavam com os guardas nazistas. Eles imitavam a maneira de os guardas andarem e se apossavam de uma parte descartada do uniforme deles, como se fosse um objeto de valor.

 

DESLOCAMENTO E VOLTANDO-SE CONTRA O SELF

Anna Freud conta de um paciente do sexo feminino cujas tentativas de lidar com a ansiedade ilustram dois mecanismos de defesa que ainda não consideramos:

Quando criança, essa paciente sentia inveja e ciúme intenso do tratamento especial que acreditava ser concedido por sua mãe aos irmãos. Isso se transformou finalmente em uma impetuosa hostilidade contra a mãe e ela se tornou uma criança abertamente raivosa e desobediente. Mas seu amor pela mãe era igualmente forte, o que fez com que adquirisse um severo conflito. Temia que a raiva lhe custasse o amor da mãe, de que ela tanto necessitava. Ao entrar no período de latência, sua ansiedade e conflito se tornaram cada vez mais intensos. A primeira tentativa de dominar essa ansiedade foi através do emprego do mecanismo de deslocamento. Para solucionar o problema da ambivalência, ela deslocou o ódio para uma série de mulheres. Sempre havia em sua vida uma segunda mulher importante que ela odiava violentamente. Isso produzia uma culpa menor do que o ódio que sentia pela mãe, mas não eliminava a culpa. Portanto, o deslocamento não era uma solução adequada.

O seu ego agora recorreu a um segundo mecanismo [que Sigmund Freud chamou de voltando-se contra o self]: interiorizou o ódio que até então estava relacionado exclusivamente a outras pessoas. Ela se torturava com autoacusações e sentimentos de inferioridade. Ao longo da adolescência e já adulta, fez tudo que podia para se colocar em desvantagem e prejudicar seus interesses, sempre abdicando de seus desejos para suprir as demandas dos outros em relação a ela.

Como os outros mecanismos, o deslocamento e o voltar-se contra o self são comuns na vida cotidiana, mas relativamente inofensivos, contanto que sejam brandos e de curta duração. O deslocamento é uma defesa tão comum que ganhou uma expressão geral: "Descontar nos outros." Se o meu patrão me tratou mal, é claro que não posso manifestar a raiva que sinto dele. O que é mais sutil: posso não me permitir senti-la plenamente, porque isso tornaria a minha vida profissional desagradável e poderia estimular uma culpa inconsciente relacionada à raiva que sinto de um progenitor. Nessas ocasiões, meus entes queridos mais próximos me fornecem um amplo ancoradouro; eles são alvos mais seguros.

Minha cliente Victoria, quando criança, aprendeu que as consequências de expressar a raiva eram terríveis, frequentemente dias de tratamento silencioso. Ela cresceu quase sem poder até mesmo sentir raiva, quanto mais manifestá-la. Sua resposta a qualquer dificuldade interpessoal era se sentir bastante deprimida. Demorou muito até ela ser capaz de perceber a depressão como raiva voltada contra si mesma, O único lugar seguro para onde podia dirigi-la. (...)

Anna Freud escreveu que “os processos defensivos, tais como o deslocamento (...) ou o voltar-se contra o self, afetam o próprio processo pulsional; o recalque e a projeção apenas o impedem de ser percebido”. O que ela queria dizer com isso era que a criança, no exemplo anterior retirado de seu livro, deixou realmente de odiar a mãe e começou a odiar primeiro as outras mulheres, e depois a si mesma. (...) Porém o ódio da mãe ainda está presente no inconsciente, sendo simplesmente recalcado, ou seja, não percebido. Não é incomum trabalhar com um cliente que deslocou seus anseios eróticos edipianos para outra pessoa, e então falseia a evidência inconfundível de que o anseio original continua a existir, inconscientemente.

KAHN, Michel. Freud básico – pensamentos psicanalíticos para o século XXI. Rio de Janeiro: BestBolso, 2013. p. 139 a 154.


 

         Os mecanismos de defesa do ego, conceitos teóricos introduzidos por Freud em diversos artigos e que foram discutidos com mais profundidade por sua maior herdeira intelectual: a própria filha. "Com os trabalhos de Anna Freud, a noção de mecanismo de defesa voltou a se tornar central na reflexão psicanalítica e assumiu até mesmo o valor de conceito", explica a francesa Elisabeth Roudinesco. "Os mecanismos de defesa interviriam contra as agressões pulsionais, mas também contra todas as fontes externas de angústia, inclusive as mais concretas."

