FETICHISMO
O termo "fetiche", em português,
tem ligação com a crença de "feitiço". A psicanálise tomou emprestado
o termo "fetichismo" da antropologia, em que significa um objeto
material venerado como sendo um ídolo. Não se trata de neurose nem de psicose;
tem uma estrutura própria em que a defesa psíquica por excelência é a
''renegação", isto é, o sujeito, diante de determinado fato ou pensamento,
(...) aceita e simultaneamente desmente. Freud concebeu o fetichismo como uma
tentativa de a criança substituir a fantasia de que houve uma castração do
pênis (porque observa que as meninas e as mulheres não têm pênis) por algum
objeto que tenha forma semelhante. Assim, para Freud, a perversão sexual seria
caracterizada pelo fato de que uma parte do corpo (pé, boca, seio, cabelo,
sentido de visão ou de cheiro, etc.) ou um objeto exterior (sapatos, chapéus,
gravatas, calcinhas, etc.) serem tomados como objetos exclusivos de uma
excitação ou para a prática perversa de atos sexuais. (...) Na atualidade, o
termo "fetiche" é mais abrangente, de maneira que designa tudo aquilo
que "parece ser, mas não é", mecanismo este que é resultante do
mecanismo de defesa de "renegação", isto é, uma parte do sujeito sabe
que está negando, enquanto a outra parte dele se compraz com a negação e não
quer abandoná-la. As personalidades perversas costumam utilizar o emprego do
"faz de conta que é real aquilo que não passa de ilusão", que o
fetiche representa.
ZIMERMAN,
David E. Psicanálise em perguntas e respostas: verdades, mitos e tabus.
Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 194, 246 e 247.
Termo criado, por volta de 1750, a partir
da palavra fetiche (derivada do português feitiço: sortilégio, artifício),
retomado em 1887 pelo psicólogo francês Alfred Binet (1857-1911) e, mais tarde,
retomado pelos fundadores da sexologia, para designar quer uma atitude da vida
sexual normal, que consiste em privilegiar uma parte do corpo do parceiro, quer
uma perversão sexual (ou fetichismo patológico), caracterizada pelo fato de uma
das partes do corpo (pé, boca, seio, cabelos) ou objetos relacionados com o corpo
(sapatos, chapéus, tecidos etc.) serem tomados como objetos exclusivos de uma
excitação ou um ato sexuais.
Já em 1905, Sigmund Freud atualizou o
termo, primeiro para designar uma perversão sexual, caracterizada pelo fato de
uma parte do corpo ou um objeto serem escolhidos como substitutos de uma
pessoa, depois para definir uma escolha perversa, em virtude da qual o objeto
amoroso (partes do corpo ou objetos relacionados com o corpo) funciona para o
sujeito como substituto de um falo atribuído à mulher, e cuja ausência é
recusada por uma renegação. A ideia de fetiche é comum a todos os campos do
saber. Nessa condição, tornou-se móbil e objeto de múltiplas controvérsias para
a antropologia, a filosofia, a economia política, a sociologia, a religião, a
psiquiatria, a literatura e a psicanálise. Por outro lado, convém assinalar que
todos os freudianos, qualquer que seja sua tendência, comentaram os textos
originais de Freud sobre o assunto e publicaram numerosos casos de fetichismo.
(...)
A concepção freudiana do fetichismo é
exposta através de diversos textos. Em 1905, nos Três ensaios sobre a teoria
da sexualidade, o Ersatz (ou substituto) é uma parte do corpo que
mantém uma relação com a pessoa sexual. A “superestimação” do objeto, isto é,
um certo grau de fetichismo, existe “normalmente” em qualquer relação amorosa.
Mas só se torna patológica quando a fixação no objeto decorre de uma libido
infantil.
Em seguida, em seu estudo dedicado a
Leonardo da Vinci (1452-1519) e também em seu comentário da Gradiva de
Wilhelm Jensen (1837-1911), Freud identifica a dimensão fetichista de todas as
formas de perversão (exibicionismo, voyeurismo, coprofilia), mostrando que,
nesses casos, o fetiche é portador de todos os outros objetos. Mas ele
esclarece que o encontro com o fetiche é apenas a reatualização de uma
lembrança precoce recalcada. A propósito de Leonardo da Vinci e da fantasia do
“abutre”, ele introduz a ideia de que o fetiche (o pé, por exemplo) é um
substituto do falo que falta na mulher: “A veneração do pé feminino e do sapato
toma o pé como símbolo do membro que antes faltava na mulher.”
