NEUROSE OBSESSIVA
Classe de neuroses definidas por Freud e
que constituem um dos principais quadros da clínica psicanalítica.
Na forma mais típica, o conflito psíquico
exprime-se por sintomas chamados compulsivos (ideias obsedantes, compulsão a
realizar atos indesejáveis, luta contra estes pensamentos e estas tendências,
ritos conjuratórios, etc.) e por um modo de pensar caracteriza do
particularmente por ruminação mental, dúvida, escrúpulos, e que leva a
inibições do pensamento e da ação.
Freud definiu sucessivamente a
especificidade etiopatogênica da neurose obsessiva do ponto de vista dos
mecanismos (deslocamento do afeto para representações mais ou menos distantes
do conflito original, isolamento, anulação retroativa); do ponto de vista da
vida pulsional (ambivalência, fixação na fase anal e regressão); e, por fim, do
ponto de vista tópico (relação sadomasoquista interiorizada sob a forma da
tensão entre o ego e um superego particularmente cruel). Esta elucidação da
dinâmica subjacente à neurose obsessiva e, por outro lado, a descrição do
caráter anal e das formações reativas que o constituem permitem ligar à neurose
obsessiva quadros clínicos em que os sintomas propriamente ditos não são evidentes
à primeira vista.
Convém em primeiro lugar sublinhar que a
neurose obsessiva, hoje uma entidade nosográfica universalmente admitida, foi
isolada por Freud nos anos de 1894-95: “Tive de começar o meu trabalho por uma
inovação nosográfica. Ao lado da histeria, encontrei motivo para colocar a
neurose das obsessões (Zwangsneurose) como afecção autônoma e
independente, embora a maior parte dos autores classifiquem as obsessões entre
as síndromes que constituem a degenerescência mental ou as confundam com a
neurastenia.” Freud começou por analisar o mecanismo psicológico das obsessões
(Zwangsvorstellungen) e depois agrupou numa afecção psiconeurótica
sintomas já descritos havia muito tempo (sentimentos, ideias, comportamentos
compulsivos, etc.), mas ligados (até então) a quadros nosográficos muito
diversos.
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário de psicanálise. Verbete: Neurose
Obsessiva. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 313 e 314.
Pode
parecer anacrônico, no tempo do CID 10 (Classificação Internacional de Doenças,
de 1993) e do DSM IV (Manual Diagnóstico e Estatístico das Perturbações
Mentais, de 1994), escrever sobre a neurose obsessiva. Afinal essa nomenclatura
já foi varrida dos manuais classificatórios da psiquiatria, tendo sido
substituída pela sigla TOC — transtorno obsessivo compulsivo.
Ora, o que se oculta por trás de uma
aparente mera mudança de sigla é toda uma política do discurso capitalista de
anular o sujeito do desejo e substituí-lo pela figura do consumidor passivo. A
neurose obsessiva é um distúrbio que produz sofrimento psíquico e que aponta
para os impasses do sujeito com o seu desejo inconsciente. Já o TOC é uma
doença cerebral, com a qual o sujeito não tem nada a ver e que deve ser tratada
com remédios. Depois da moda da depressão medicada, temos o obsessivo reduzido
a um doente também a ser medicado, todos rumo a uma drogadição lícita e
generalizada, consumidores obedientes dos ditames do capital.
Debater a neurose obsessiva nesse
contexto é uma questão política.
RIBEIRO, Maria
Anita Carneiro. A neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 7.
O
aspecto mais sério desse tipo de desenvolvimento indesejável do discurso da
ciência a serviço do capitalismo reside no ponto de vista ético.
Transformar o sujeito na vítima de seu funcionamento cerebral ou de seus
neurotransmissores é irresponsabilizá-lo por sua vida, é torná-lo politicamente
amorfo, desacreditando em sua capacidade de mudança. Submetido à palavra do
outro, escravo temeroso em relação ao desejo, o neurótico obsessivo já é um conformista.
Negar sua subjetividade e reduzir toda a complexidade de seu sofrimento a uma
doença cerebral é confirmá-lo como morto-vivo, mantê-lo para sempre
escravizado.
RIBEIRO, Maria
Anita Carneiro. A neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 51.
