ANGÚSTIA – ANSIEDADE – MEDO (ANGST
EM ALEMÃO)
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Angst significa medo.
Geralmente indica um sentimento de grande inquietude perante uma ameaça real ou
imaginária de dano. Pode variar de gradação de “receio” e “temor” até “pânico”
ou “pavor”. Refere-se tanto a ameaças específicas (Angst vor, medo de)
como inespecíficas (Angst, medo): tenho medo de ser mal interpretado
(recear); tenho medo de cães; morro de medo de vampiros (pavor); sinto
medo durante a noite (inespecífico). (...)
O termo Angst (literalmente
significa medo) é traduzido geralmente para o português como “ansiedade”
(segundo a vertente da tradução inglesa, anxiety) ou como “angústia” (de acordo com a tendência
francesa, angoisse). (...)
Angst deriva-se da raiz
indo-europeia angh-, que se refere a “apertado”, “apertar”,
“pressionar”, “amarrar” (no alemão atual eng significa apertado).
Ligadas à mesma raiz estão as palavras ágchein do grego (estrangular), angina
do latim (sensação de sufocamento, aperto), e mais tarde angustia no
latim (aperto) e ámhas- no antigo indiano (medo, angústia).
HANNS,
Luiz Alberto. Dicionário comentado do alemão de Freud. Rio de Janeiro:
Imago, 1996. p. 62 e 63.
Angústia é um afeto de características
negativas em que o indivíduo experimenta uma vivência de perigo cuja origem não
é consciente. Freud já considerava o problema da angústia em suas cartas para
Wilhelm Fliess, desde os começos de sua obra psicanalítica. Subsequentemente,
elaborou de maneira cada vez mais sistemática duas teorias sucessivas para
explicar a angústia. (...)
Na primeira (...) das duas teorias
freudianas (...), trata-se explicitamente da pulsão sexual não descarregada que
se transforma em angústia por um mecanismo que parece ser de natureza
biológica. Nesse caso, a excitação sexual somática não pode ser elaborada com a
ajuda de representações de tipo sexual, sob a forma de libido psíquica. Em
contrapartida, as representações sexuais podem ser recalcadas, e sua excitação
derivada para o somático, dando lugar aos sintomas de conversão histérica, ou
deslocadas para representações substitutivas próprias da histeria de angústia
ou neurose fóbica.
Na segunda teoria da angústia,
apresentada em Inibições, sintomas e angústia, as pulsões não
satisfeitas não são explicitamente nomeadas. A “angústia sinal” é
elaborada pelo Eu para se proteger defensivamente da “angústia automática”.
A imaturidade biológica e psíquica do bebê não lhe permite enfrentar o
recrudescimento da tensão proveniente das enormes quantidades de excitação
pulsional que ele não consegue descarregar e, portanto, satisfazer. Isso gera
um estado de aflição que é traumático para o recém-nascido, desencadeando a
angústia automática. O bebê faz progressivamente a experiência de que o objeto
materno pode pôr fim a esse estado de confusa sensação de desamparo. É então
que a perda da mãe vai ser vivida como o perigo que constitui a angústia sinal.
O recém-nascido, quando começa a
perceber a mãe, não pode distinguir a ausência temporária da perda duradoura; a
partir do instante em que perde a mãe de vista, comporta-se como se nunca mais
fosse voltar a vê-la. As situações de satisfação repetidas criaram esse objeto,
a mãe, que é passível, no caso de necessidade, de um investimento intenso, ao
que se poderia chamar nostálgico. A partir desse momento, diz Freud, a perda do
objeto provoca a dor psíquica, ao passo que a angústia é a reação de perigo que
essa perda comporta. A tristeza manifesta-se quando o teste da realidade exige
um reconhecimento definitivo da perda do objeto. Em suas diversas modalidades,
a perda do objeto torna-se, portanto, o protótipo das angústias ulteriores que,
segundo Freud, são: a angústia da perda do amor do objeto; a angústia da
castração e a angústia da perda do amor do supereu.
A novidade dessa teorização repousa,
por um lado, na ideia genética de vincular a angústia ao perigo de reviver
estados de aflição muito primitivos no ser humano e, de outro lado, no fato de
que esses estados são muito precocemente ligados a diversas fantasias a
respeito do objeto maternal e, em seguida, a fantasias em torno de outros
objetos, um dos quais é o pai (angústia da castração ou de perda do amor do
supereu). Essa estreita relação entre a angústia e vida das representações é
radicalmente oposta à primeira teoria, na qual a excitação sexual se
transformava em angústia quando não podia elaborar-se em libido psíquica com a
ajuda de representações sexuais.
MIJOLLA,
Alain de. Dicionário internacional da psicanálise. Vol. I – A-L. Rio de
Janeiro: Imago, 2005. Verbete Angústia. p. 117.
ANGÚSTIA ANTE UM PERIGO REAL
“Angústia ante um perigo real”: Termo (Realangst)
utilizado por Freud no quadro da sua segunda teoria da angústia: angústia
perante um perigo exterior que constitui para o sujeito uma ameaça real.