Segundo a psicanálise, portanto, esses mecanismos mentais são estratégias inconscientes para que o indivíduo consiga se defender de um monte de coisa: da ansiedade provocada pelo conflito entre id e superego, dos pensamentos inaceitáveis que querem vir do inconsciente e das pressões da realidade externa. Para isso, esses processos criam disfarces para os pensamentos com maior potencial de dano, impedindo que a pessoa esteja consciente deles - e conseguindo que os machucados doam menos, se chegarem a doer. Foi em 1936 que Anna Freud mergulhou nos mecanismos de defesa do ego sugeridos na obra de seu pai. Os principais, nós vamos ver agora.

 

Projeção

Está se sentindo culpado por um desejo proibido, um comportamento impróprio ou um mau-caratismo da pior espécie? Seus problemas acabaram: é só jogar a batata quente dessa culpa no colo de outra pessoa - uma transferência de responsabilidade que pode acontecer dentro da sua cabeça, via projeção. Esse mecanismo faz com que o indivíduo projete em outras pessoas as suas inseguranças e sentimentos desagradáveis. Assim, ele consegue tirar a carga emocional das próprias costas - botando a culpa em alguém. E tudo começa com o reconhecimento em si mesmo de algo que lhe cause sofrimento. Caso você esteja querendo brigar com seu irmão porque tem ciúmes da relação que ele tem com seus pais, a dificuldade de aceitar que é uma pessoa ciumenta faz com que você comece a inventar motivos para achar que, na verdade, é o seu irmão quem está tentando brigar com você.

Também pode acontecer quando, intimamente, a pessoa se acha um peso morto na empresa. Em vez de reconhecer o problema, ela começa a comentar com os outros que um novo colega está querendo mostrar serviço demais, e vai queimar o filme de todo mundo. É uma forma que a mente encontra de avisar à consciência que o próprio indivíduo não está fazendo jus ao emprego, mas sem ir direto ao assunto - e, portanto, sem provocar as dores dessa culpa.

 

Formação reativa

É agir da maneira oposta ao seu desejo oculto - e exagerando nessa inversão. Por exemplo, a ciência já mostrou que homofóbicos raivosos são, na verdade, homossexuais reprimidos. Um estudo de 1996, da Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos, investigou a reação de homens declaradamente heterossexuais a cenas de sexo gay. Entre os pesquisados - 64 voluntários, com média de vinte anos de idade -, havia homens que disseram não gostar de homossexuais, mas também héteros que não manifestaram nenhuma rejeição à ideia de outras pessoas terem vínculos homoafetivos. Durante o estudo, enquanto os pesquisadores exibiam um filminho pornô gay, um aparelho ligado ao pênis de cada participante media o nível de excitação sexual de cada um. Adivinhe, então, qual grupo teve movimentos no pênis ao assistir às cenas de pegação homem com homem... Sim, os homofóbicos. Um clássico da formação reativa.

 

Sublimação

Eis aqui um mecanismo que deveria ser implantado por chip no cérebro dos políticos, porque basicamente transforma pensamentos ruins em atos bons, construtivos, generosos - no mínimo, em comportamentos socialmente aceitáveis.

Alguém obcecado por games de luta pode estar sublimando uma agressividade que, se dependesse só do que está no inconsciente, tornaria o indivíduo um criminoso. E alguns esportes também permitem essa transformação regeneradora. Se você descer a porrada no seu vizinho barulhento, a polícia vai aparecer na sua casa. Mas, se você der golpes no seu adversário num torneio de judô, sua vocação para o confronto físico será não apenas aceita como pode lhe render uma medalha olímpica.

E não é só para a agressividade que esse mecanismo funciona. Alguém com desejo de ter relações extraconjugais pode aproveitar os momentos em que o cônjuge não está por perto e sublimar essa vontade... pintando as paredes da casa toda, ou organizando sua coleção de quatrocentos discos de vinil. Sim, além de colocar o indivíduo para fazer uma coisa útil com seus impulsos, a sublimação pode evitar divórcios.