Em 1914, com “Sobre o narcisismo: uma
introdução”, Freud desliza do objeto para o sujeito, concluindo pela
ausência do fetichismo feminino. A seu ver, de fato, o fetichismo da roupa é
“normal” nas mulheres, uma vez que é a totalidade do corpo que é transformada
num fetiche, e não um objeto. O fetichismo feminino, portanto, não seria nada
além de uma “narcisização” do corpo.
Com a introdução do termo “renegação”, em
1923, Freud construiu uma teoria que o levaria, em seu artigo de 1927, a
compreender o fetichismo como a coexistência de uma recusa da percepção da
ausência do pênis na mulher com um reconhecimento da falta, levando a uma
clivagem permanente do eu e à fabricação do fetiche como substituto do órgão
faltante. (...). A criação do fetiche, portanto, obedece à intenção de destruir
a prova da castração, para escapar à angústia de castração. O fetichismo, desse
modo, tornar-se-ia uma espécie de paradigma da perversão em geral.
ROUDINESCO,
Elisabeth e PLON, Michel. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro:
Zahar, 1998. Verbete “fetichismo”. p. 235, 236 e 237.
Foi principalmente como perversão
sexual stricto sensu que o fetichismo fez sua entrada no campo da
psicanálise. Fala-se de fetichismo quando o recurso compulsivo a um objeto
não-sexual por sua própria natureza se converteu numa condição indispensável
para o acesso ao gozo nas relações sexuais com uma pessoa do outro sexo. Se esse objeto vier a faltar, o homem
torna-se impotente. Tal concepção já sublinha que essa perversão está muito
perto de ser reconhecida como uma particularidade estritamente masculina. Três
textos representam as principais etapas do pensamento de Freud sobre o assunto.
Em menor medida, figuram primeiro os Três ensaios (1905), vindo depois,
sobretudo, O fetichismo (1927) e, por fim, A divisão do ego no
processo de defesa (1940/1938). As ideias centrais que aí são desenvolvidas
ainda conservam hoje toda a sua atualidade.
O ponto central em torno do qual
gravita o resto do funcionamento psíquico relaciona-se com o fato de que em
todos os casos observados o objeto fetiche, nas fantasias inconscientes do
fetichista, é concebido como fazendo parte integrante do corpo da mulher, como
substituto simbólico do pênis. Ele “completa” a mulher tornando-a fálica. Uma
vez isso feito, acontece que as partes genitais do corpo da mulher perdem, aos
olhos do fetichista, toda a virtude erógena, estando a erogeneidade totalmente
refugiada por magia inconsciente no objeto fetiche. Este passa então a ser a
única e exclusiva fonte de excitação, ele beneficia-se da idealização de que
desfruta igualmente o pênis do fetichista a seus próprios olhos.
O funcionamento psicopatológico do
fetichista pode ser justamente considerado a exacerbação de uma angústia
universal. Freud via nessa perversão uma das demonstrações mais eloquentes da
dificuldade que os homens (na verdade, todos os homens) têm em assumir o mundo
da diferença dos sexos.
Ficou claro que o fator mais
determinante na origem dessa perversão é a angústia de castração desenvolvida
ao paroxismo. O fetichismo decorre inteiramente das medidas defensivas adotadas
inconscientemente para desmentir a castração, para a eliminar do campo do
possível. Se a mulher não tem pênis, a castração, aos olhos do fetichista, é
então uma coisa possível; torna-se imperativo, portanto, remediar essa
realidade inassimilável atribuindo-se, a todo custo, um pênis à mulher. Deve
fazê-lo colocando a sua frágil estrutura psíquica ao abrigo do retorno de
perturbadoras percepções sexuais; ele consegue isso escolhendo sempre como
fetiche um objeto permanentemente disponível, como um sapato de salto alto. Um
fetichista repetia que “toda a vez que estou na presença de uma mulher nua,
imagino um sapato de salto alto; eu não saberia dizer como é feita uma vulva”.
