Módulo 22

 NEUROSE OBSESSIVA

Classe de neuroses definidas por Freud e que constituem um dos principais quadros da clínica psicanalítica.

Na forma mais típica, o conflito psíquico exprime-se por sintomas chamados compulsivos (ideias obsedantes, compulsão a realizar atos indesejáveis, luta contra estes pensamentos e estas tendências, ritos conjuratórios, etc.) e por um modo de pensar caracteriza do particularmente por ruminação mental, dúvida, escrúpulos, e que leva a inibições do pensamento e da ação.

Freud definiu sucessivamente a especificidade etiopatogênica da neurose obsessiva do ponto de vista dos mecanismos (deslocamento do afeto para representações mais ou menos distantes do conflito original, isolamento, anulação retroativa); do ponto de vista da vida pulsional (ambivalência, fixação na fase anal e regressão); e, por fim, do ponto de vista tópico (relação sadomasoquista interiorizada sob a forma da tensão entre o ego e um superego particularmente cruel). Esta elucidação da dinâmica subjacente à neurose obsessiva e, por outro lado, a descrição do caráter anal e das formações reativas que o constituem permitem ligar à neurose obsessiva quadros clínicos em que os sintomas propriamente ditos não são evidentes à primeira vista.

Convém em primeiro lugar sublinhar que a neurose obsessiva, hoje uma entidade nosográfica universalmente admitida, foi isolada por Freud nos anos de 1894-95: “Tive de começar o meu trabalho por uma inovação nosográfica. Ao lado da histeria, encontrei motivo para colocar a neurose das obsessões (Zwangsneurose) como afecção autônoma e independente, embora a maior parte dos autores classifiquem as obsessões entre as síndromes que constituem a degenerescência mental ou as confundam com a neurastenia.” Freud começou por analisar o mecanismo psicológico das obsessões (Zwangsvorstellungen) e depois agrupou numa afecção psiconeurótica sintomas já descritos havia muito tempo (sentimentos, ideias, comportamentos compulsivos, etc.), mas ligados (até então) a quadros nosográficos muito diversos.

LAPLANCHE, Jean. Vocabulário de psicanálise. Verbete: Neurose Obsessiva. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 313 e 314.

 

Pode parecer anacrônico, no tempo do CID 10 (Classificação Internacional de Doenças, de 1993) e do DSM IV (Manual Diagnóstico e Estatístico das Perturbações Mentais, de 1994), escrever sobre a neurose obsessiva. Afinal essa nomenclatura já foi varrida dos manuais classificatórios da psiquiatria, tendo sido substituída pela sigla TOC — transtorno obsessivo compulsivo.

         Ora, o que se oculta por trás de uma aparente mera mudança de sigla é toda uma política do discurso capitalista de anular o sujeito do desejo e substituí-lo pela figura do consumidor passivo. A neurose obsessiva é um distúrbio que produz sofrimento psíquico e que aponta para os impasses do sujeito com o seu desejo inconsciente. Já o TOC é uma doença cerebral, com a qual o sujeito não tem nada a ver e que deve ser tratada com remédios. Depois da moda da depressão medicada, temos o obsessivo reduzido a um doente também a ser medicado, todos rumo a uma drogadição lícita e generalizada, consumidores obedientes dos ditames do capital.

         Debater a neurose obsessiva nesse contexto é uma questão política.

RIBEIRO, Maria Anita Carneiro. A neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 7.

 

O aspecto mais sério desse tipo de desenvolvimento indesejável do discurso da ciência a serviço do capitalismo reside no ponto de vista ético. Transformar o sujeito na vítima de seu funcionamento cerebral ou de seus neurotransmissores é irresponsabilizá-lo por sua vida, é torná-lo politicamente amorfo, desacreditando em sua capacidade de mudança. Submetido à palavra do outro, escravo temeroso em relação ao desejo, o neurótico obsessivo já é um conformista. Negar sua subjetividade e reduzir toda a complexidade de seu sofrimento a uma doença cerebral é confirmá-lo como morto-vivo, mantê-lo para sempre escravizado.

RIBEIRO, Maria Anita Carneiro. A neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 51.