O termo alemão Realangst é
introduzido em Inibição, sintoma e angústia (Hemmung, Symptom und
Angst, 1926). Pode prestar-se a diversos mal-entendidos que o equivalente
que propomos procura evitar. Em Realangst, Real é substantivo; não
qualifica a própria angústia, mas aquilo que a motiva. A angústia ante um
perigo real opõe-se à angústia ante a pulsão. (...)
A tradução por “angústia ante o real”
teria o inconveniente de dar a entender que é a realidade como tal o motivo de
angústia, ao passo que se trata de certas situações. Eis por que propomos o
equivalente de “angústia ante um perigo real”. Sem entrar na teoria freudiana
da angústia, note-se que o âmbito do termo Angst, em alemão e no seu
emprego freudiano, não é exatamente o mesmo do termo “angústia”. Expressões
correntes como “ich habe Angst vor...” são traduzidas por “tenho medo
de...”.
LAPLANCE e PONTALIS. Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2016. p. 26.
ANGÚSTIA AUTOMÁTICA
Angústia automática: Reação do sujeito
sempre que se encontra numa situação traumática, isto é, submetido a um afluxo
de excitações, de origem externa ou interna, que é incapaz de dominar. A
angústia automática opõe-se para Freud ao sinal de angústia.
A expressão foi introduzida na
reformulação feita por Freud da sua teoria da angústia em Inibição, sintoma
e angústia (Hemmung, Symptom und Angst, 1926); pode ser compreendida
por comparação com a noção de sinal de angústia.
Em ambos os casos, “...como fenômeno
automático e como sinal de alarme, a angústia deve ser considerada como um
produto do estado de desamparo psíquico do lactente, que é evidentemente a
contrapartida do seu estado de desamparo biológico” (Freud). A angústia
automática é uma resposta espontânea do organismo a essa situação traumática ou
à sua reprodução.
Por “situação traumática” deve-se entender
um afluxo incontrolável de excitações variadas demais e intensas demais. Esta é
uma ideia muito antiga em Freud; nós a encontramos nos seus primeiros escritos
sobre a angústia, onde esta é definida como resultante de uma tensão libidinal
acumulada e não descarregada.
A expressão “angústia automática” indica
um tipo de reação; nada diz da origem interna ou externa das excitações
traumatizantes.
LAPLANCE e PONTALIS. Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2016. p. 26 e
27.
SINAL DE ANGÚSTIA
Sinal de angústia: Expressão introduzida
por Freud na remodelação da sua teoria da angústia (1926) para designar um
dispositivo que o ego põe em ação diante de uma situação de perigo, de forma a
evitar ser submerso pelo afluxo das excitações. O sinal de angústia reproduz de
forma atenuada a reação de angústia vivida primitivamente numa situação
traumática, o que permite desencadear operações de defesa.
Este conceito é introduzido em Inibição,
sintoma e angústia (Hemmung, Symptom und Angst, 1926) e constitui a
ideia mestra do que geralmente se chama a segunda teoria da angústia. Não
pretendemos expor aqui esta remodelação, nem discutir o seu alcance ou a sua
função na evolução das ideias freudianas. O termo Angstsignal, forjado
por Freud, exige todavia, ainda que apenas pela sua concisão, algumas
observações:
- Condensa a contribuição essencial da
nova teoria. Na explicação econômica que Freud apresentou inicialmente da
angústia, esta é considerada como um resultado: é a manifestação subjetiva do
fato de uma quantidade de energia não ser dominada. A expressão sinal de
angústia põe em evidência uma nova função da angústia que faz dela um
motivo de defesa do ego. (...)
- O sinal de angústia pode efetivamente
funcionar como “símbolo mnésico” ou “símbolo afetivo” de uma situação que ainda
não está presente e que interessa evitar. (...)
- Por um lado, o afeto, reproduzido sob a forma
de sinal, teve de ser suportado passivamente no passado sob a forma da chamada
angústia automática, quando o sujeito se encontrava submerso pelo afluxo das
excitações. Por outro lado, o desencadeamento do sinal supõe a mobilização de
uma certa quantidade de energia.
LAPLANCE e PONTALIS. Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2016. p.486 e
487.
SINAL DE ANGÚSTIA COMO TENTATIVA DE
EXPERIMENTAR O TRAUMA DO DESAMPARO ATIVAMENTE, EM CONTRASTE COM O MODO PASSIVO
COM QUE FOI VIVIDO NO PASSADO, COMO ANGÚSTIA AUTOMÁTICA
A ansiedade é a reação original ao
desamparo no trauma, sendo reproduzida depois da situação de perigo como um
sinal em busca de ajuda. O ego, que experimentou
o trauma passivamente, agora o repete ativamente, em versão enfraquecida, na
esperança de ser ele próprio capaz de dirigir seu curso. É certo que as
crianças se comportam dessa maneira em relação a toda impressão aflitiva que
recebem, reproduzindo-a em suas brincadeiras. Ao passarem assim da passividade
para a atividade tentam dominar suas experiências psiquicamente. Se isto é o
que se quer dizer por ‘ab-reação de um trauma’ não podemos ter mais nada a
incitar contra a expressão. Mas o que é de importância decisiva é o
primeiro deslocamento da reação de ansiedade de sua origem na situação de
desamparo para uma expectativa dessa situação - isto é, para a situação de
perigo.
