Módulo 10

 PSICANÁLISE E RECALQUE

 


     Faremos o estudo a respeito das ideias de Freud sobre a "alma humana". (...) Podemos supor que, em primeiro lugar, ele procuraria corrigir a nossa maneira de falar. (...) Para que possamos nos entender, diria Freud, é muito melhor usarmos a palavra psiquismo, em vez da alma. Toda vez que falamos em alma, pensamos sempre em uma entidade separada no nosso corpo, que continua vivendo depois que nosso corpo morre e é capaz de ir para o céu ou para o inferno. Freud, da mesma forma que qualquer outro psicólogo[1], não está interessado em tratar desses problemas (...). Para os psicólogos o que interessa é saber como funciona o psiquismo, o que acontece conosco enquanto estamos vivos e não o que vai acontecer depois que morrermos. (...)

         As crianças se comportam como se no seu aparelho psíquico só existissem (...) os instintos (...). Elas são uns "demônios" que se metem a fazer tudo o que lhes vem à cabeça. Se uma criança quer pegar um objeto, ela simplesmente estica o braço e o pega, e quando não quer mais, joga fora, pouco lhe importando saber se o objeto é de louça e pode quebrar ou quanto foi que custou. Se uma criança quer urinar, ela simplesmente urina, esteja onde estiver. As crianças (...) só querem fazer aquilo que lhes dá satisfação: o que orienta o seu comportamento é o princípio do prazer e não o princípio da realidade[2] e das conveniências sociais. (...)

         Quando o pai diz ao filho: o banheiro é que é o lugar de urinar, ele está enunciando uma regra de conduta que existe na cabeça dele, mas não existe na cabeça do filho. Na opinião do filho, qualquer lugar é lugar de urinar: ele tanto urina na cama como na sala ou no banheiro. Basta que lhe dê vontade e ele urina, pois como ainda não está educado, só obedece aos instintos (...). Contudo, o pai continua insistindo, e a criança vai sendo educada, até que chegará o dia em que o filho pensará da mesma forma que o pai: urinar só no banheiro[3].

         Quando isso acontecer, é sinal de que (...) funcionou o mecanismo  por meio do qual internalizamos as convicções morais vigentes em nosso meio. (...)  Se as crianças só agissem segundo seus instintos, se não existisse nenhum freio contendo as manifestações dos apetites egoístas, então (...) não existiria no mundo nem a moralidade nem a imoralidade. (...) O instinto (...) não é nem moral nem imoral: ele é amoral. Para ele, a moralidade pura simplesmente não existe. (...) Não tem sentido perguntarmos se uma criança de dois meses é moral ou imoral, pois ela ignora a existência da moral e age apenas em virtude de seus instintos mais profundos (...), desconhece todas as convenções sociais. A única coisa que orienta o seu comportamento, o único fim que ela procura incessantemente realizar é a satisfação imediata das necessidades orgânicas e psicológicas. (...)

         Imaginemos o caso de um menino que fosse crescendo solto no meio de uma floresta, sem ter contato com nenhuma outra pessoa. É evidente que ele passaria a se comportar como um animal. E se todas as crianças do mundo fossem "educadas" assim, sem receber nenhuma educação? Ninguém tem dúvida de que o mundo se transformaria numa verdadeira selva: cada um procuraria satisfazer seus apetites egoístas sem obedecer a nenhuma regra; os instintos de cada um (...) estariam livres de qualquer repressão, e a vida seria uma luta de vida e de morte entre os instintos mais baixos da humanidade.

         O que faz a sociedade para evitar isso? Ela procura fazer com que os homens se tornem civilizados. A sociedade educa os seus membros e, assim agindo, consegue torná-los aptos para o convívio social.

         Em outras palavras, a sociedade faz com que cada um dos seus membros adquira (...) educação (...) em casa, na escola, no trabalho, e em cada uma das circunstâncias da vida. Vivendo e aprendendo, vamos formando nossa consciência moral, (...) que é (...) a sociedade dentro de nós. (...)

