Bastante
empregado na psicanálise desde os primórdios até a atualidade, o termo realidade
psíquica foi introduzido por Freud. Ao abandonar sua teoria da sedução,
pela qual tentava explicar as neuroses pelas reminiscências de traumas infantis
realmente acontecidos, ele passou a considerar que as fantasias têm o mesmo
valor patogênico que as reminiscências e, ao mesmo tempo, atribuiu ao
inconsciente o primado do aparelho psíquico. Assim, ele afirma que “As
fantasias possuem uma realidade psíquica oposta à realidade material (...); no
mundo das neuroses é a realidade psíquica que desempenha o papel dominante”. Ao
longo da história da psicanálise, a noção de realidade psíquica sofreu várias
reinterpretações, especialmente por parte de M. Klein e de todos autores que se
dedicaram ao estudo do desenvolvimento emocional primitivo e ao tratamento com
psicóticos.
ZIMERMAN, David E. Vocabulário
contemporâneo de psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 354
"Realidade
psíquica." Qual é o significado desta expressão? Especialmente nas fases
iniciais de uma análise, não importa tanto se os relatos do paciente
correspondem à verdade histórica de como os fatos narrados realmente
aconteceram. Antes disso, o terapeuta deve priorizar a verdade que está
impressa no psiquismo do paciente. Com outras palavras: o que realmente importa
é que o paciente, no curso da análise, seja o mais honesto possível com aquilo
que ele sente, aquilo que é a sua verdade! A experiência da prática clínica
demonstra o sem-número de vezes em que o relato das figuras dos pais, ora
descritos como demônios por parte de alguns pacientes, ora como santos e
extremamente idealizados, por parte de outros à medida que a análise avança,
essas imagens vão se transformando de forma bastante intensa e significativa.
ZIMERMAN, David E. Psicanálise
em perguntas e respostas: verdades, mitos e tabus. Porto Alegre: Artmed,
2005. p. 135.
O conceito de realidade psíquica foi
criado por Freud para designar o nível de realidade específica dos processos da
psique. De um ponto de vista epistemológico, a realidade psíquica designa o
objeto “construído” pela psicanálise, aquele que esta se propõe reconhecer e
explorar.
O conceito de realidade psíquica está
presente desde 1900 em A interpretação dos sonhos. Ele designa, à época,
a força da realidade que pode assumir para um sujeito a atividade da vida
fantasmática de seu mundo interno, força da realidade que se opõe e pode até
mesmo “dominar” a realidade exterior, ou seja, impor-se como mais “real” do que
esta última. De imediato, portanto, a ênfase recai sobre o “objetivo” da
subjetividade, sobre a realidade da subjetividade para o psiquismo, e isso à
custa eventual de sua relação com a realidade exterior, a qual pode ser
ocasionalmente substituída por ela.
No contexto cultural da época, que tende a
desvalorizar ou a depreciar o caráter de compulsão subjetiva que a atividade
psíquica e, em particular, a atividade psíquica inconsciente pode assumir,
trata-se de afirmar nitidamente o caráter objetivo para o Eu de certas
formações psíquicas inconscientes, contra aqueles que desejariam reduzi-las a
uma formação “imaginária”, logo, não real.
Em 1893, no seu artigo dedicado às
paralisias histéricas, Freud já tinha apresentado o problema da “objetividade”
do sintoma de conversão e do que ele exprime. A diferença entre a realidade
biológica – da anatomia, em particular – e a realidade “psíquica” que os
sintomas histéricos expressam começa a aparecer, prefigurando já a objetividade
da inconsciência do Inconsciente: os pacientes não podem ser “simuladores”,
conforme testemunha a objetividade das manifestações sintomáticas – anestesia,
parestesia etc. A partir desse momento, a existência de um nível autônomo de
realidade para o psiquismo e o psiquismo inconsciente, ainda que este seja o
das fantasias, será afirmado de um modo cada vez mais nítido.
A segunda vertente do contexto em que surgiu a noção de realidade psíquica é o do traumatismo sexual e de seu valor etiológico. É em torno da oposição realidade histórica/fantasia que se trava então o debate. A neurótica elaborada por Freud num primeiro tempo confere a um evento traumático “real” – a sedução sexual de uma criança por um adulto – um valor causal determinante na etiologia da histeria e, de um modo geral, das neuroses. Entretanto, o processo dos tratamentos evidencia que à medida que as lembranças das cenas de seduções sexuais traumáticas são rememoradas retrocede-se no tempo a fim de chegar às cenas a propósito das quais é indecidível saber se eles efetivamente ocorreram ou se foram “inventadas”. A etiologia traumática é então relativizada em proveito de se evidenciar as fantasias infantis e a sexualidade infantil que elas exprimem. Essas fantasias, formas importantes da realidade psíquica, impõem-se ao psiquismo com a mesma “realidade”, ou até uma realidade maior do que os eventos reais.
MIJOLLA, Alain de. Dicionário internacional de psicanálise. Vol. 2. Verbete Realidade Psíquica p. 1560 e 1561.
Realidade
psíquica: termo empregado em psicanálise para designar uma forma de existência
do sujeito que se distingue da realidade material, na medida em que é dominada
pelo império da fantasia e do desejo. Historicamente, a ideia nasceu do abandono
da teoria da sedução por Sigmund Freud e da elaboração de uma concepção do aparelho
psíquico baseada no primado do inconsciente.
Na história da clínica psicanalítica, a
noção de realidade psíquica foi objeto de diversas reinterpretações (em
especial por Melanie Klein e Jacques Lacan), as quais, na abordagem das
psicoses e da relação de objeto, conduziram a acentuar a importância dela, em detrimento
da realidade material.
Para Klein, embora a experiência possa enriquecer e tornar a fantasia mais elaborada, esta não depende da experiência para existir. Ao contrário, todas as experiências estão, de algum modo, predeterminadas pelo campo e pela dinâmica da fantasia, que ocorre desde sempre no nível inconsciente.
FIGUEIREDO, Luis Claudio e CINTRA, Elisa Maria de Ulhôa. Melanie Klein. São Paulo: Publifolha, 2013. p. 47.
As fantasias inconscientes, sendo
onipresentes, são uma categoria completamente diferente de eventos. A distinção
nas opiniões sobre fantasia é radical, e sobre ela cada analista tem de
decidir. Por um lado, temos a visão da psicanálise ortodoxa, de que existe quer realidade, quer fantasia; por outro, a opinião de que a fantasia inconsciente
acompanha todas as experiências da realidade. Através de toda a obra de Klein,
assim como na de seus colegas, fez-se a investigação da maneira pela qual a
fantasia inconsciente interna penetra e dá significado aos "acontecimentos
reais" do mundo externo, e, ao mesmo tempo, a maneira por que o mundo
externo traz significado sob a forma de fantasias inconscientes.
HINSHELWOOD,
R.D. Dicionário do pensamento kleiniano.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. p. 51.
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