COURAÇAS MUSCULARES, SEGUNDO REICH
Reich
descreveu em seu texto A linguagem Expressiva da Vida, apresentado no
livro Análise do caráter[1], a ordem dos segmentos da
couraça muscular. Ressaltando que ao examinar os casos típicos de doenças, pôde
se perceber que a couraça muscular está ordenada de forma circular, e
segmentada em anéis que circundam o corpo humano, dividindo-os em sete grupos.
Sendo: primeiro nível, ocular; segundo nível, oral; terceiro nível, cervical;
quarto nível, torácico; quinto nível, diafragmático; sexto nível, abdominal;
sétimo nível, pélvico. De acordo com essa divisão, Reich[2] (p.342) descreve que:
“[...] um segmento de couraça compreende aqueles órgãos e grupos de músculos
que têm um contato funcional entre si e que podem induzir-se mutuamente a
participar no movimento expressivo emocional”. Portanto, a organização dos
segmentos proposta por ele, se dá através da funcionalidade e capacidade
expressiva das emoções.
O
primeiro segmento é chamado ocular, e Reich[3] afirma que ele exerce uma
função e conexão importante com os demais segmentos pela localização do
encéfalo que é o centro integrador das funções somáticas. Seu encouraçamento
pode afetar olhos, nariz e músculos superficiais, assim como o cérebro, quando se
dá em níveis mais profundos.
O
segundo segmento é chamado oral, e é composto por estruturas da boca, seus
anexos e músculos da mímica facial. Durante a fase oral, a boca é o principal
órgão erótico, e é entrelaçada pela relação psicoafetiva com a figura materna.
Ele relaciona-se com os olhos, nariz, ouvidos, garganta e com as mãos, assim
como com o aparelho digestivo e com os genitais, por representarem o segundo
grande centro libidinal. O encouraçamento manifesta-se por alterações
anatômicas e funcionais da boca, envolvendo musculatura, dentição e articulação
temporo-mandibular, assim como perturbações alimentares[4].
O
terceiro segmento, cervical, está relacionado às vértebras cervicais, músculos
do pescoço e sua ligação com a cabeça, incluindo também língua e garganta. É
diretamente ligada à expressão das emoções e da identidade através da fala e da
apresentação da face. No encouraçamento deste segmento, a principal expressão
reprimida é o grito e secundariamente o choro[5]. Trotta[6], relata que este
encouraçamento pode se manifestar com alterações na voz, engasgos, coceira na
garganta, náuseas, vômitos, entre outros. Apresenta-se em descontrole,
insegurança e incapacidade de posicionar-se.
O
quarto segmento é chamado de torácico e é composto pela caixa torácica e órgãos
internos, como coração, pulmão e timo, incluindo mamas, braços e mãos. E
segundo Reich[7],
este segmento encontra-se no centro da couraça, por sempre haver contenção
respiratória na apresentação dos encouraçamentos, mesmo sendo mais explícitos
em outros segmentos. A respiração é a função mais associada ao Ego em razão do
início da função pulmonar no nascimento que é originado por uma angústia
respiratória. O tórax é considerado por Reich[8] a sede da identidade
humana, por haver órgãos vitais e também o timo, responsável pela identidade
imunológica. Considerando o quarto segmento, o centro da afetividade e
emocionalidade. O encouraçamento neste segmento provoca uma diminuição da
atividade respiratória, assim como a contenção do choro, da raiva e dos
impulsos afetivos. O bloqueio do choro relaciona-se com resignação, medo de
viver e de morrer[9].
O
quinto segmento é o diafragmático, composto por diafragma e últimas costelas,
estômago, duodeno, fígado, vesícula biliar, pâncreas, baço, plexo solar,
glândulas suprarrenais, rins, músculos da região torácica e lombar e do
abdômen. Este segmento relaciona-se com os olhos, pois no nascimento dá-se
início da função diafragmática e ocular, com a boca, pois recebe o alimento que
será depositado no estômago, pescoço, peito, diafragma, sensações genitais, e
participação da defecação e micção. O encouraçamento neste segmento provoca uma
limitação da mobilidade do diafragma, e a principal emoção bloqueada é a raiva,
associada ao medo[10]. Para os sintomas desse
nível, Reich[11]
afirma que uma característica clara do encouraçamento, é a lordose da coluna
vertebral.