         Nossos impulsos instintivos são grosseiros e chocantes. Os ímpetos de agressividade, os sentimentos de ódio contra tudo o que se opõe aos nossos desejos, os impulsos sexuais violentos e brutais transformam o homem num ser animalesco e intolerável. A necessidade de viver em sociedade, a necessidade de conviver com os outros homens, nos obriga a adotar uma das duas seguintes atitudes: ou bloqueamos e impedimos a exteriorização dos impulsos (...), ou então adotamos uma segunda alternativa e transformamos estes instintos baixos e animalescos em ações boas e moralmente elevadas, em ações compatíveis com as necessidades de convivência social. A primeira solução chama-se ato de recalcar, recalcamento ou, simplesmente, recalque[4]. A segunda solução chama-se o ato de sublimar ou a sublimação[5]. Recalque e sublimação são assim os dois processos psíquicos de que lançamos mão para dominar os instintos egoístas (...).

         Qual é o mecanismo do recalque? (...) É (...) a repressão de nossos impulsos instintivos[6]. Para compreendermos esse fenômeno de forma bem simples, podemos imaginar a seguinte comparação: suponhamos que a nossa vida inconsciente está separada de nossa vida consciente, assim como o Brasil está separado do Uruguai. (...) Se algum impulso inconsciente deseja tornar-se consciente, ele terá de passar pela fronteira que separa o inconsciente do consciente, da mesma forma que se um uruguaio deseja vir ao Brasil terá de passar pela fronteira que existe em nosso psiquismo. Em toda fronteira há sempre um posto policial, chamado barreira, situado na estrada que liga um país ao outro. A barreira que existe em nosso psiquismo chama-se censura[7].

         Suponhamos que um uruguaio pretenda ingressar no Brasil. Ele vem trafegando pela estrada que liga o Uruguai ao Brasil até que, em determinado ponto, encontra a barreira. Os guardas da barreira obrigam-no a parar e começam a realizar seu trabalho. Examinam todos os documentos do uruguaio para verificar se, de acordo com as leis do Brasil, aquele uruguaio tem o direito de entrar em nosso país. A seguir, examinam toda a bagagem a fim de verificar se o uruguaio não estará transportando objetos e mercadorias que, segundo a lei, estão proibidos de entrar no Brasil. Se depois de todas as averiguações os guardas constatam que os papéis e as bagagens estão em ordem, resolvem então deixar o estrangeiro passar.

         Mas se o estrangeiro, em vez de ser um cidadão comum, é um assassino perigoso ou um contrabandista profissional? Neste caso os guardas da barreira têm a obrigação de impedir a sua passagem. Um criminoso é um elemento indesejável, e a barreira existe exatamente para não deixar que ele penetre no país. Se não fosse a barreira, ele entraria na hora que quisesse, e isso nos traria uma série de distúrbios e inconveniências que precisam ser evitadas. O que fazem então os guardas? Barram a passagem, não deixam o criminoso entrar, fazem com que ele volte para o lugar de onde veio. Em outras palavras, podemos dizer que os guardas recalcam o elemento indesejável. Recalcar significa obrigar os elementos indesejáveis a voltarem para o lugar de onde vieram.

         Continuando a comparação, podemos dizer que (...) os guardas da barreira representam a censura; a repressão aos criminosos representa o ato de recalcar, mediante o qual os impulsos inconscientes que querem se tornar conscientes, mas porque são condenáveis (...), são obrigados a regressar, são obrigados a continuar onde estavam e, portanto, não conseguem tornar-se conscientes[8].