FREUD,
Sigmund. Inibições,
sintomas e ansiedade.
Vol. XX das Obras completas. Rio de
Janeiro: Imago, 1996. p. 164.
SINAL
DE ANGÚSTIA COMO PODER DO EGO DE COMBATER A ANGÚSTIA AUTOMÁTICA, INOCULANDO UMA
“VACINA PREVENTIVA” CAPAZ DE GERAR ANTICORPOS CONTRA O RETORNO DO TRAUMA DE
DESAMPARO
A ansiedade sentida ao nascer tornou-se o
protótipo de um estado afetivo que teve de sofrer as mesmas vicissitudes que os
outros afetos. Ou o estado de ansiedade se reproduzia automaticamente em
situações análogas à situação original e era assim uma forma inadequada de
reação em vez de apropriada, como o fora na primeira situação de perigo, ou o
ego adquiria poder sobre essa emoção, reproduzia-a por sua própria iniciativa e
a empregava como uma advertência de perigo e como um meio de pôr o mecanismo de
prazer-desprazer em movimento. Demos assim ao aspecto biológico do afeto de
ansiedade sua devida importância, reconhecendo a ansiedade como a reação geral
a situações de perigo, enquanto endossávamos o papel desempenhado pelo ego como
a sede da ansiedade, atribuindo-lhe a função de produzir afeto de ansiedade de
acordo com suas necessidades. Assim atribuímos duas modalidades de origem à
ansiedade na vida posterior. Uma era involuntária, automática e sempre
justificada sob fundamentos econômicos, e ocorria sempre que uma situação de
perigo análoga ao nascimento se havia estabelecido. A outra era produzida pelo
ego logo que uma situação dessa espécie simplesmente ameaçava ocorrer, a fim de
exigir sua evitação. No segundo caso o ego sujeita-se à ansiedade como uma
espécie de inoculação, submetendo-se a um ligeiro ataque da doença a fim de
escapar a toda sua força. Ele vividamente imagina a situação de perigo, por
assim dizer, com a finalidade inegável de restringir aquela experiência
aflitiva a uma mera indicação, a um sinal.
FREUD, Sigmund. Inibições, sintomas e ansiedade.
Vol. XX das Obras completas. Rio de
Janeiro: Imago, 1996. p. 160.
Todos que tentam compreender os problemas
da vida e todos que tentam encontrar alívio para esses problemas têm de lidar
com a questão da ansiedade. Podemos definir provisoriamente a ansiedade como um
conjunto de sintomas fisiológicos — batimentos cardíacos e respiração
acelerados, por exemplo — que pode ou não estar acompanhado de uma explicação
cognitiva. Ou seja, pode ser que eu saiba por que estou ansioso ou pode ser que
não saiba. Em sua utilização psicodinâmica, a ansiedade se tornou sinônimo de "medo".
Freud escreveu certa vez que "uma linguagem precisa" utilizaria o
termo ansiedade quando a pessoa não soubesse por que a estava sentindo,
e o termo medo quando soubesse. (...)
Não poderíamos viver sem (...) uma
certa ansiedade. Sem uma intensidade ideal de ansiedade, caminharíamos cegos de
encontro a graves problemas. No entanto, a maior parte de nós está sujeita a
uma ansiedade bem mais intensa do que seria adequado, e a ansiedade está
localizada em alguma parte da corrente causal de cada um dos nossos problemas.
Freud ponderou repetidamente sobre a
questão da ansiedade. Encontramos uma preocupação com esse sentimento desde os
seus primeiros escritos, e ele ainda trabalhava nisso no final de sua vida.
Começou postulando que a ansiedade era causada pelo recalque, mas, como
veremos, logo se viu em meio a um dilema lógico. A história do seu raciocínio
sobre a ansiedade é uma das mais interessantes do desenvolvimento de suas
teorias.
A
PRIMEIRA TEORIA DA ANSIEDADE
No começo de sua carreira, como um bom
cientista do século XIX, Freud pensava em termos de modelos físicos. Um deles
era um modelo hidráulico de energia sob pressão, mencionado em seus primeiros
escritos psicológicos, datados de 1897. Ele também pensava em termos de
princípios físicos, um dos quais era o "princípio da constância", de
acordo com o qual os sistemas de energia tendem a buscar um estado de
constância. Quando o desejo sexual é estimulado e depois bloqueado, gera uma
quantidade de energia sob pressão. A tendência de um sistema de energia de
manter um estado constante leva o organismo a buscar um meio de reduzir esse
estímulo intensificado. Se não puder ser descarregada sexualmente, essa energia
busca uma nova saída. Freud acreditava que as descargas mais prováveis eram os
sintomas fisiológicos da ansiedade. Ele chegou a essa teoria por intermédio da
observação de pacientes masculinos que praticavam coitus interruptus,
sexo sem orgasmo. Em sua época, antes de o controle da natalidade estar
amplamente disponível, o coitus interruptus era bastante comum. Freud
acreditava que, se um paciente revelasse sentir uma ansiedade significativa,
provavelmente havia impulsos sexuais reprimidos por trás dela. A energia
bloqueada pode não representar algo tão óbvio quanto o coitus interruptus,
mas Freud tinha certeza de que havia algum tipo de bloqueio sexual. A teoria
era simples e bem-acabada, e se encaixava bem no sistema biológico ordenado que
ele tentava construir. O único problema era que ela continha uma evidente
inconsistência lógica.