 

Regressão

Você já levou um ursinho para o trabalho novo ou decorou seu ambiente no escritório com figurinhas de um álbum que pouco tem a ver com a sua idade? Essa volta a um comportamento infantil é a maneira que a psique encontra para lidar com aflições da vida adulta que o indivíduo não quer encarar de frente. É o caso da pessoa que, diante da morte de alguém querido, só consegue um pouco de conforto dormindo na sua antiga cama, na casa dos pais. Na regressão, a mente se apega a formas de gratificação do seu passado, geralmente ligadas à infância, para contornar questões dolorosas.

Outro bom exemplo existe nos desenhos do Snoopy: o personagem Linus, amigo do Charlie Brown, tem um “cobertor de segurança” ao qual ele se apega como se fosse um bebê. Sem a mantinha, o garoto fica paranoico e tem ataques de ansiedade, simplesmente não consegue lidar com as interações do dia a dia sem o acessório - remanescente de um tempo em que o berço quentinho era o lugar mais seguro do mundo.

 

Anulação

É um tipo de atitude que busca o cancelamento de uma experiência desagradável, tenha sido ela real ou apenas em pensamento, Por exemplo, um indivíduo tem ímpetos de dar uma surra numa criança - uma violência que ele mesmo considera repugnante. Aí o mecanismo mental o protege dessa autoimagem de agressor de menores fazendo com que ele se comporte de modo a remediar esse ato - ainda que, no caso, ele nunca tenha partido mesmo para as vias de fato. De uma hora para outra, o homem vira um doce de pessoa com a molecada: faz esculturas de balões nas festinhas, vê o mesmo desenho repetidas vezes com a paciência dos santos penitentes e, mais importante, defende os menininhos que apanham dos seus pares mais brucutus.

Mas esse sistema também tem seus riscos, e o mecanismo pode descambar num comportamento pior do que o pensamento original - aquele do qual o ego deveria se proteger. Alguém que seja um obsessivo da limpeza no ambiente de trabalho pode inconscientemente sentir culpa por esse exagero - quiçá influenciado pelos comentários irônicos dos colegas mais porquinhos. Aí, em casa, escondido dos outros, Mr. Clean assume a identidade do Cascão: deixa restos de pipoca no sofá e a pia entulhada de louça. Assim, fazendo a festa das baratas, a pessoa anula a mania de limpeza que a deixava ansiosa.

 

Negação

Esse é perigoso! Ao fazer com que o indivíduo se recuse a aceitar que algum evento traumático ocorreu de verdade - ou ainda ocorre -, o sistema de defesa pode se transfigurar em alienação ou, pior, em delírio mesmo. Mas essa negação pode acontecer em vários níveis. Nesse grau mais extremo, o mecanismo atinge o inconsciente, e a pessoa realmente acredita que o fato não aconteceu. Como a mãe que arruma o quarto do filho morto e fica esperando que ele volte para casa à noite. Ou o alcoólatra que jura de pés juntos que não tem problema com bebida e que só depende da própria vontade para não enfiar o pé na jaca de novo. Mesmo diante da realidade dos fatos - a recorrência dos porres, a cirrose -, ele honestamente acredita que pode parar quando quiser.

Mas a negação também opera no nível da consciência, como quando uma mulher que sofre violência do marido fala às amigas sobre como ele é carinhoso, negando os maus-tratos. Ela pode não saber por que é agredida nem por que mente para as amigas, mas ela sabe que apanha - tem consciência do próprio martírio. Outro exemplo pode ser o do pai de família que tinha uma fortuna e perdeu todo o seu dinheiro na crise, mas continua tendo hábitos de rico. Nesses casos, e em muitos outros nos quais pensamentos estressantes são evitados com uma fuga da realidade, a negação tem um custo alto: fazer de conta que o problema não existe é a forma mais garantida de perpetuá-lo.

 

Racionalização

É outro mecanismo que funciona em vários níveis. Pode ser a justificativa para um ato que a pessoa no fundo condena ou, ainda, a tentativa de achar uma explicação positiva para uma situação difícil. No primeiro caso, quando a pessoa faz algo que a moral do superego desaprova, o ego dá um jeito de arrumar razões que atenuem essa desaprovação. Por exemplo, a pessoa não resiste à impulsividade do id e compra um apartamento de bacana num dos bairros mais caros da cidade - uma aquisição acima de suas posses. Ela racionaliza esse ato dizendo para os outros - e para si mesma - que o próximo ano deve ser de boas notícias no trabalho, um aumento de salário é quase certo, a economia está melhorando... Toda uma conjuntura provável - pelo menos na cabeça dela - que dá aparente sanidade à atitude irracional.