         No lado esquerdo do gráfico[9], vemos uma seta indicando o que acontece com o impulso que quer se manifestar, mas esbarra na barreira da censura e, não conseguindo passar para a vida consciente, regressa para o inconsciente e se transforma assim num impulso recalcado. Por exemplo: estou numa loja e, de repente, me vem o impulso de roubar um objeto. Se os guardas da censura estiverem atentos, o que acontecerá? O impulso será recalcado e não roubarei o objeto[10]. Outro exemplo: estou numa rua e me vem o desejo de falar a uma moça. Mas receio que ela não me receba bem e me vire as costas. Sinto que ficaria envergonhado e humilhado se isso acontecesse. Sinto medo de falar com a moça e então recalco aquele desejo. Suponhamos, agora, que isso seja uma coisa que me acontece frequentemente e todas as vezes que quero me dirigir a uma moça acabo recalcando o impulso. Nesse caso, o mesmo tipo de impulso será recalcado muitas e muitas vezes: sempre que ele tenta se manifestar eu o impeço e o recalco. Resultado: forma-se um complexo. Complexo quer dizer conjunto. É um conjunto formado por aqueles desejos recalcados e pelas emoções dolorosas que senti todas as vezes que recalquei meus impulsos. Uma vez formado, o complexo passa a agir poderosamente. Todas as vezes que me encontrar em uma situação difícil, que me obrigue a lançar mão de todos os recursos da minha personalidade, o complexo lá estará me atrapalhando. Dificilmente conseguirei resolver a situação por causa dos distúrbios que o complexo produzirá em mim: em vez de manter a cabeça fria para encontrar uma saída, experimentarei sentimentos de inferioridade, crises de ansiedade, obsessões e estados angustiantes de toda espécie.

         Acabamos de ver o que significa a seta situada no lado esquerdo do gráfico. Na parte do centro, existe outra seta indicando a trajetória de um impulso que, partindo do inconsciente, consegue chegar ao seu destino final, consegue transformar-se em estado de espírito consciente. O gráfico mostra, portanto, o que acontece quando um determinado impulso é considerado legítimo, depois de julgado pela censura (...). Quando o impulso inconsciente é considerado positivo pelo fato de não contrariar nenhuma das convicções (...) da moral (...), as portas da barreira da censura se abrem para deixá-lo passar, e ele segue seu caminho, conseguindo assim manifestar-se na vida consciente[11].

         Resta-nos agora explicar o significado da terceira seta, aquela que se encontra no outro lado do gráfico. Que quer dizer uma seta que tenta passar pela (...) censura (...), esbarra de encontro a ela e retorna ao lugar de origem, e volta a insistir outra vez, conseguindo passar finalmente? O leitor deve se recordar do que dissemos algumas páginas atrás. Dissemos que duas coisas podem acontecer aos impulsos negativos e condenáveis que vêm do inconsciente. Esses impulsos ou são recalcados, ou são sublimados. A terceira seta representa precisamente esse último caso: a sublimação.[12] (...)

         O fato de que isso aconteça é um bem ou - um mal? É um bem, declara Freud. A maior parte das grandes vidas e dos grandes feitos ocorridos na história da humanidade só foram possíveis graças à sublimação. Os grandes artistas, os grandes cientistas, os grandes líderes políticos, todas as personalidades que conseguiram se erguer acima da média e se tornaram figuras de projeção graças ao talento e à tenacidade que revelaram na realização dos projetos mais extraordinários e audaciosos, todos os grandes homens foram, com frequência, homens cujos instintos não se manifestaram tal como eram, não procuraram apenas se satisfazer de forma direta e imediata e, em vez disso, sublimaram-se, deixaram de ser instintos egoístas e sequiosos, transformaram-se em forças positivas de grande valor social. (...)

         Analisemos o que acontece com os soldados. A primeira vez que ele enfrenta um bombardeio inimigo, (...) ele se apavora com o ataque do inimigo e sente o impulso de fugir, impulso que vem de seu instinto de conservação. Mas como a educação ensinou ao soldado que fugir é covardia e que ele deve enfrentar o perigo, o soldado faz um esforço e procura recalcar aquele impulso instintivo. Em cada um dos combates, durante semanas e meses, o soldado é obrigado a reprimir os seus impulsos de defesa (...). Mas acontece que esses impulsos, que vão sendo recalcados no inconsciente dia após dia, vão aos poucos se acumulando, como as águas de um rio que são bloqueadas por uma barragem. O soldado vai assim se transformando num neurótico, embora não perceba o que está acontecendo. Um dia, as águas acumuladas e contidas ficam mais fortes que a barragem; então as águas arrebentam a barragem e a neurose surge com todos os seus sintomas. De repente, diante de qualquer fato sem importância, o soldado começa a manifestar as reações mais estranhas e descabidas. Sente crises de ansiedade, tem sonhos delirantes, entra em estado de confusão mental, tenta o suicídio etc. [13]. A neurose de guerra fez que ele ficasse supersensível.  Muito tempo depois da guerra, ele ainda poderá ter ataques de pavor ou desmaiar ao ouvir o simples estouro de uma garrafa de champanhe.