A
SEGUNDA TEORIA
Freud sustentou por muitos anos a sua
primeira teoria da ansiedade. Então, em 1926, ele publicou Inibição,
sintomas e angústia, em que assinalou sua inconsistência lógica,
reconhecendo que a teoria prévia não era boa o bastante, e propôs uma nova
teoria da ansiedade. Essa foi uma das diversas vezes no desenvolvimento da
psicanálise em que Freud se mostrou pronto para mudar de ideia, quando os dados
não mais se encaixavam na teoria ou quando via uma maneira melhor de conceituar
um fenômeno. A segunda teoria da ansiedade de Freud já se aproxima dos cem
anos, mas, mesmo assim, muitos psicólogos que estudam o tópico, talvez a
maioria, acreditam que ainda é a melhor teoria que possuímos.
A inconsistência lógica no pensamento
inicial de Freud era a seguinte: se o recalque causa ansiedade, o que causa o
recalque? Se reprimo os meus impulsos sexuais em parte ou de todo, por que fiz
isso? Tornou-se claro para Freud que a única explicação possível seria a
própria ansiedade. Se eu não estivesse com medo de alguma coisa, não teria
instituído esse custoso recalque. Pode-se imaginar uma infinidade de coisas das
quais eu possa ter medo. Posso ter medo de sofrer uma agressão física ou de ser
punido de alguma maneira. Posso ter medo de que os impulsos não serão
satisfeitos e de que me sentirei dolorosamente frustrado. Se alguns desses
medos são fortes, um modo provável de lidar com eles seria reprimindo o impulso
perigoso, esperando, com isso, eliminar o medo.
Freud disse que não era mais possível
dizer que o recalque causava ansiedade, porque parecia claro que era o inverso
que acontecia: a ansiedade causava o recalque. Se não podemos dizer que a
ansiedade é simplesmente energia represada vazando do sistema, como deveríamos
entendê-la? Freud abandonou seu modelo físico bem-acabado, e seu raciocínio o
levou a uma compreensão psicológica que permanece insuperável: a ansiedade é
uma resposta ao desamparo diante do perigo. Se o perigo surge, a ansiedade é
automática e imediata. Se o perigo é ainda iminente, a ansiedade é a
antecipação do desamparo diante do perigo. A opressiva preponderância da
ansiedade assume a característica de uma antecipação.
Se vejo um leão prestes a me atacar, tenho
uma ideia bastante clara do que acontecerá ao meu corpo quando ele colocar as
garras em mim. Meu batimento cardíaco aumentará, minha respiração ficará
acelerada e superficial e haverá manifestações de uma súbita infusão de
adrenalina. De modo que, enquanto o observo aproximando-se de mim, meu corpo
produz uma versão atenuada desses fenômenos. Ele está me dizendo: "Você
está sentindo tudo isso? Pois isso não é nada em comparação com o que
acontecerá se o leão o pegar realmente." A percepção dessas mudanças
corporais é o que vivenciamos como ansiedade. A função delas, conforme Freud
percebeu, seria servir como um aviso de perigo iminente. O propósito do aviso é
o de nos sinalizar para tomarmos uma atitude contra o perigo que estamos
correndo.
Começamos esta investigação observando que
a ansiedade sexual pode provocar um recalque dos impulsos sexuais. Como essa
conexão entre ansiedade sexual e recalque é ilustrativa da nova teoria de
Freud? Imagine que eu tenha sido ensinado, ainda que de forma sutil, que o sexo
é de algum modo vergonhoso. Imagine em seguida que me deparo com uma
oportunidade sexual. Sei muitíssimo bem que se seguir o impulso me sentirei
dolorosamente culpado. A linguagem que Freud utiliza para isso é que serei
punido pelo superego, ou seja, pela consciência. Agora, o lugar do leão
agressor é ocupado pelo superego ameaçador. À medida que antecipo o ataque do
superego, a adrenalina flui, meu coração bate forte e sou aconselhado a
encontrar um meio de afastar o perigo ou então confrontar sentimentos ainda
piores. O recalque do impulso sexual não é a única solução possível, mas é uma
solução provável. Se simplesmente abandono a situação, tenho de lidar com a
frustração decorrente e com um possível arrependimento. Mas se dou conta de reprimir
o impulso, sou poupado tanto dessa frustração quanto da culpa provocada pelo
ataque do superego. A ansiedade me avisou do perigo do superego. O recalque me
permitirá escapar desse perigo e, assim, aliviará a ansiedade. Portanto, a
ansiedade provoca o recalque.
O recalque pode não ser completo. Posso me
encontrar numa situação sexual com desempenho e satisfação comprometidos pelo
recalque parcialmente eficaz, precipitado pela minha ansiedade. Essa é uma
transigência comum. É como se eu estivesse me dizendo inconscientemente:
"Sei que não deveria fazer isso, mas, se não o fizer bem ou se não for
muito prazeroso, talvez não me sinta culpado." Não fazê-lo bem é uma
possibilidade distinta nessa situação: frequentemente, o efeito da ansiedade
sobre o sistema nervoso é a interrupção do desempenho e do prazer sexual.