Se os dois sexos estão munidos de pênis, a castração não é coisa deste mundo.
Aí está a primeira função do fetiche no imaginário inconsciente do fetichista.
Como Freud demonstrou, o fetiche torna a mulher “aceitável” como objeto de
amor.
Sob um outro ângulo teórico, a
importância atribuída por Freud ao fetichismo relaciona-se com o fato de que
essa estrutura patológica permite observar a ação de dois mecanismos de defesa
de uma grande importância e, pelo menos, parcialmente ignorados até então: a
clivagem e o desmentido. Com efeito, foi o fetichismo que permitiu a Freud
delimitar e definir pela primeira vez o funcionamento da clivagem. Trata-se
aqui da clivagem do Eu, do Eu pensante e não do objeto. O fetichista mostra que
reconcilia em si mesmo duas concepções da mulher em nítida contradição: “a
mulher não tem pênis”, afirmação consciente, e “a mulher tem um pênis” (o
fetiche), afirmação inconsciente. A primeira das duas afirmações carece de
importância nas representações mentais do fetichista. Esses dois modos de
pensamento são paralelos e sem efeito um sobre o outro. O segundo mecanismo de
defesa já foi assinalado. É o desmentido (também chamado renegação): desmentido
da castração, da ausência de pênis, da diferença de sexos etc. A maior parte
dos autores via a clivagem como o que vinha garantir a permanência do
desmentido; este último seria, portanto, cronologicamente, o primeiro. Entretanto,
a simultaneidade dos dois mecanismos também se justifica.
A psicopatologia nos permite revelar a
clivagem e o desmentido, sobretudo nas psicoses, e essa é uma das razões pelas
quais o fetichismo é visto como uma proteção contra a psicose, a qual se
manteria, portanto, ameaçadora. Também é concebido como uma proteção contra a
homossexualidade. Não se deve concluir, porém, que o fetichista é homossexual.
Dentro do seu sentimento de identidade, como na representação que ele nutre de
si mesmo, em todos os níveis de pensamento, ele concebe-se como homem, um homem
em relação com a mulher, salvo que a mulher tem, ela também, um pênis. Essa é
uma importante diferença em relação ao travesti masculino, que se concebe como
mulher, uma mulher que possui um pênis. De um modo geral, apesar das exceções
que ocorrem, o travesti está muito mais próximo da homossexualidade do que o
fetichista. Observam-se casos, contudo, mas não os mais frequentes, em que o
fetichismo alterna com a homossexualidade.
Decorre do conjunto destas
considerações que o fetichismo manifesta uma patologia do narcisismo.
Descobrem-se nele operações mentais que se situam a um nível muito arcaico, em
razão, sobretudo, do recurso maciço à identificação primitiva, chamada por alguns
autores “identificação narcísica”, ou ainda “identificação projetiva”. Isso tem
a ver com o fato de que ao dotar a mulher (a mãe no inconsciente) de um pênis,
é o seu próprio órgão sexual que ele salvaguarda no quadro da identificação com
a mãe. Assim, dá ele prova de uma grande vulnerabilidade narcísica quanto à
integridade de sua imagem corporal.
Embora não exista unanimidade em torno
deste assunto, parece justificado ver o funcionamento e a estrutura fetichistas
como resultantes de uma regressão maciça a partir do complexo de Édipo. A
conjuntura edipiana revelou-se traumatizante e precisando de uma importante
regressão a todos os níveis da pré-genitalidade, com fortes componentes anais e
orais. Estes últimos manifestam-se em particular por uma angústia de
desintegração muito acentuada no decorrer de uma psicanálise. Uma outra escola
de pensamento propõe que se veja no fetichismo uma entidade essencialmente
determinada pelos conflitos da pré-genitalidade.
Os trabalhos psicanalíticos mais
recentes mostraram que o objeto fetiche podia também responder, na maioria dos
casos, a várias outras funções, numa proporção variável segundo os casos. Entre
essas funções secundárias, convém mencionar: proteção contra o traumatismo e a
depressão; a dispensa da expressão aberta da hostilidade e do desprezo, ainda
que sejam secretamente expressos; a dispensa do recurso aos sintomas
psicossomáticos; o domínio sobre a angústia da separação; enquanto semi-delírio
(Donald Winnicott), protege do delírio; por último, num sentido mais
triunfante, assegura o acesso ao seio materno e a plena posse da mãe
idealizada.
