Módulo 41

 CONTRATRANSFERÊNCIA




Conjunto das reações inconscientes do analista à pessoa do analisando e, mais particularmente, à transferência deste.

São raríssimas as passagens em que Freud alude àquilo que chamou de contratransferência. Vê nela o resultado da “influência do doente sobre os sentimentos inconscientes do médico” e sublinha que “nenhum analista vai além do que os seus próprios complexos e resistências internas lhe permitem”, o que tem como corolário a necessidade de o analista se submeter a uma análise pessoal.

Depois de Freud, a contratransferência foi objeto de crescente atenção por parte dos psicanalistas, especialmente na medida em que o tratamento era cada vez mais compreendido e descrito como relação, e também em virtude da extensão da psicanálise a novos campos (análise de crianças e de psicóticos) em que as reações inconscientes do analista podem ser mais solicitadas. Vamos fixar apenas dois pontos:

1º Do ponto de vista da delimitação do conceito, encontram-se largas variações pois certos autores entendem por contratransferência tudo o que, da personalidade do analista, pode intervir no tratamento, e outros limitam a contratransferência aos processos inconscientes que a transferência do analisando provoca no analista. (...)

2º Do ponto de vista técnico, podemos esquematicamente distinguir três orientações:

a) reduzir o mais possível as manifestações contratransferenciais pela análise pessoal, de modo que a situação analítica seja estruturada, por assim dizer, como uma superfície projetiva, apenas pela transferência do paciente;

b) utilizar, controlando-as, as manifestações de contratransferência no trabalho analítico, na sequência da indicação de Freud segundo a qual “... todos possuem no seu próprio inconsciente um instrumento com que podem interpretar as expressões do inconsciente dos outros”;

c) guiar-se, mesmo para a interpretação, pelas suas próprias reações contratransferenciais, muitas vezes assimiladas, nesta perspectiva, às emoções sentidas. Essa atitude postula que a ressonância “de inconsciente a inconsciente” constitui a única comunicação autenticamente psicanalítica.

LAPLANCHE e PONTALIS. Vocabulário de psicanálise. Verbete: Contratransferência. São Paulo: Martins Fontes, 2016. p. 102 e 103.

 

         Freud foi o primeiro autor a utilizar essa expressão, em 1911, num congresso de psicanálise realizado em Nüremberg, porém conceituou-a como um fenômeno que atrapalharia a análise e afirmou que estes sentimentos, provindos de um analista, seriam uma prova de que ele estaria necessitado de mais análise.

         Talvez por essa razão, salvo raras exceções esporádicas, o fenômeno contratransferencial durante quatro décadas não aparecia manifesto nos trabalhos dos analistas. Uma dessas exceções foi o corajoso texto de Winnicott, intitulado O ódio na contratransferência, onde ele encara com naturalidade a emergência desse sentimento no analista diante de certos pacientes extremamente agressivos.

         Alguns poucos anos após, por volta de 1950, trabalhando separadamente, tanto P. Heimann, na Inglaterra, como Racker, na Argentina, trouxeram a valiosíssima contribuição à possibilidade de o sentimento contratransferencial constituir um excelente instrumento de empatia do analista com o que se passa no mundo interno do paciente.

         Uma polêmica entre autores psicanalíticos gira em torno da questão da contratransferência: deve ficar restrita unicamente à reação do analista frente ao que o paciente mobiliza nos seus núcleos inconscientes, ou toda resposta emocional do analista, durante a situação analítica, deve ser considerada como um processo transferencial

         Alguns aspectos merecem ser destacados:

1. Existe o risco de se confundir o que é contratransferência com o que não é mais do que uma transferência do próprio analista.

2. O sentimento contratransferencial pode adquirir uma dimensão patogênica, com o analista perdido e envolvido na situação criado, ou pode ser uma excelente bússola empática.

3. É importante que o analista possa conviver com naturalidade com os seus sentimentos contratransferenciais dificílimos (por exemplo, de medo, tédio, paralisia, impotência, erotização, raiva etc.), sem sentir vergonha e culpas, de modo a poder assumir e refletir sobre o que eles representam no vínculo.

4. Assim, pode-se dizer que a contratransferência apresenta uma perspectiva tríplice: como um possível obstáculo, como instrumento e como integrante do campo analítico.

ZIMERMAN, David E. Vocabulário contemporâneo de psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 87.

 

Conjunto das manifestações do inconsciente do analista relacionadas com as da transferência de seu paciente.

Mais ainda do que o conceito de transferência, ao qual está ligada, a ideia de contratransferência, suas acepções e as utilizações que dela foram feitas sempre suscitaram polêmicas entre os diversos ramos do movimento psicanalítico.

Foi numa carta a Sigmund Freud, datada de 22 de novembro de 1908, que Sandor Ferenczi mencionou pela primeira vez a existência de uma reação do analista aos ditos de seu paciente: “Tenho demasiada tendência a considerar os assuntos dos doentes como meus.” Freud utilizou o termo contratransferência pela primeira vez, entre aspas, numa carta a Carl Gustav Jung datada de 7 de junho de 1909. Foi em 1910, todavia, em sua avaliação das perspectivas de futuro da terapia psicanalítica, que ele evocou, falando da pessoa do terapeuta, a existência da contratransferência, que “se instala no médico através da influência do paciente na sensibilidade inconsciente do médico”. Estava próximo o momento, acrescentou Freud, em que seria lícito “formularmos a exigência de que o médico reconheça e domine obrigatoriamente em si essa contratransferência”. Sabendo que nenhum analista pode ir além do que lhe permitem suas resistências internas, “pleiteamos, por conseguinte,” prosseguiu Freud, “[que o analista] comece sua atividade pela autoanálise e a aprofunde continuamente, à medida que se derem suas experiências com o doente”.