Poderíamos imaginar outros perigos
associados a essa situação sexual. Poderíamos estar num lugar onde houvesse a
possibilidade de sermos pegos em flagrante. Poderíamos estar em dúvida quanto a
estarmos ou não bem protegidos contra a gravidez ou doenças. Qualquer um desses
riscos poderia ser o leão agressor e evocar o sinal de advertência: a
antecipação do desamparo diante do perigo.
Quando tenho uma aula marcada e percebo
que não estou preparado para ministrá-la, sinto todos os sinais corporais da
ansiedade. O perigo é a possibilidade de eu me sair mal e ser ridicularizado
por meus alunos. Antecipo o desamparo diante do perigo, e meu corpo me avisa
para tentar evitar a palestra. Eu voava frequentemente em pequenos aviões. Se o
tempo estivesse instável, tendia a sentir um incômodo no estômago na manhã do
voo, embora muitas vezes não tivesse consciência de que estava com medo.
É importante lembrar que a teoria de Freud
descreve não apenas a antecipação do perigo, mas também a antecipação do
desamparo diante desse perigo. Se tenho confiança em minha capacidade de lidar
com o perigo, não preciso ser prevenido nem me sinto ansioso.
Eu disse que a antecipação do perigo
produz certos sintomas físicos. Freud entendia que isso ocorria devido ao modo
como o corpo responde ao súbito aumento da estimulação desagradável no momento
do nascimento. Como as reações corporais ao perigo são semelhantes em todos os
carnívoros e primatas não humanos, essa resposta à súbita estimulação
desagradável parece neurologicamente embutida. No útero, a estimulação é
modulada e controlada. No momento do nascimento, ocorre um súbito e
desconcertante aumento na estimulação que deve ser experimentado como algo
desagradável. O corpo do bebê reage com todas as mudanças que passamos a
reconhecer como características da ansiedade, incluindo mudanças súbitas e
intensas no batimento cardíaco e na respiração. Para Freud, esse é o
"momento traumático"; de fato, esse é o momento traumático original.
No entanto, os bebês não sentem ansiedade nesse momento, já que não podem antecipar
o perigo. Mas podem se sentir desamparados; não há nada que possam fazer em
relação a essa nova e inoportuna estimulação. Isso se torna então o protótipo
do desamparo diante do perigo.
Os bebês aprendem muito cedo sobre a
grande importância da presença da mãe. Se algo desagradável ocorre - fome, dor,
desconforto -, eles são impotentes para mudar isso. Somente a mãe, ou alguém
que represente seu papel, pode pôr fim ao desconforto. Logo se torna evidente
como é importante a mãe estar presente em casos de emergência. Claro que a
presença da mãe é grandemente desejada por outros motivos: ela é a fonte do
amor e do prazer. Mas o perigo de sua ausência é que não haverá ninguém
presente em caso de dificuldade. É nesse ponto do desenvolvimento infantil (com
cerca de seis ou sete meses) que a antecipação é aprendida. Esse é um grande
passo. Quando os bebês percebem a ausência da mãe, agora dizem para si algo do
tipo: "Não estou sentindo nenhum desconforto agora, mas posso vir a sentir
em breve, e, se isso ocorrer, não terei condições de corrigir o problema sem a
ajuda da minha mãe." Agora é possível sentir uma ansiedade plenamente
desenvolvida - um aviso de desamparo iminente diante do perigo. O bebê sente
essa ansiedade e chora ou chama, e, se tiver sorte, aprende desse modo a
afastar o perigo antes de ele ocorrer de fato. Do ponto de vista da
sobrevivência, esse mecanismo antecipatório é extremamente adaptativo, mas
psicologicamente é uma ladeira escorregadia, porque não demorará muito para a
criança aprender a temer, e portanto a inibir, aquilo que faria a mãe retirar
seu amor e sua proteção. A ansiedade é acionada bem antes de o desconforto
verdadeiro ocorrer.
Lembro-me muito vividamente do terror que
sentia quando percebia que tinha magoado minha mãe ou a deixado com raiva. Não
fui criado em um lar violento; não me lembro de em tempo algum ter apanhado dos
meus pais. Raramente era punido ou tinha minhas regalias suprimidas. No
entanto, a menor indicação de que poderia vir a ter problemas com um dos meus
pais me enchia de medo. Freud remonta esse fenômeno diretamente ao nascimento,
à experiência traumática original. O passo seguinte é ainda mais oneroso. O próprio
pensamento de fazer ou dizer alguma coisa que desagradaria a meus pais logo
passa a disparar a ansiedade. Freud achava que, ao longo de toda a vida, o
principal medo que temos é o de perder uma pessoa ou um objeto valioso. Perder
o amor de uma pessoa valiosa equivale psicologicamente a perder essa pessoa.
Para Freud, a reação à perda é a dor, e a reação à antecipação da perda é a
ansiedade.