         Esses exemplos são importantes para compreender o modo pelo qual Freud interpretava a neurose. Para ele, a origem da neurose se encontra nos recalques dos nossos impulsos instintivos, especialmente nos recalques dos impulsos sexuais. Os hábitos que adquirimos desde a infância[14], como o hábito daquele soldado que considerava uma covardia o desejo de fugir, podem um dia vir a entrar em choque com algum dos nossos impulsos (...) provenientes do inconsciente. Pode haver um conflito entre esses impulsos e os princípios morais e os hábitos que nos foram inculcados pela educação. Ocorrendo um conflito entre essas forças psíquicas, uma delas acaba vencendo a outra. Se a educação vence os instintos, o impulso é recalcado para o inconsciente. (...)

         Os sintomas neuróticos são assim o resultado de uma luta, a consequência do conflito entre duas forças opostas. De um lado, a nossa moral e a nossa educação acham que o que é melhor para nós é fazermos uma determinada coisa. De outro, as tendências instintivas acham que o que devemos fazer é uma outra coisa. (...)

         Para Freud só existe um meio de conseguir a cura. Só o próprio doente é capaz de curar-se e, para que o próprio doente se cure, é preciso que ele descubra com seus próprios olhos qual é a causa de sua neurose. É preciso encontrar a causa, e só o doente é capaz disso. O que a psicanálise pode fazer consiste apenas em ajudar a pessoa, facilitando o esforço que ela tem de fazer para mergulhar em seu inconsciente, a fim de encontrar a causa que está provocando os sintomas neuróticos[15].

         Se o psicanalista pretendesse argumentar com o doente procurando refutar suas ideias mórbidas[16], estaria agindo como se fosse um professor e não é assim que um psicanalista deve agir. Na opinião de Freud, a psicanálise não deve nunca ter a ilusão de que é possível atacar um sintoma de frente. O sintoma, sendo apenas um efeito e não uma causa, só pode ser combatido com êxito se for atacado pelas costas. Toda perturbação psíquica, por mais absurda que ela possa parecer a uma pessoa normal, tem sempre uma razão de ser, tem sempre uma causa que lhe deu origem. Para poder dominar a perturbação psíquica é preciso descobrir essa causa, pois só acabando com a causa acabamos com o efeito[17]. Assim sendo, em vez de dizer ao paciente "você está errado em pensar dessa forma", o psicanalista deverá fazer com que um dia o próprio cliente seja capaz de dizer: "Agora estou vendo por que razão sinto esses sintomas doentios".

         Como é possível conseguir a cura? Examinemos um caso do dr. Josef Breuer[18], que foi o iniciador da psicanálise, como o próprio Freud costumava afirmar. Uma das clientes do dr. Breuer[19] apresentou certa vez o seguinte sintoma: sofria uma sede intensa e não conseguia beber nenhuma espécie de líquido. Isso se passou durante o verão, o que contribuía para aumentar ainda mais a sede da moça, mas por maior que fosse a sede, não havia possibilidade de ela beber sequer um gole de água. O máximo que conseguia era segurar o copo entre as mãos, mas assim que o copo encostava em seus lábios, ela o atirava longe, tomada de verdadeiro horror. Tinha de se alimentar comendo frutas para aplacar a sede que a atormentava. Essa situação prosseguiu durante seis semanas.