MIJOLLA,
Alain de. Dicionário internacional de psicanálise. Volume I. Rio de
Janeiro: Imago, 2005. Verbete “fetichismo”. p. 718, 719 e 720.
Fetiche é uma palavra que designa um
sortilégio, um artifício, e que é retomada em 1887 por Binet e pelos fundadores
da sociologia para se referirem ao “fetichismo”. O termo alude a uma atitude da
vida sexual que consiste em tomar como meios exclusivos da excitação ou do ato
sexual uma das partes do corpo do parceiro ou objetos ligados a este. Cabe
distinguir o fetichismo da fetichização que existe em toda vida erótica: sempre
há um brilho que torna o amado irresistível, mas isso não deve ser confundido
com o fato de essa parcialidade se transformar – como na perversão fetichista –
em um fim em si mesma, separada da pessoa.
A noção de fetiche é comum a todos os
domínios do saber e se transformou em objeto de controvérsias tanto no campo
antropológico quanto no filosófico, político, religioso e econômico. Como exemplo,
basta citar a etnologia darwiniana, que mostra como o fetichismo é uma forma de
religião que consiste em transformar animais e seres inanimados em divindades,
atribuindo-lhes um poder mágico. Muito se falou – e muito se criticou – sobre as
diferentes “idades da humanidade”, chamando seu primeiro estado teológico de idade
do fetichismo.
No campo sociológico, Marx criou o
conceito de fetichismo da mercadoria, que designa como, em uma sociedade
produtora de mercadorias, estas parecem ter uma vontade independente dos
produtores e, assim, ganham vida fantasmagórica. Eis suas consequências: as
relações entre as pessoas são substituídas pela relação entre as coisas e pela
consequente animação outorgada ao mundo dos objetos, o que faz Marx dizer: “a
mesa dança”.
Os membros de uma sociedade de
consumidores são eles mesmos bens de consumo, e essa condição os transforma em
membros de boa-fé da sociedade. Embora, em geral, permaneça latente como uma
preocupação inconsciente e implícita, o principal motivo de desvelo dos
consumidores é de se transformarem em produtos vendáveis e de conseguirem se
manter assim; desse modo, os objetos são animados, e os indivíduos,
coisificados. Marx afirma que o fetichismo da mercadoria se baseia em um
processo de ocultamento, porque esse poder que é transferido aos objetos
encobre as verdadeiras relações sociais que estão na base da produção. As
coisas assumem, então, o papel subjetivo que cabe às pessoas.
Freud e Marx concordam ao atribuir ao
fetiche um lugar de mascaramento (...). Do ponto de vista sexual, a concepção
freudiana do fetiche se desenrola em diferentes textos que lhe permitem abordar
o grande tema vinculado ao rompimento do ego. Assim, coexistem em seu interior
duas correntes relativas à realidade externa porquanto esta contraria uma
exigência pulsional: uma delas aceita a realidade, e a outra nega, buscando uma
forma de obturá-la. O objeto fetiche é associado à perversão quando se
transforma em um fim em si mesmo (...). Um filme dos anos 1970 mostra um homem
cujo objeto erótico é uma boneca inflável, que representa claramente a mulher
muda, transformada em fetiche por excelência. (...)
A ambiguidade da negação do fetiche, como
um objeto presente que é concreto e tangível, mas que, por sua vez, é símbolo e
presença de uma ausência e, portanto, imaterial e intangível, conduz sempre
além do fetiche a algo que jamais se pode possuir, e revela, assim, um novo
modo de ser dos objetos fabricados pelo homem.