Freud dividiu a ansiedade em três
categorias: realista, moral e neurótica. A ansiedade é uma função do ego, e o
ego tem de lidar com três forças demandantes: o mundo exterior, o id e o
superego. Cada uma delas gera a sua própria ansiedade. A ansiedade realista é o
medo de algo no mundo exterior (o leão agressor), e a ansiedade moral é o medo
de ser punido pelo superego. (Se fizer isso que pretendo fazer, sentirei uma
culpa dolorosa.) A ansiedade neurótica é o medo sem um objeto reconhecido
conscientemente. (Estou sentindo medo, mas não sei por quê.) A ansiedade
neurótica origina-se de um impulso encoberto, um impulso gerado no id. Quando o
impulso oculto é revelado, a ansiedade se torna ou realista ou moral. O motivo
pelo qual antes de mais nada o impulso era assustador, e portanto recalcado, é
que sua representação acarretaria perigo realista ou culpa punitiva.
Freud deu o exemplo do seu paciente
criança, o "Pequeno Hans", que temia seu poderoso amor incestuoso
pela mãe. Essa era uma ansiedade neurótica, já que Hans não sabia qual era a
sua verdadeira causa; era uma ansiedade realista, porque representar esse amor
incestuoso poderia acarretar punição no mundo exterior. Nenhum leitor que
chegou até este ponto deverá ter dúvida de qual era a punição derradeira que
Hans temia como consequência dos seus impulsos incestuosos. Ele temia ser
mordido por um cavalo, o que Freud interpretou como o medo da castração.
Essa era uma ansiedade neurótica, já que
Hans não sabia qual era a sua verdadeira causa; era uma ansiedade realista,
porque representar esse amor incestuoso poderia acarretar punição no mundo
exterior. Nenhum leitor que chegou até este ponto deverá ter dúvida de qual era
a punição derradeira que Hans temia como consequência dos seus impulsos
incestuosos. Ele temia ser mordido por um cavalo, o que Freud interpretou como
o medo da castração.
Como a ansiedade neurótica é o medo de
um perigo não identificado, inconsciente, a meta terapêutica é tornar o perigo
conhecido, de forma que se possa lidar com ele. Um bom exemplo é a agorafobia.
Os agoráfobos têm medo de sair de casa, medo de locais públicos, medo de andar
pelas ruas. Eles não sabem explicar por quê. Podem apenas relatar que essas
situações produzem neles intensos sentimentos de ansiedade, frequentemente
intoleráveis. Uma causa observada da agorafobia é a seguinte sequência: Tenho
muitos anseios sexuais insatisfeitos. Se os representasse, sentiria uma culpa
terrível. Se sair em público, encontrarei muitas pessoas, e algumas delas
estimularão a tentação de representar meus impulsos. Se as tentações forem
fortes, acabarei cedendo; portanto, o perigo potencial encontra-se em toda
parte. Perderei o amor o respeito das pessoas que estimo. Posso contrair uma
doença ou, quem sabe, se sou homem, ficar magoado de alguma maneira. E, acima
de tudo, a minha consciência me fará desejar nunca ter nascido. Enquanto
contemplo a possibilidade de sair, antecipo perigos terríveis, e a ansiedade
bate, me avisando para evitar as tentações das ruas. Não sei explicar por que o
pensamento de sair é tão aterrorizante; só sei falar do horror que sinto.
O
ENVOLVIMENTO DA ANSIEDADE EM NOSSOS PROBLEMAS
Observei anteriormente que a ansiedade
está situada em alguma parte da cadeia de causação de qualquer problema; sua
importância não pode ser superestimada. Certa vez, fui avisado de que
precisaria sair de um apartamento no qual vivera feliz por alguns anos. Quando
recebi a notícia de que o prédio estava sendo vendido e eu teria de me mudar,
sofri um severo ataque de pânico. O ataque arrefeceu depois de alguns dias, mas
continuei me sentindo extremamente ansioso. Embora tivesse ficado sabendo logo
que havia outros bons apartamentos disponíveis em meu bairro, isso em nada
reduziu minha ansiedade. Eu tinha antecipado anteriormente que teria de me
mudar, porque o proprietário estava mal de saúde e sua esposa mencionara o
desejo de vender o prédio. A ansiedade permaneceu intensa, e só arrefeceu
gradualmente meses depois de eu ter me mudado para um novo apartamento. Meus
amigos terapeutas sugeriram que a ansiedade era excessiva. Tentei descobrir
suas raízes, mas, a cada tentativa, a ansiedade aumentava, e em pouco tempo
desisti. A situação exterior era real, mas trivial. Parecia haver algo
inconsciente vinculado a ela. Um ano depois de me mudar, pude finalmente
investigar a ansiedade neurótica vinculada. Quando eu tinha 13 anos, meu jovem
pai teve um ataque cardíaco fulminante e morreu de uma hora para outra. Minha
mãe, enlutada, pôs os pés na estrada, me levando com ela. Deixamos
imediatamente para trás nossa cidade, os amigos, tudo que era familiar. Minha
mãe entrou em reclusão e, por algum tempo, morei num lugar estranho com
parentes que mal conhecia. Quando se recuperou da tristeza, ela voltou a
trabalhar como atriz, a profissão que tinha antes de se casar. Morávamos os
dois em um pequeno apartamento, e eu a via muito pouco. Sentia que tinha
perdido tudo.