O
sexto segmento, abdominal, é composto pelo intestino delgado e grosso, cavidade
peritoneal, umbigo, músculos abdominais entre outros. Guardam uma ligação com a
fase neonatal pelo funcionamento do intestino logo após a primeira mamada,
guardando emoções muito primitivas e profundas. O medo desencadeia reações
neste segmento, e a região do umbigo guarda memórias ligadas à vida
intrauterina, e assim se conecta com o ouvido. O encouraçamento neste segmento
está associada ao medo neonatal ou às sensações pélvicas[12]. Descrito por Reich[13] (p. 358), “O afrouxamento
do sexto segmento da couraça é mais simples do que o de todos os outros
segmentos. Depois de dissolvido, é fácil abordar a couraça do sétimo segmento”.
O
sétimo e último segmento, é chamado pélvico e é composto por todas as
estruturas do baixo ventre, da cintura pélvica e de todas as estruturas dos
membros inferiores e apresentam duas funções fundamentais, a genitalidade e o
embasamento postural. O encouraçamento pode apresentar-se em disfunções da
tonicidade muscular e os principais conteúdos associados a este segmento são
ansiedade de queda, angústia de castração, ansiedade pré-orgástica, e
sadomasoquismo anal e fálico[14].
Ferri[15] entende os níveis
corporais como áreas, onde são deixados imprintings, ou seja, deixa suas
impressões, suas marcas e sinais, originados pelas relações objetais. São as
áreas nas quais a vivência emocional deixa seu registro, e permitem uma leitura
da história do sujeito não somente por seu psiquismo, mas também pelo modo físico
de sua expressão.
O
encouraçamento causa alterações nas funções e estruturas do segmento afetado,
sendo chamado, portanto de ‘unidade de encouraçamento’ como descreve:
Reich observou algumas
manifestações da couraça em “distúrbios como respiração curta e presa,
diafragma contraído, atitude inspiratória crônica, tensão abdominal, tensões na
musculatura da face responsáveis pelas expressões faciais, tensões na
musculatura dos olhos, da testa, da cabeça, do pescoço, da boca e garganta,
tensões na região pélvica e na musculatura dos membros inferiores. Sendo que o
conjunto dessas tensões musculares está sempre relacionado com a contenção da
expressão de emoções e a supressão das sensações sexuais-genitais[16].
Através
da segmentação da couraça, Reich[17] indica um princípio
metodológico básico da orgonoterapia que consiste em trabalhar a dissolução da
couraça de cima para baixo, ou seja, do primeiro segmento da couraça em direção
ao sétimo segmento, orientando o trabalho psicoterápico de desencouraçamento.
Ao
se fazer uma análise biopsíquica dos segmentos, observou-se que cada elemento
da couraça corresponde a um aspecto psíquico, um componente somático do
mecanismo de defesa. Os eventos iniciais de encouraçamento se dão bem no começo
da vida, atingindo primeiros os segmentos superiores e mais tarde os inferiores
e ao se deparar com a angústia genital da puberdade o encouraçamento é
reforçado de baixo para cima, ampliando a todos os segmentos, um conteúdo
sexual-genital, estruturando a couraça em sua forma final, trazendo o
entrelaçamento dos diversos bloqueios, de diversas fases da vida[18].
Navarro[19] afirma que através dos
níveis propostos por Reich[20], é possível localizar os
aspectos psicológicos bloqueados, manifestados corporalmente, e através da
verbalização. A terapia reichiana se baseia na relação de contato com o outro e
consigo mesmo, logo, a sensação é o estimulo produzido pela emoção,
caracterizado pelo movimento do interior para o exterior (ex-movere).