Em 1913, numa carta a Ludwig Binswanger, Freud sublinhou que o problema da contratransferência “é um dos mais difíceis da técnica psicanalítica”. O analista - e isso devia ser uma regra, segundo Freud - nunca deve dar ao analisando nada que tenha saído de seu próprio inconsciente. Vez após outra, ele deve “reconhecer e ultrapassar sua contratransferência, para que possa estar livre”. Alguns anos depois, Freud notou que, no tratamento, o surgimento de um fenômeno a que ele deu o nome de amor transferencial devia dar ensejo ao analista de “desconfiar, talvez, de uma possível contratransferência”.

A posição de Freud não continuaria a evoluir após essas colocações que se tornaram clássicas, e ele jamais considerou que a contratransferência pudesse ser utilizada de maneira dinâmica no desenrolar do tratamento.

O ponto de vista de Ferenczi, a princípio, seria calcado no de Freud. Ele sublinharia a necessidade de um “domínio” do analista sobre sua contratransferência. Este, a seu ver, só poderia resultar de uma análise e deveria ser distinguido de uma simples resistência à contratransferência, por sua vez passível de gerar uma rigidez artificial no analista.

Mais tarde, dentro da ótica de seu retorno à teoria do trauma, que acarretaria um afrouxamento de seus laços com Freud, Ferenczi rumou por um caminho inteiramente diverso, efetuando um deslocamento na concepção da análise e preconizando um emprego da contratransferência do analista.

Sensível aos impasses de algumas análises, Ferenczi desenvolveu a ideia da análise mútua, processo durante o qual o analista fornece ao paciente os elementos constitutivos de sua contratransferência, à medida que eles vão surgindo, de tal maneira que o paciente se liberta da opressão ligada à relação transferencial e que o artificialismo da situação analítica clássica tende a desaparecer.

Essa orientação teria um belo futuro. Encontramos sua marca, de maneira explícita ou não, nos métodos psicanalíticos ingleses (sobretudo em Donald Woods Winnicott e Masud Khan) e no desenvolvimento da psicanálise norte americana (...). Depois da Segunda Guerra Mundial, (...), o debate sobre a contratransferência passou por seus momentos mais intensos, em especial sob o impulso de discípulos de Melanie Klein, embora esta não dedicasse nenhuma elaboração teórica específica a essa questão. Partindo da perspectiva kleiniana, que concebe a relação analítica como uma dualidade inscrita na ordem do “aqui e agora”, as intervenções de Paula Heimann e Margaret Little, em especial, por mais distintas que fossem, redefiniram a contratransferência como o conjunto das reações e sentimentos que o analista experimenta em relação a seu paciente. Para Heimann, na medida em que o inconsciente do analista engloba o do paciente, o psicanalista deve servir-se da contratransferência como um instrumento facilitador da compreensão do inconsciente do analisando. Em Heimann, essa concepção da contratransferência não deve levar a uma comunicação dos sentimentos do analista ao paciente. Quanto a esse aspecto, sua abordagem se distingue da ideia de “análise mútua” de Ferenczi. Margaret Little, ao contrário, rejeita qualquer ideia de distância, já que, a seu ver, analista e analisando são inseparáveis, devendo o analista comunicar ao paciente os elementos de sua contratransferência.

ROUDINESCO, Elisabeth. Dicionário de psicanálise. Verbete: Contratransferência. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 133 e 134.

 

         Melanie Klein utilizará muito pouco o termo “contratransferência”, mas pode-se afirmar que toda a sua técnica está baseada nesse conceito, ainda que não tenha julgado útil defini-lo. Foi sua aluna Paula Heimann a primeira, quando do Congresso da A.P.I de Zurique (1949), a fazer da contratransferência uma verdadeira ferramenta a serviço da percepção de certos aspectos da comunicação do paciente: “Sustento a tese”, disse ela, “de que a resposta emocional do analista ao seu paciente no interior da situação analítica constitui a sua mais importante ferramenta de trabalho. A contratransferência do analista é um instrumento de investigação no interior do inconsciente do paciente”. Esse conceito será logo objeto de uma atenção crescente, sobretudo por causa do desenvolvimento das pesquisas sobre psicanálise de criança e sobre as psicoses.

         Sua definição continua sendo alvo de controvérsias na medida em que ela é entendida seja como uma resposta rigorosa aos processos inconscientes que a transferência do analisando induz no analista, seja como uma resposta mais globalizante por parte da personalidade do analista, no âmbito do tratamento. A sua utilização, no nível técnico, em função de sua delimitação, irá esquematicamente em duas direções: uma posição defensiva do analista, que deve ter cuidado de se manter o mais possível como uma superfície projetiva, um espelho, para a transferência do paciente, e uma posição em que a personalidade do analista e, em especial, suas emoções, estão envolvidas na dinâmica transfero-contratransferencial em virtude de uma concepção mais tridimensional. Trata-se então, para o analista, de elaborar a vivência contratransferencial de modo a fazer a triagem entre as projeções do paciente e seus objetos internos, a fim de ver surgir a significação comum que pode servir de guia para interpretação.

         Esse conceito evolui entre dois riscos. Um deles é a psicologização da relação analítica na medida em que ela pode ser considerada mais em termos de interações pessoais do que em termos de repetição transferencial de roteiros e padrões inconscientes. O outro risco é o de esquecer que, se a contratransferência pode ser um guia para a compreensão e o melhor dos servidores, também pode ser o pior dos mestres.

MIJOLLA, Alain de. Dicionário internacional de psicanálise. Vol. 1. Verbete Contratransferência. Rio de Janeiro: Imago, 2005. p. 405 e 406.



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