         Breuer submeteu sua cliente à técnica das associações de ideias fazendo com que entrasse em sono hipnótico e começasse a fazer associações a partir das palavras que Breuer lhe sugeria[20]. As associações foram se desenvolvendo até que um dia ela conseguiu se recordar, com grande desgosto, de uma cena que acontecera meses atrás e da qual tinha se esquecido completamente. Contou que um dia, ao entrar em seu quarto, encontrou o cachorro de sua empregada bebendo água em um copo. Ela sempre sentira um grande ódio pela empregada (...). Ao ver o cachorro da empregada bebendo água em um copo, o impulso que a doente sentiu foi o de explodir com a empregada e pô-la no olho da rua. Entretanto, conteve-se, preferindo não dar expansão ao impulso (...).

         Graças à associação de ideias, a moça conseguiu recordar esta cena que havia desaparecido completamente de sua consciência. Ao reviver a cena, ela trouxe o fato esquecido de onde estava, nas profundezas do inconsciente, para o campo iluminado da consciência. Enquanto contava e revivia aquela cena, usava gestos e expressões de uma pessoa encolerizada, ou seja, a cólera que sentira e que não pudera manifestar quando o fato realmente aconteceu se manifestava com toda intensidade no momento em que recordava e revivia o fato. A cólera que estivera represada até então foi posta completamente para fora. Depois que terminou de fazer todas as associações, a doente sentiu-se bem, pediu um jarro d'água e bebeu à vontade. O sintoma neurótico que a perturbava desapareceu completamente.

         É importante que o leitor analise cuidadosamente os aspectos que este caso nos revela. O que se passou realmente? Em primeiro lugar vemos que a psicanálise realizou uma espécie de limpeza no psiquismo da doente, varrendo completamente os elementos que estavam perturbando os  mecanismos de uma vida psicológica normal e conseguindo assim eliminar a confusão mental. Em segundo lugar, notamos que os sintomas mórbidos desapareceram quando a doente se recordou da ocasião em que os sintomas apareceram pela primeira vez, ou seja, quando ela conseguiu voltar atrás em seu passado e localizar o momento em que a causa de sua doença começou a atuar. Foi a própria doente que descobriu a origem do seu mal, naturalmente ajudada pelo psicanalista. Outro aspecto interessante que chama nossa atenção é o fato de que a recordação da causa da doença veio acompanhada de forte reação emotiva. Ao reviver aquela cena, a doente exteriorizou sua cólera que estava até então recalcada no inconsciente. Uma quarta observação que este caso sugere é o fato de que o sintoma, ou seja, a recusa de beber água, estava sendo causado pela lembrança de um acontecimento que havia caído no esquecimento. Isso significa que a lembrança não podia ser recordada voluntariamente pela doente: ela não poderia se recordar conscientemente do que havia acontecido pela simples razão de que a lembrança não estava no consciente, mas sim no inconsciente. Portanto, somente a técnica psicanalítica poderia fazer com que a lembrança se tornasse consciente.

         A partir dessas considerações, poderemos compreender agora o que permitiu a cura. A cura se deu pelo simples fato de a doente ter sido capaz de trazer de volta à consciência o acontecimento que havia produzido um traumatismo no seu psiquismo: o desabafo de cólera que acompanhou a recordação foi uma descarga afetiva de uma energia que estava represada e lutando para vir à luz do dia.

ESTEVAM, Carlos. Freud: vida & obra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. p. 11, 12, 19, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 100, 101, 104, 105, 106 e 107.



[1] A psicanálise é considerada, hoje em dia, uma das escolas teóricas e terapêuticas que fazem parte de um campo do conhecimento mais amplo e diversificado, a psicologia.

[2] Freud considera que o desenvolvimento psíquico consiste numa gradativa substituição do "princípio do prazer", que comando o psiquismo da criança, pelo "princípio da realidade", que comanda o psiquismo do adulto.

[3] Para a psicanálise, o controle das excreções é um momento componente fundamental, no psiquismo infantil, da passagem entre o princípio do prazer para o do princípio da realidade. A criança é educada pelos pais para o adiamento do prazer, em nome de um imperativo moral de higiene e pudor que opera na realidade social.