ROCHA, Carla Nascimento
Doro. RIBEIRO, Anna Costa Pinto. BARBOSA, Heloisa Soares. CADERNOS
DE PSICOLOGIA, Juiz de Fora, v. 2, n. 4, p. 139-161, jul./dez. 2020 – ISSN
2674-9483
[1] REICH, Wilhelm. Análise do Caráter. 3. ed. São
Paulo: Martins Fontes. 1998.
[2] REICH, Wilhelm. Análise do Caráter.
[3] REICH, Wilhelm. Análise do Caráter.
[4] REICH, Wilhelm. Análise do Caráter.
[5] REICH, Wilhelm. Análise do Caráter.
[6]
TROTTA, Ernani Eduardo. Psicossomática Reichiana e Metodologia da
Orgonoterapia. Rio de Janeiro: Cortesia Raízes, 1996.
[7] REICH, Wilhelm. Análise do Caráter.
[8] REICH, Wilhelm. Análise do Caráter.
[9] TROTTA, Ernani Eduardo. Psicossomática Reichiana e
Metodologia da Orgonoterapia.
[10] TROTTA, Ernani Eduardo. Psicossomática Reichiana e
Metodologia da Orgonoterapia.
[11] REICH, Wilhelm. Análise do Caráter.
[12] TROTTA, Ernani Eduardo. Psicossomática Reichiana e
Metodologia da Orgonoterapia.
[13] REICH, Wilhelm. Análise do Caráter.
[14] TROTTA, Ernani Eduardo. Psicossomática Reichiana e
Metodologia da Orgonoterapia.
[15]
FERRI, Genovino; CIMINI, Giuseppe. Psicopatologia e caráter: A psicanálise
no corpo e o corpo na psicanálise. São Paulo: Escuta, 2011.
[16] TROTTA, Ernani Eduardo. Psicossomática Reichiana e
Metodologia da Orgonoterapia.
p. 24-25.
[17] REICH, Wilhelm. Análise do Caráter.
[18] TROTTA, Ernani Eduardo. Psicossomática Reichiana e
Metodologia da Orgonoterapia.
[19]
NAVARRO, Federico. Metodologia da vegetoterapia caractero-analítica:
sistemática, semiótica, semiologia, semântica. São Paulo: Summus, 1996.
[20] REICH, Wilhelm. Análise do Caráter.
Todo
organismo vivo responde às ações e agressões do mundo exterior fabricando um
invólucro protetor: cortiça, membrana, pele, pelo e carapaça: processo vital e
universal de adaptação biológica. Quando a pressão do meio ambiente se toma
mais brutal e perigosa, se produz em certos organismos elementares, como os infusórios
ciliados[1], um notável fenômeno de
defesa, o enquistamento: sob o eleito, por exemplo, de uma dissecção, o
infusório se encolhe e se encerra dentro de uma película resistente e impermeável,
toma uma forma esférica, perde sua habitual motilidade e adota um ritmo de vida
extremamente lento, que provoca uma não-diferenciação dos organitos[2].
Este
duplo processo de defesa - formação de um invólucro protetor que preserva das
relações normais permanentes com o mundo exterior e endurecimento seguido de
encerramento num quisto[3] para sobreviver num estado
degradado à agressão dura e traumatizante do meio - oferece uma espécie de
modelo biológico primário do conceito de couraça proposto por Reich: além
disso, fica perfeitamente clara a sua função preponderante, vital, de defesa e
distinguem-se nitidamente as duas grandes formas entre as quais oscila o
conceito reichiano; de um lado, a forma adaptativa normal ou sadia, que se
expressa através de relações dinâmicas, positivas, eficazes e satisfatórias com
o meio e que se define pelo grau ótimo de expressão energética do indivíduo; e,
de outro, a forma mórbida ou biopática[4], caracterizada por
relações falseadas, deformadas, penosas, reduzidas, com o mundo exterior e que
consiste principalmente num encolhimento vital que já é quase uma presença da
morte.