Esquece-se
muitas vezes é que devemos a Freud a “invenção” da neurose obsessiva. Foi em
1896, no artigo intitulado “A hereditariedade e a etiologia das neuroses”, que
Freud tornou pública, pela primeira vez, sua inovação nosográfica, declarando
que, em função de suas pesquisas sobre o inconsciente, lhe havia sido
necessário situar junto à histeria a neurose de obsessões. Não deve ser por acaso
o fato de que é nesse mesmo texto que Freud usa pela primeira vez a palavra psicanálise.
Antes de Freud, o quadro
que conhecemos hoje como neurose obsessiva — um tipo clínico da estrutura
neurótica, que compõe, juntamente com a histeria, as neuroses de transferência
— era considerado uma manifestação da mania e pertencia ao quadro das psicoses.
RIBEIRO, Maria
Anita Carneiro. A neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 14.
O
obsessivo crê no pai, crê no traço identificatório tomado do pai, e portanto
crê nas palavras, crê no pensamento, e é a partir dessa crença que combate o
desejo. O desejo é contra a lei, incestuoso - o desejo proibido pela mãe inclui
o desejo da morte do pai. O obsessivo, submisso, se identifica ao traço tomado
do pai (identificação simbólica), mas também se identifica imaginariamente ao
pai, cujo lugar quer ocupar. E é a partir daí que a culpa cobra seu preço.
RIBEIRO, Maria
Anita Carneiro. A neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 26.
Freud diz que os rituais do obsessivo
têm o valor de uma religião particular. Segundo ele, são atos mágicos que revelam
a onipotência dos pensamentos do sujeito, resquício da onipotência infantil.
Do mesmo modo, os obsessivos acreditam em sonhos proféticos, em pensar numa
pessoa e encontrá-la na rua ou receber um telefonema dela, narram presságios,
na maioria das vezes sem importância. Para sustentar a crença nessa magia,
embaralham lembranças, alteram as sequências de tempo na memória e usam truques
variados. No entanto, em suas vidas cotidianas, os fatos realmente importantes
(a morte de um ente querido, a perda de um emprego etc.) sempre vêm de modo
inesperado, causando grande angústia.
RIBEIRO, Maria
Anita Carneiro. A neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 36.
Freud localiza três fontes principais de
resistência ao trabalho analítico. Duas delas são resistências que o eu
apresenta em nome do narcisismo. Afinal de contas, o narcisismo — amor do eu
por sua bela imagem — é a principal força opositora à análise do inconsciente.
A interpretação do analista, que aponta para o desejo inconsciente, sempre
incestuoso, proibido, contra a moral e os bons costumes, ofende a lógica do obsessivo
porque atinge sua estrutura de camuflagem e, para além do eu, revela o sujeito
do desejo. O analista não deve, entretanto, recuar frente a esse tipo de
resistência.
RIBEIRO, Maria
Anita Carneiro. A neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 37.
O
supereu é particularmente cruel na neurose obsessiva. É o olhar que vigia e a
voz que admoesta, sempre prontos a torturar o sujeito. Porém o supereu é, em
grande parte, inconsciente, e seu sadismo não pode ser avaliado pelo sujeito.
Em seu aspecto consciente o supereu se presentifica como a consciência moral,
tão cara aos neuróticos obsessivos.
É do sadismo do supereu inconsciente
que deriva a reação terapêutica negativa. Embora não seja exclusiva da neurose
obsessiva, ela se faz muito presente inclusive em tratamentos analíticos longos
e bem conduzidos, quando o sujeito se confronta com a realização de um desejo. O supereu sádico, inconsciente, cobra seu
preço e o sujeito manifesta reações que vão desde o agravamento dos sintomas a
atuações lesivas contra sua pessoa, e até mesmo ao abandono de uma análise
aparentemente bem-sucedida.
Freud sublinha a importância do mau
prognóstico diante de uma manifestação da reação terapêutica negativa, mas essa
é uma armadilha da qual os analistas não podem escapar. Como apostamos sempre
no desejo contra a pulsão de morte, em geral insistimos, mesmo diante do risco de
fracasso.
RIBEIRO, Maria
Anita Carneiro. A neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 40
e 41.
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