Não é difícil imaginar a ansiedade
neurótica que se vinculou à moderada inconveniência de perder meu apartamento.
A morte do senhorio, a venda iminente do prédio e a perda do meu lar
estimularam as antigas perdas. Mas qual era a ansiedade neurótica? (...) Eu
tinha 13 anos, a época da súbita intensidade aumentada do complexo de Édipo.
Podemos presumir que, inconscientemente, eu desejava meu pai fora do meu
caminho, e de uma maneira monstruosa realizei meu intento. Na esfera do
processo primário, o desejo equivale ao ato, e portanto eu agora era culpado de
patricídio. A punição clássica para o patricídio é o exílio, o destino de
Édipo. E eu me encontrava exilado, o que confirmava minha culpa. Para completar
o drama, em pouco tempo eu estava morando com minha jovem e bela mãe num
apartamento de quarto e sala. Embora não a visse muito, permanecia o fato de
que a vitória do Édipo tinha sido completa.
Quando o cenário infantil se repetiu, a
antiga ansiedade aflorou. Foi isso que Freud chamou de ansiedade moral ou
superegoica. É o medo de ser severamente punido pela consciência em
consequência das transgressões máximas: o patricídio e o incesto. Além disso,
esse novo exílio estimulou meu medo inconsciente de que a dor do exílio
original retornaria.
Qual é a ansiedade que paralisa Hamlet? Se
o tio dele merece morrer, então ele, que é culpado da mesma forma, merece o
mesmo destino. Inconscientemente, ele teme que, caso mate o tio, também
morrerá, o que de fato acontece. Hamlet também carrega uma ansiedade
superegoica inconsciente, temendo que sua consciência o punirá mais severamente
se matar um homem que não é mais culpado do que ele. A ansiedade está
localizada em alguma parte da cadeia de causação de todo problema neurótico.
Janny, uma jovem cliente solitária, sabia
que ansiava por contato com os outros, porém se afastava de amigos ou de
potenciais parceiros amorosos sempre que uma aproximação ocorria. Passaram-se
meses até ela descobrir que tinha medo de que o contato pudesse levar a uma
intimidade, e que a intimidade contivesse algum perigo inominável. O perigo
permaneceu inominável, até ela associar o medo de contato a um acontecimento de
sua infância: quando tinha 5 anos, seu querido pai, a única pessoa da família
em quem ela realmente confiava, abandonara a família, sem dar qualquer aviso, e
sumira de vez. Fora um trauma despedaçador. Lentamente, Janny compreendeu que o
medo inconsciente do abandono incidia sempre que ela antecipava uma intimidade.
Geoffrey (...) é o vitorioso edipiano
deixado sozinho em um intenso relacionamento com a mãe, após o divórcio dos
pais. O seu problema era uma inibição sexual nas relações com a esposa.
Geoffrey acreditava inconscientemente que havia cometido incesto simbólico, ao
deixar seu sêmen visível no lençol que a mãe lavaria. De acordo com a lógica do
processo primário, todo sexo, ou pelo menos todo sexo com mulheres, era
pecaminoso; assim, pensar em sexo fazia com que sentisse o medo inconsciente de
ser punido pela consciência. Ele também acreditava que pertencia à mãe e que
estava sendo infiel ao ter relações sexuais com outra pessoa. Geoffrey tinha um
medo inconsciente da vingança da mãe.
COMO
A ANSIEDADE É ALIVIADA?
Como a ansiedade pode ser aliviada, quer
seja um dos sintomas presentes, quer uma causa oculta? Para o terapeuta
psicodinâmico, a resposta é clara. A ansiedade é tão forte e perturbadora por
uma razão encoberta que deve eventualmente se tornar visível. Às vezes, ela se
reduz com o passar do tempo, como aconteceu quando precisei me mudar.
Frequentemente, isso não ocorre. Gregory teve de aprender um bocado a respeito
do relacionamento com seus pais antes de sua ansiedade aflorar, e depois
arrefecer, libertando-o de sua inibição sexual.
Além do método psicodinâmico, existem duas
outras abordagens importantes para a redução da ansiedade. Na terapia
cognitiva, o paciente é ajudado a perceber que a situação assustadora é, na
verdade, menos perigosa do que parece. É compreensível que o terapeuta
psicodinâmico tenha dúvidas quanto a se essa abordagem plausível atinge as
raízes inconscientes do problema. O terapeuta cognitivo diz que isso não
importa. A controvérsia permanece pendente.
