O TÉRMINO DA ANÁLISE
A propósito do projeto rankiano que
gera tratamentos curtos, Freud anuncia de imediato, com o exemplo do Homem dos
Lobos, o que será o tema central do artigo: a duração de um tratamento e “a
parte não resolvida da transferência”.
O problema do lento desenvolvimento de
uma análise “remete para uma questão do maior interesse”: saber se existe “um
final natural” para uma análise. Uma análise terminada impõe que duas condições
sejam plenamente satisfeitas: por uma parte, o paciente deve ser aliviado de
seus sintomas, inibições e angústias; por outra parte, suficiente material
recalcado deve ser tornado consciente e elucidado, e a resistência vencida
afasta o risco da repetição.
Três fatores intervêm na duração do
tratamento: “a força pulsional constitucional”, os traumatismos e a “deformação
do Eu”. Freud assinala que, se o fator traumático é preponderante, a situação
evoluirá a favor de uma “análise definitivamente terminada”. No que se refere à
“análise interminável”, dois fatores são os responsáveis: a “força pulsional
constitucional” e “a modificação desfavorável do Eu adquirida na luta defensiva”,
quer seja do tipo de dissociação ou de restrição do Eu.
Prosseguir na argumentação dialética,
opondo “análise terminada” e “análise interminável”, não pode servir para a
investigação teórica sobre o fim da análise. Um excesso de obstinação nesse
caminho reforçaria a posição algo ideológica que consiste, como escreveu Freud
em Rememoração, repetição e perlaboração (1914), em supor possível “levantar
todos os recalques” e “preencher todas as lacunas da lembrança”. Quanto ao
inacabamento, resultaria de enraizamento no biológico da força pulsional
constitucional.
Em 1937, o modelo metapsicológico está
apto a representar os aspectos econômico-dinâmicos mais próximos dos fatos
clínicos, aspectos que sempre escaparam às concepções primárias de oposição de
forças. O término da análise é representado então por meio de um aparelho
psíquico complexo, onde estão em atividade a primeira e a segunda tópicas,
assim como os dois tipos de pulsões que, sob uma forma complexificada, remetem
o “conflito psíquico” para o primeiro plano de funcionamento psíquico. (...)
As forças em presença são, de um lado,
o campo pulsional onde os principais riscos são o excesso e o deslindamento
exorbitante, do outro lado o Eu que opõe resistência exibindo diversos métodos
defensivos, alguns dos quais, como as “formações reativas”, constituem os aspectos
ruidosos da neurose.
Mesmo que Freud intitule o seu artigo
sobre a transferência como Observações sobre o amor transferencial
(1914), o Eros não é o único componente da dinâmica da transferência.
Movimentos negativos esmaltam a evolução do curso do tratamento, correndo o
risco de levar à reação terapêutica negativa. Esses movimentos podem permanecer
de intensidade e frequência moderadas durante o tratamento, e ressurgir em toda
a sua amplitude a uma certa distância, maior ou menor, do seu término.
MIJOLLA,
Alain de. Dicionário internacional da psicanálise. Vol. I – A-L. Rio de
Janeiro: Imago, 2005. Verbete Análise terminável e interminável. p. 105 e 106.
Análise terminável e interminável
(1937): esse artigo marcante começa com um discurso justificando o fato de que
o trabalho psicanalítico só pode ser "um trabalho de muito fôlego",
se quisermos realmente libertar um ser humano de seus sintomas e inibições
neuróticas. Freud ergue-se assim contra as tentativas reiteradas de abreviar a
duração das análises, particularmente a de Rank, que acreditava ser possível
eliminar os efeitos a posteriori do traumatismo de nascimento e toda a
neurose em alguns meses de análise. Freud acrescenta que é um equívoco de Rank
imaginar que "esse pequeno fragmento de análise dispense todo o trabalho
analítico restante". Ele considera que a tentativa de Rank visa unicamente
a "ajustar o tempo da terapia analítica à pressa da vida americana".
Freud menciona em seguida suas próprias experiências de fixar de antemão o
término de uma cura psicanalítica nos casos que o progresso foi interrompido e
de mantê-lo a qualquer custo, como no do “Homem dos Lobos”. Foi uma aposta
arriscada, diz ele, que deu certo em um primeiro momento, mas depois o paciente
teve uma recaída. Fixar um prazo é eficaz desde que se escolha o momento
adequado, conclui, mas para isso não existe uma regra geral, e devemos confiar
em nossa intuição.
É comum ouvir dizer: "sua análise não
terminou!" ou "ele não foi analisado até o fim!". Mas, então, o
que significa "o fim de uma análise"? O fim pode ocorrer, diz Freud,
quando o paciente não sofre mais de seus sintomas, de suas angústias ou de suas
inibições, e quando o reprimido tornou-se consciente, de modo que não há mais
porque temer a repetição de processos patológicos. Se faltam esses elementos, a
análise está "incompleta". Nos casos bem-sucedidos, consegue-se
eliminar completamente o distúrbio neurótico e evitar seu retorno. Os casos
mais favoráveis ao tratamento são aqueles que têm uma etiologia traumática,
segundo Freud, pois a análise consegue resolver as situações traumáticas que
remontam à infância precoce, que na época o ego imaturo não conseguiu dominar. Ao
contrário, quando a força das pulsões é excessiva, isso impede a
"domesticação" das pulsões pelo ego, e a análise é então condenada ao
impasse, pois o impacto das pulsões provoca modificações do ego. De que
modificações se trata? Freud esclarece que se trata de modificações do ego que
resultam da ação defensiva "no sentido de um deslocamento e de uma
restrição": os termos deslocamento e restrições fazem alusão aqui às suas
recentes pesquisas sobre a negação da realidade e a clivagem do ego, pesquisas
que parecem não ter despertado ainda a atenção dos meios psicanalíticos:
"(...) a bem da verdade, é preciso confessar que essas coisas ainda não
são suficientemente conhecidas. Só agora elas começam a ser objeto de estudos
analíticos. O interesse dos analistas não me parece de modo nenhum bem
orientado nesse campo".