 

Esquece-se muitas vezes é que devemos a Freud a “invenção” da neurose obsessiva. Foi em 1896, no artigo intitulado “A hereditariedade e a etiologia das neuroses”, que Freud tornou pública, pela primeira vez, sua inovação nosográfica, declarando que, em função de suas pesquisas sobre o inconsciente, lhe havia sido necessário situar junto à histeria a neurose de obsessões. Não deve ser por acaso o fato de que é nesse mesmo texto que Freud usa pela primeira vez a palavra psicanálise.

            Antes de Freud, o quadro que conhecemos hoje como neurose obsessiva — um tipo clínico da estrutura neurótica, que compõe, juntamente com a histeria, as neuroses de transferência — era considerado uma manifestação da mania e pertencia ao quadro das psicoses.

RIBEIRO, Maria Anita Carneiro. A neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 14.

 

O obsessivo crê no pai, crê no traço identificatório tomado do pai, e portanto crê nas palavras, crê no pensamento, e é a partir dessa crença que combate o desejo. O desejo é contra a lei, incestuoso - o desejo proibido pela mãe inclui o desejo da morte do pai. O obsessivo, submisso, se identifica ao traço tomado do pai (identificação simbólica), mas também se identifica imaginariamente ao pai, cujo lugar quer ocupar. E é a partir daí que a culpa cobra seu preço.

RIBEIRO, Maria Anita Carneiro. A neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 26.

 

         Freud diz que os rituais do obsessivo têm o valor de uma religião particular. Segundo ele, são atos mágicos que revelam a onipotência dos pensamentos do sujeito, resquício da onipotência infantil. Do mesmo modo, os obsessivos acreditam em sonhos proféticos, em pensar numa pessoa e encontrá-la na rua ou receber um telefonema dela, narram presságios, na maioria das vezes sem importância. Para sustentar a crença nessa magia, embaralham lembranças, alteram as sequências de tempo na memória e usam truques variados. No entanto, em suas vidas cotidianas, os fatos realmente importantes (a morte de um ente querido, a perda de um emprego etc.) sempre vêm de modo inesperado, causando grande angústia.

RIBEIRO, Maria Anita Carneiro. A neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 36.

 

         Freud localiza três fontes principais de resistência ao trabalho analítico. Duas delas são resistências que o eu apresenta em nome do narcisismo. Afinal de contas, o narcisismo — amor do eu por sua bela imagem — é a principal força opositora à análise do inconsciente. A interpretação do analista, que aponta para o desejo inconsciente, sempre incestuoso, proibido, contra a moral e os bons costumes, ofende a lógica do obsessivo porque atinge sua estrutura de camuflagem e, para além do eu, revela o sujeito do desejo. O analista não deve, entretanto, recuar frente a esse tipo de resistência.

RIBEIRO, Maria Anita Carneiro. A neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 37.

 

O supereu é particularmente cruel na neurose obsessiva. É o olhar que vigia e a voz que admoesta, sempre prontos a torturar o sujeito. Porém o supereu é, em grande parte, inconsciente, e seu sadismo não pode ser avaliado pelo sujeito. Em seu aspecto consciente o supereu se presentifica como a consciência moral, tão cara aos neuróticos obsessivos.

         É do sadismo do supereu inconsciente que deriva a reação terapêutica negativa. Embora não seja exclusiva da neurose obsessiva, ela se faz muito presente inclusive em tratamentos analíticos longos e bem conduzidos, quando o sujeito se confronta com a realização de um desejo.  O supereu sádico, inconsciente, cobra seu preço e o sujeito manifesta reações que vão desde o agravamento dos sintomas a atuações lesivas contra sua pessoa, e até mesmo ao abandono de uma análise aparentemente bem-sucedida.

         Freud sublinha a importância do mau prognóstico diante de uma manifestação da reação terapêutica negativa, mas essa é uma armadilha da qual os analistas não podem escapar. Como apostamos sempre no desejo contra a pulsão de morte, em geral insistimos, mesmo diante do risco de fracasso.

RIBEIRO, Maria Anita Carneiro. A neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 40 e 41.

 


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