Como se vê, a necessidade de manter uma coerência entre ação e pensamento é forte nesse mecanismo. Como no caso da pessoa que bate nos filhos e busca na internet opiniões "pedagógicas" que deem aval à sua atitude. Até as próprias vítimas agem assim. Mulheres abusadas tentam achar razões para a violência que sofreram.

Já no segundo caso é quando, por exemplo, uma pessoa sozinha à noite ouve barulhos no quintal. Diante da ansiedade que esses ruídos provocam, o indivíduo começa a buscar explicações razoáveis que ofereçam uma versão positiva às suas piores suspeitas. "Não deve ser um ladrão tentando invadir a casa porque vi uma notícia no jornal dizendo que nosso bairro é dos mais seguros. Deve ser o gato da vizinha, ele pode ter fugido. Ou o vento derrubou uma das samambaias." Tudo fica mais "racional" e aceitável que o revólver do ladrão diante do rosto.

 

Deslocamento

(...) O deslocamento é a substituição de um alvo desejado - e proibido ou inacessível - por um alvo substituto. Um exemplo é o comerciante que ouve um tanto de absurdos do cliente e engole sapo - afinal, o cliente é a fonte dos seus rendimentos. Aí, quando chega em casa, desconta sua raiva, até então contida, nos filhos. O id queria gratificação imediata - dar um murro na cara do cliente -, mas o superego proibiu - seu trabalho depende de uma boa relação com a clientela, e isso não envolve socos no queixo. Então o ego encontrou uma hora e lugar para essa energia psíquica transbordante: brigar mais tarde, com alguém que não vá colocar em risco a sua capacidade de pagar boletos.

 

Repressão

Muito mais do que um mecanismo de defesa, falamos agora de um dos próprios alicerces da psicanálise. A repressão impede que conteúdos psíquicos incômodos cheguem à consciência do indivíduo, criando um tipo de amnésia, que pode ser temporária ou permanente. Até aí, parece bom. Esquecer pensamentos que nos fazem sofrer tem todo o jeitão de uma panaceia contra as nossas piores angústias. Mas você viu o filme Brilho eterno de uma mente sem lembranças? Quem assistiu sabe: de um jeito ou de outro, as recordações dolorosas, que deveriam ter sido eliminadas, vão voltar com força total.

O problema é que, por mais poderosa que seja, a repressão nunca faz o serviço completo: as memórias reprimidas não são deletadas pela mente - só estão escondidas. É como o lixo que você empurra para baixo do tapete: uma hora essa sujeira toda vai aparecer, e talvez da pior maneira possível. No caso das histéricas do século XIX, como vimos, esses pensamentos insuportáveis apareciam transformados em sintomas físicos. Mas, aqui no século XXI, geralmente surgem na forma de ansiedade ou comportamento disfuncional (...).

Uma pessoa que tenha sofrido bullying na pré-escola pode não ter lembrança nenhuma desses abusos, mas "ganha" uma enorme dificuldade de se relacionar na vida adulta - e uma neurose digna de tratamento psicanalítico. Outro indivíduo pode ter fobia de aves – ornitofobia é o termo técnico -, ainda que uma amnésia misteriosa o impeça de ter a mais vaga ideia de quando esse medo besta começou. Para quem vive em centros urbanos, e não em fazendas apinhadas de galinheiros, lidar com esse transtorno não é tão terrível assim: basta adquirir certa habilidade para driblar o zigue-zague das pombas ou treinar sua filha para espantar os pássaros para bem longe de você (esse escritor fala por experiência própria). Mas se o dia a dia com essa fobia pode ser razoavelmente administrável, o trauma que a provocou talvez não fosse – e teve de ser banido da mente consciente pela repressão, a capitã do time dos mecanismos de defesa do ego.

CARVALHO, Alexandre. Freud sem traumas. São Paulo: Leya Brasil, 2021. p. 164 a 172.



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SIGMUND FREUD E SUA FILHA ANA FREUD


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