Ao
assinalar de entrada estes dois polos de significação, resiste-se melhor à
conotação pejorativa veiculada pela metáfora da couraça (em alemão, Panzer,
em inglês Armour - que se pode traduzir também por Armadura) e mantém-se
uma ambivalência semântica que talvez expresse melhor que qualquer sentido unívoco
a realidade concreta do fenômeno.
Em
sua intensa atividade psicanalítica dos anos vinte, Reich enfrenta, como os
outros analistas, o problema da transferência “negativa”, da oposição
inconsciente do paciente aos progressos e ao êxito da cura analítica; comprova,
além disso, que os progressos são muito magros e os sucessos quase
inexistentes, mesmo quando os sintomas neuróticos parecem ter sido corretamente
explicitados e resolvidos e ainda que o material inconsciente reprimido tenha
sido posto em evidência e interpretado frequentemente com vigor e que as
experiências infantis consideradas cruciais em boa teoria freudiana - cena
originária, traumatismos sexuais, conflitos edipianos etc. - tenham sido bem
desentranhadas e bem percebidas pelo sujeito...
Há
pacientes dóceis, corteses, aplicados, que cooperam no mais alto grau e trazem
montes de material para interpretar - e a análise não avança um palmo! Não
será, então, esta maneira de ser que causa em si mesma o obstáculo, a barreira,
para o trabalho analítico? E se as defesas mais sutis e mais eficazes contra a
análise se localizarem nos próprios traços de caráter, até então insuspeitos
porque constituíam aos olhos de todos o temperamento, a personalidade, a
própria natureza do sujeito? É com uma mesma intuição global - um mesmo insight
(penetração, golpe de vista) de acordo com este excelente termo inglês -
intensamente requerida pelas dificuldades técnicas da análise e ativamente
preparada por uma autocrítica e por uma crítica permanentes das curas efetuadas
que Reich apreende estes três fatores: as resistências caracteriais, a estrutura
caracterial, a couraça caracterial – triplo e único fenômeno do
caráter cercado por formas intercambiáveis, sendo a escolha de uma ou de outra
determinada por razões táticas, pela forma de enfoque, pelo ângulo de ataque.
Reich fala de preferência em resistência no trabalho cotidiano
específico, no qual se deve proceder por etapas e localizações concretas; de estrutura
quando se envolve era generalizações e desenvolvimentos teóricos; de couraça
em uma perspectiva operativa ampla, uma estratégia que não se limita ao domínio
psicológico, mas que engloba tanto os aspectos biológicos mais primitivos
(economia celular) como as formas políticas e culturais mais elaboradas (problema
da peste emocional[5]).
O
predomínio operativo do conceito de couraça ou armadura - termos emprestados ao
mundo militar, à realidade bélica - suscita na linguagem reichiana todo um
armamento verbal de metáforas militares: posto que “a couraça caracterial
representa a soma de todas as forças de defesa repressivas”, que é a última
fortaleza na qual o sujeito se entrincheira para organizar da melhor maneira
possível as suas resistências, então ela se torna o alvo preferido da
intervenção analítica, que fixa como objetivos atacar, desarmar, desmantelar,
eliminar e destruir esta couraça, correndo o risco inevitável, por outro lado,
de que o sujeito, desalojado de seus refúgios, converta-se em presa do pânico e
do terror, e contra-ataque com ódio, violência e desespero, lançando as forças
de que dispõe contra outro ou contra si mesmo. Assim, prevalece às vezes a
impressão de que o instrumento linguístico, o meio metafórico, o significante
“couraça”, conduz a análise além do que é legítimo no trabalho prático e
sobretudo introduz uma iluminação, um jogo de reflexos metálicos e um ruído de
armas tinindo e de placas blindadas que podem ser perigosos, quando não se
acompanhou Reich suficientemente em suas descrições e análises concretas,
precisas, matizadas, sutis e respeitando a diversidade e a pluralidade dos
planos e das contradições - para adestrar-se na percepção do fenômeno. (...)