A "dessensibilização
sistemática", desenvolvida em 1950 por Joseph Wolpe, psiquiatra
sul-africano, é construída sobre o modelo do condicionamento clássico
(pavloviano). Uma das observações feitas por psicólogos que estudam a teoria da
aprendizagem é que uma resposta indesejada pode ser eliminada se o sujeito
aprender uma resposta incompatível. Wolpe inferia que o relaxamento era
incompatível com a ansiedade e que, se o sujeito aprendesse a relaxar na
presença do estímulo temido, isso o impediria de ficar ansioso. Ele inferiu
ainda que não seria fácil para o sujeito relaxar na presença de algo que o
assustasse, e que, portanto, seria necessário que a aproximação do objeto
temido fosse feita gradualmente. Wolpe descobriu que poderia efetivar a redução
da ansiedade simplesmente fazendo com que o sujeito relaxado imaginasse a
situação assustadora, ou imaginasse progressivamente novos aspectos
assustadores da situação. Ele acreditava que todo problema podia ser entendido
como uma fobia, de modo que buscou desenvolver sua técnica tratando das fobias,
ou seja, do medo de um objeto ou de uma situação não justificável de acordo com
a própria avaliação de perigo do paciente. Ele sabe perfeitamente que a
probabilidade de o avião cair é muito pequena; no entanto, à medida que a
aeronave inicia os procedimentos de decolagem, fica aterrorizado.
Imagine uma pessoa que tem tanto medo de
avião que suas oportunidades de emprego se tornam limitadas. Wolpe não estaria
interessado no passado ou no inconsciente. Trabalharia com o paciente para
desenvolver uma hierarquia de situações assustadoras relevantes, variando da
mais branda à mais severa. Por exemplo, a mais branda poderia ser a menção à
palavra "avião". A mais severa poderia ser estar em pleno voo, em
meio a uma violenta tempestade. Wolpe então ensinaria ao paciente uma técnica
de relaxamento chamada "relaxamento progressivo", pela qual ele
aprenderia a relaxar, enquanto imagina o primeiro item. Quando conseguisse
fazer isso sem se sentir ansioso, passaria para o item seguinte, e assim por
diante, até conseguir imaginar o item mais severo sem sentir medo. A pesquisa
de Wolpe indicava que, uma vez que o paciente tivesse dominado a hierarquia de
situações imaginadas, conseguiria enfrentar a situação real sem experimentar
uma ansiedade paralisante.
Os críticos de Wolpe alegaram que, mesmo
que ele pudesse curar a fobia, sempre haveria o perigo de reincidência ou de
substituição de sintomas, porque não se tratou da causa subjacente. E
acrescentaram que a técnica não podia ser aplicada a um problema como o de
Gregory, porque ele não tinha uma ansiedade consciente, simplesmente não
conseguia ter ereção. De um ponto de vista científico, o “júri” ainda está
avaliando a eficácia da técnica de Wolpe.
Um grupo de terapeutas psicodinâmicos que
se interessou pelo trabalho de Wolpe ponderou a seguinte possibilidade:
acreditamos que o sintoma é provocado por um fenômeno inconsciente; portanto,
existe necessariamente uma ligação entre o sintoma e a causa subjacente. Se a
causa subjacente é tratada com sucesso na terapia psicodinâmica, o sintoma
desaparece. Não seria possível que a cadeia associativa pudesse funcionar na
direção contrária? Isto é, se o sintoma é tratado por uma técnica como a de
Wolpe, não poderia a cadeia associativa enfraquecer ou mesmo eliminar a causa
subjacente?
Certa vez, tratei um homem que tinha
ataques de pânico todas as vezes que subia de carro a parte inclinada de uma
ponte específica que havia em seu trajeto usual. Meu paciente era um homem
muito bem-sucedido, com vários títulos. Seu pai tinha sido um operário
agressivo e vingativo. Durante alguns meses, trabalhamos a culpa que meu
paciente sentia por "suplantar" o pai e o seu medo de ter, de alguma
maneira, de pagar por isso. Trabalhamos também na conexão simbólica entre
suplantar o pai e "subir" a ponte. Em poucos meses, seu medo da ponte
desapareceu. Depois disso, continuamos trabalhando por mais alguns anos em
outras questões que o afligiam. A fobia nunca retornou. É interessante
especular sobre o que teria acontecido se eu tivesse optado por tratar a fobia
da ponte por meio da técnica cognitiva e tivesse êxito. A cadeia associativa se
desenrolaria de trás para a frente, e teríamos então reduzido sua culpa e medo
de superar o pai? E estaria ele protegido de um retorno da fobia?
Tudo isso não passa de especulação.
Devemos observar que Freud não consideraria essa hipótese "de trás para a
frente" muito digna de crédito. No entanto, se o principal problema do
cliente é uma fobia ou se ela é paralisante, o meio psicológico mais eficiente
de lidar com ela parece ser a dessensibilização sistemática de Wolpe. Mais
tarde, o paciente poderia querer abordar outros problemas com um tipo diferente
de terapia. Devemos também observar que importantes avanços ocorreram
recentemente no tratamento farmacológico das fobias, em especial com alguns
antidepressivos.
A eficácia do método de Wolpe faz supor
que o modo como um sintoma foi adquirido não prescreve necessariamente a melhor
maneira de removê-lo. Freud talvez esteja absolutamente correto sobre a gênese
da ansiedade, e, ao mesmo tempo, pode ser verdade que algumas ansiedades sejam
aliviadas por técnicas que não as psicodinâmicas.
KAHN, Michel. Freud básico – pensamentos psicanalíticos para o século XXI. Rio de Janeiro: BestBolso, 2013. p. 123 a 138.
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