Tal possibilidade de ter ao mesmo tempo
duas crenças contrárias, uma oficial e outra secreta, não remete nem a uma
repressão nem a uma negação, mas, sim, a um rompimento do ego, em virtude de um
mecanismo que os analistas chamam de renegação. Ao descrever esse processo, no
qual o rompimento ocorre no próprio ego, não entre diversas instâncias, Freud
destaca um processo novo a respeito do modelo da repressão. Simultaneamente,
duas crenças são mantidas sem que exista uma relação dialética entre elas. Tal rompimento
não só explica a perversão fetichista, como também muitas atitudes dúbias e
contraditórias ao longo da vida; aqui, poderíamos aplicar a frase: “Eu sei, mas
mesmo assim…”, magistralmente colocada por Octave Mannoni. No artigo homônimo,
estuda os problemas que as crenças representam para os psicanalistas: um
analisado consulta um bruxo, outro vai a um curandeiro, e muitos simplesmente leem,
com maior ou menor credulidade, os horóscopos. Junto de outros fenômenos mais
sutis, as crenças são um tema que nos diz respeito mais fortemente e não uma
aparente consideração superficial.
Sob a lógica freudiana, não existe
fetichismo na mulher. É o homem que precisa que ela tenha os postiços
necessários para despertar seu desejo; a condição fetichista é própria do
macho. Torna-se perversão quando essa parte se separa do corpo da mulher e ganha
valor exclusivo; porém, mais além da perversão, a condição erótica masculina é
fetichista. Ele quer que ela tenha certos traços, tem exigências rígidas e
tipificadas; o fetiche é invariável, embora suscetível de ser encontrado em
suportes individuais diversos, com a condição de que se encontrem certos
traços. Quando falamos de “condição erótica”, aludimos aos detalhes fetichistas
próprios de qualquer escolha. Enfim, no homem, o desejo está amarrado ao gozo
de tal fetichização, ao passo que na mulher o desejo passa pelo amor.
O fetichista teria ficado fixado naquela
peça de roupa, ou parte do corpo da mãe, antes da descoberta de sua castração.
Assim, o sapato, o vestido, a lingerie, o cabelo etc. velam essa falta,
cobrem-na, obturam-na, mas, ao mesmo tempo, indicam sua existência. Por um
lado, os fetichistas negam o fato de sua percepção, que lhes mostrou a falta de
pênis no órgão feminino, e essa negação se traduz na criação do fetiche
substituto do pênis na mulher; por outro lado, tal falta é reconhecida.
ONS,
Silvia. Tudo o que você precisa saber sobre psicanálise. São Paulo:
Planeta do Brasil, 2018. p. 192 a 195.
RANK
E O FETICHISMO
Parece-me claro que o medo primitivo
infantil, ao longo do desenvolvimento, concentra-se muito particularmente nos
genitais, e precisamente por causa de sua relação obscuramente intuída (ou
lembrada) factual e biológica com o nascimento (e com a concepção). E é
compreensível, e mesmo óbvio, que justamente o órgão genital feminino, enquanto
lugar do trauma do nascimento, logo se converta no principal objeto do
sentimento de medo que se origina dele. (...)
O traço comum a todas as teorias infantis
do nascimento e que também pode ser devidamente comprovado à luz da etnologia
(mitos e, principalmente, narrativas fantásticas), é a negação do órgão sexual
feminino, o que evidencia que tais teorias se fundam no recalcamento da
lembrança do trauma do nascimento, que foi vivenciado precisamente ali. A esta
fixação e má vontade em relação a essa função do órgão genital feminino como
órgão genitor subjazem, em última análise, todos os distúrbios neuróticos da
vida sexual adulta, como a impotência sexual e a frigidez feminina em todas as
suas formas, mas que se manifestam mais particularmente em certos tipos de
claustrofobia (acessos de vertigem), relacionados ao estreitamento ou
alargamento da rua.
As perversões (...) remetem de modo
decisivo à situação infantil primitiva. (...) Um caso análogo é o do
fetichismo, cujo mecanismo Freud já descrevera como sendo um recalcamento
parcial, com formação substitutiva e compensatória; o recalcamento concerne
muito regularmente aos órgãos genitais da mãe, no sentido de um substituto
traumático do medo, e substituído por outra parte do corpo que provoca prazer,
ou por um acessório estético que se relacione a ela (roupas, sapatos,
espartilho etc.).
RANK, Otto. O trauma do nascimento e seu
significado para a psicanálise. São
Paulo: Cienbook, 2016. p. 39, 48, 49 e 50.
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