[4] O recalque, portanto, é um bloqueio, um impedimento para a exteriorização dos impulsos instintivos. Para a psicanálise este bloqueio se dá, frequentemente, de maneira inconsciente. Isso significa que, para mantermos uma apreciação moralmente elevada a respeito de nós mesmos, muitas vezes não nos tornamos conscientes dos nossos desejos que transgridem as imposições da moral.

[5] A sublimação, portanto, é uma transformação dos instintos que não são bem aceitos pela moral em energia capaz de impulsionar atos bem vistos pela sociedade. Por exemplo, muitos seres humanos transformam seu desejo de dominação em energia capaz de impulsionar seu esforço pelo lucro ou pelo sucesso profissional.

[6] Ou, dito de outra maneira, recalcamos ou reprimimos os pensamentos e desejos que tais instintos provocam.

[7] A censura começa na moral social; por meio da pressão educacional, a lei é internalizada pelo psiquismo, e estabelece uma censura em relação a tudo o que a contraria. Pensamentos e desejos incompatíveis com a moral são proibidos de entrar na consciência, sendo forçados a permanecer vivendo de maneira oculta e escondida no inconsciente. Assim começa a doença psíquica, ou neurose.

[8] Os pensamentos ou desejos censurados continuam existindo, não são eliminados, pois a censura não tem poder para tanto. Mas eles simplesmente não são aceitos na consciência.

[9] Gráfico presente logo abaixo, depois do final do texto.

[10] E não se trata apenas de não roubar. Eu (isto é, minha consciência) nem perceberei que tive tal vontade, embora ela tenha existido de fato.

[11] Por exemplo, quando eu digo "estou com fome" e ajo de maneira a me alimentar, estou realizando um instinto que não desperta qualquer oposição da moral vigente. Ou quando procuro meu cônjuge para ter uma relação sexual, ou quando no campo de batalha em uma guerra mato um inimigo: nenhuma destas manifestações instintivas (sexuais ou agressivas) provocam reprovação social, e por isso não costumam ser censuradas no interior do psiquismo humano.

[12] A sublimação será discutida de maneira mais minuciosa em outro texto do curso.

[13] Tais reações estranhas e aparentemente sem sentido são chamadas na psicologia de sintomas das doenças psíquicas.

[14] Hábitos mentais adquiridos na educação.

[15] Freud não preconizava que o doente psíquico, para se curar, deveria realizar todos os seus desejos que viviam até então em seu inconsciente. Freud afirmava apenas que o doente deveria perceber de maneira consciente e corajosa estes seus desejos que foram banidos da consciência, e as circunstâncias em que tal banimento ocorreu, sem criar a respeito de si próprio uma mentira de "perfeição" ou de "pureza" no campo da moral, pois é justamente esta mistificação de si mesmo que gera os processos neuróticos.

[16] Ideias mórbidas, isto é, sintomas estranhos e de difícil compreensão.

[17] As causas são sempre desejos e pensamentos recalcados. Os efeitos são os sintomas.

[18] Josef Breuer (1842-1925) foi um médico austríaco amigo de Freud que, cuidando de mulheres na época caracterizadas como "histéricas", descobriu indícios e formulou ideias fundamentais para que Freud criasse a psicanálise.

[19] A vienense Berta Pappenheim, retratada por Freud com o nome de Anna O.

[20] O tratamento que Breuer começou a utilizar, portanto, pela primeira vez na história da psicologia, dava ao paciente a oportunidade de falar livremente de si e de seus sentimentos. Esta fala tinha um caráter terapêutico pois, como Freud mostrou, quando a fala ocorria de maneira livre e espontânea, poderia revelar questões que estavam escondidas no inconsciente. Portanto, a "cura pela fala", fundamental na terapia psicanalítica, surgiu pela primeira vez com Breuer, tendo em seguida sido teorizada e adotada na prática clínica por Freud. Para ajudar a paciente, Breuer sugeria uma palavra, e a paciente falava a primeira coisa que surgisse em sua mente, sob a motivação da palavra sugerida. O estado hipnótico em que Breuer colocava a paciente ajudava a coibir a ação da censura.

 


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