As
observações, análises e interpretações de Reich concernentes à estrutura e às
resistências caracteriais valem também para a couraça. O primordial, lembramos,
é a função de defesa, ao mesmo tempo contra o mundo exterior e contra as forças
pulsionais internas. Essa dupla oposição faz da couraça um lugar permanente de
contato, confronto, enovelamento, compromisso e equilíbrio entre a realidade
externa e a realidade interna. Reich tinha a tendência de privilegiar
exageradamente a função defensiva da couraça; ora, pelo próprio fato de que se
levanta contra dois sistemas de realidade antagônicos, não está somente contra,
mas também entre, quer dizer que ela chega necessariamente a assumir uma função
de ordenação, de organização e de controle das relações que ligam os dois
sistemas em questão.
Sendo
o caráter a “soma das experiências passadas do sujeito”, essas experiências
subsistem, acumulam-se, depositam-se em camadas estratificadas na couraça. Esta
“estratificação do encouraçamento” (Panzerschichtung) é comparável “às
estratificações geológicas ou arqueológicas, que são (...) história
solidificada”. História sólida que Reich toma solidamente ao pé da letra: as experiências
infantis, os conflitos, as repressões, as frustrações e as cargas energéticas
que se ligam a eles formam depósitos, deixam traços precisos, fixam-se, para
dizer tudo, no organismo, e o sistema muscular constitui o lugar privilegiado
para tais fixações, para tais inscrições. O músculo é ao mesmo tempo suporte
material e código binário (tonicidade crescente ou decrescente) com os quais se
escreve a história do indivíduo. Reich insiste nisto incansavelmente: "Todo
acréscimo da tonicidade muscular no sentido de uma rigidez maior assinala a
ligação com uma excitação vegetativa: angústia ou sexualidade” ou ainda em
que: “A hipertensão muscular crônica traduz uma inibição de alguma excitação,
quer se trate de prazer, quer de angústia ou de ódio”. Inibir a excitação
sexual, ligar a angústia, bloquear a agressividade é a própria função de defesa
da couraça: portanto, existe “identidade da couraça caracterial e da
hipertensão muscular”. Levada a um limite extremo, a “couraça caracterial
total” manifesta-se pela “rigidez total dos estados catatônicos”. (...)
Esta
fórmula abre (...) a perspectiva sócio-política e ideológica de um adestramento
cultural, do qual a couraça é o produto, o arraigamento orgânico, a forma
musculada, se é que se pode falar assim - adestramento que a couraça repassa,
por sua vez, de geração a geração (tradição, educação, valores), quando pais e
adultos encouraçados infligem às crianças frustrações repletas de renúncia e
repressão, causam “traumatismos ontogenéticos”, segundo a expressão de Géza Roheim,
que se encontram na origem das retenções, atitudes caracteriais, estases
energéticas, bloqueios afetivos e outros modos de vivência orgânica
constitutivos da couraça (...).
Reich
define o segmento de couraça como o conjunto de “todos os órgãos e grupos de
músculos que mantêm um contato funcional entre si, capaz de fazê-los participar
do movimento expressivo”. Quando esse movimento expressivo não alcança os
órgãos vizinhos, é porque estes pertencem a um outro segmento. A descrição dos
diferentes segmentos esboçada por Reich abrange, pois, além dos principais
elementos orgânicos colocados em jogo, a indicação das expressões específicas
de que são portadores, e que se manifestam com particular nitidez nos sujeitos fortemente
encouraçados, neuróticos e psicóticos, que Reich cita com mais frequência em
sua perspectiva terapêutica, preconizando a eliminação da couraça segmento por
segmento e o restabelecimento das correntes plasmáticas. A couraça muscular se
decompõe nos seguintes anéis ou segmentos:
-
segmento ocular: testas, olhos, região dos ossos malares; a atitude
caracterial dominante exprime-se por uma imobilidade (“testa inexpressiva”) e
por uma falta de expressão (olhar vazio ou fixo, ausência de choro),
proporcionando um aspecto de máscara;
-
segmento oral: lábios, queixo, garganta; as expressões afetivas
correspondentes são: “a vontade de chorar, de morder furiosamente, de
vociferar, de chupar etc.” e dependem da “livre mobilidade” do segmento
anterior;
-
segmento cervical: músculos profundos do pescoço, subclavicular e esternoclidomastóideo;
sinal característico: os movimentos do pomo-de-adão mostram “como um impulso de
raiva ou de dor é literalmente ‘tragado’, sem que o paciente tenha consciência
disto; “tragar” as emoções pode ter um antagonismo no reflexo vomitório;
-
segmento torácico: músculos intercostais, grandes peitorais, deltoides e
subclaviculares; “a couraça torácica exprime em primeiro lugar o “autocontrole”
e a “reserva” - bem como “despeito” e “obstinação”; vê-se a importância da
inspiração, que constitui “o meio mais poderoso para bloquear todo tipo de
emoção”; as principais emoções ligadas a este segmento são a “raiva”, as
“crises de choro”, os “soluços”, as “nostalgias devoradoras”; os gestos
expressivos dos braços e das mãos estão unidos à couraça torácica, responsável
por atitudes de “embaraço”, “dureza”, “inacessibilidade”; a ela se ligam também
a sensação de ter um “nó” no peito, de que se queixam certos pacientes. Levando
mais longe sua análise das mensagens caracteriais inscritas na musculatura,
Reich propõe algumas sugestivas e saborosas leituras das tonicidades
musculares; por exemplo, “entre as duas omoplatas, na zona do trapézio,
encontram-se dois feixes musculares particularmente sensíveis, cuja couraça dá
a impressão de um despeito reprimido: juntando-se à retração dos ombros, parece
expressar esta pequena frase: “Eu não quero!”;
-
segmento diafragmático: diafragma, epigástrico, parte inferior do esterno,
costelas inferiores, estômago, plexo solar, pâncreas, fígado, e dois feixes
musculares próximos às vértebras dorsais inferiores; forte curvatura inferior
da coluna vertebral; atitude de oposição à expiração e, de modo geral, à
pulsação do diafragma, o que provoca sensações de prazer ou de angústia; a
couraça diafragmática é particularmente difícil de eliminar;
-
segmento abdominal: os músculos que o constituem - abdominais, laterais,
músculos que acompanhara a região correspondente à coluna vertebral - dão a
impressão, quando apalpados, de feixes rígidos, dolorosos, sensíveis ao menor
contato; de todas a couraça abdominal é a mais fácil de reduzir.
-
segmento pélvico: compreende praticamente todos os músculos da pélvis;
esta se encontra retraída, curvada para trás, inexpressiva, “morta”; “esta
falta de expressão, diz Reich, é a expressão emotiva da assexualidade”; a
penúria de sensações e de excitações vem acompanhada por numerosos sintomas
patológicos extremamente disseminados, tais como a constipação, o lumbago, os
diversos tumores e inflamações que afetam os órgãos desta região - reto, útero,
bexiga, uretra etc.
DADOUN, Roger. Cem
flores para Wilhelm Reich. São Paulo: Editora Moraes, 1991. p. 129 a 137.
[1]
Infusórios ciliados: organismos unicelulares com cílios, isto é, tentáculos por
meio dos quais alimentam-se e investigam o entorno.
[2]
Organito: cada um dos elementos que compõem a célula.
[3]
Quisto: película ou capa protetora criada como resistência por certos organismos
unicelulares.
[4]
Biopatia: termo criado por Reich que significa “doença provocada por
perturbações no ritmo biológico de pulsação da vida”.
[5]
Peste emocional: para Reich, biopatia (doença psicofísica) crônica do organismo
com causas sociais e históricas.
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