Freud apresenta em seguida dois casos
clínicos para mostrar que uma cura pode terminar de maneira satisfatória, mas
depois, às vezes muitos anos mais tarde, diversos fatores podem desencadear uma
recaída. Fala primeiro do caso de um homem que havia feito uma análise com ele
- reconhecemos aqui seu aluno Ferenczi, que não é identificado -, análise que
terminara de maneira aparentemente satisfatória; porém, alguns anos depois, o
paciente entrou em atrito com seu analista e o censurou por ter deixado de
analisar a transferência negativa. Freud se defende dessa acusação: "No
entanto, ele [o analisado] devia saber e levar em consideração que uma relação
de transferência jamais pode ser puramente positiva; ele deveria ter se
preocupado com a transferência negativa. O analista se justifica dizendo que
durante a análise não se percebia nada da transferência negativa". O outro
exemplo é de uma mulher cuja análise terminou com sucesso, mas ela teve uma
recaída depois de vários infortúnios e de uma cirurgia, permanecendo
inacessível à análise. Assim, uma recaída é sempre possível e "não temos
nenhum meio de prever a vicissitude de uma cura". Uma conclusão se impõe:
quanto mais se exigem bons resultados de uma cura, menos se justifica
abreviá-la!
Segundo Freud, o êxito de uma terapia
analítica depende essencialmente de três fatores: a influência dos
traumatismos, a força constitutiva das pulsões, as modificações do ego. No que
se refere à força das pulsões, quais são os meios de que dispõe o ego do
paciente para conseguir "domesticá-las", de modo a eliminar de forma
duradoura e definitiva um conflito pulsional? Para explicar isso, diz Freud,
seria preciso recorrer à "feiticeira metapsicologia", ou seja, apelar
à especulação metapsicológica "sem a qual não se avança". Por
exemplo, no homem normal, deve-se encontrar o equilíbrio para cada conflito
entre a "força do ego" e a "força das pulsões". Se a força
do ego cede ou se a força das pulsões se torna excessiva, segue-se um desequilíbrio
que produz efeitos patológicos. Considerado sob o aspecto das respectivas
relações entre as diferentes forças presentes, esse ponto de vista, na opinião
de Freud, confirma a importância do fator quantitativo no acionamento da
doença, ou seja, o fator econômico. Nesse aspecto, Freud reivindica a
originalidade do tratamento psicanalítico, pois ele capacita o paciente para
ter domínio sobre o reforço das pulsões, processo que não é espontâneo, e só
pode ser criado pelo trabalho analítico. Contudo, esse domínio das pulsões está
longe de ser garantido, pois ele jamais é completo ou definitivo. Essa
incerteza quanto ao futuro, segundo Freud, é um argumento a mais para insistir
sobre a necessidade de um trabalho analítico aprofundado, com o objetivo de
reforçar a capacidade do ego de domar as pulsões: "Sem dúvida, é desejável
abreviar a duração de uma cura psicanalítica, mas o caminho para chegar ao
nosso objetivo terapêutico passa sempre pelo aumento da força de apoio
analítico que queremos proporcionar ao ego".
Outras indagações se colocam durante o
tratamento. Podemos proteger o paciente contra futuros conflitos pulsionais? E
possível despertar um conflito ainda não manifesto com um objetivo preventivo?
Freud associa esses dois problemas que suscitam a questão dos limites da
terapêutica psicanalítica. Ele acha que, na medida em que um conflito atual não
se manifesta, o analista não pode ter nenhuma influência sobre ele. Só podemos
tratar de um conflito atual quando conseguimos abordá-lo pela via da
transferência, diz Freud, mas se tentamos produzir artificialmente conflitos
transferenciais com um objetivo preventivo, prejudicamos seriamente a
transferência positiva indispensável. Do mesmo modo, é totalmente inútil tentar
falar desses conflitos com o analisado, com a esperança de despertar nele
outros conflitos para então elaborá-los: o paciente nos responderá: "Com
certeza, é muito interessante, mas eu não sinto nada disso. Aumentamos seu
saber, mas de resto não mudamos nada nele".
Freud aborda em seguida a questão das
resistências à cura que provêm do ego sob os dois aspectos: primeiro, do ângulo
de uma necessária aliança entre o analista e o ego do paciente, e depois do
ângulo da posição do ego à cura.
No que diz respeito ao primeiro ponto,
Freud considera que o analista se alia com o ego do paciente, mas com um ego
"medianamente normal", esclarece ele, pois o ego "normal"
não é uma "ficção ideal". Visto dessa perspectiva, o objetivo do
trabalho analítico é conseguir "integrar na síntese do ego" as partes
não dominadas de seu id, concepção do trabalho de elaboração que vai além de
suprimir a repressão, e implica uma "síntese do ego" reunindo suas
partes do ego que ele supõe fragmentadas. Finalmente, Freud nota que coexistem
duas partes dentro do ego: uma parte próxima do ego "psicótico" e uma
parte "normal": "Toda pessoa normal é de fato apenas
medianamente normal, seu ego se aproxima do ego do psicótico nesta ou naquela
parte, em maior ou menor medida, e o grau de distanciamento em relação a uma
das extremidades da série e de aproximação em relação ã outra nos servirá
provisoriamente como medida para essa "modificação do ego" tão
vagamente caracterizada". Esses elementos esboçados aqui são conceituados
no Esboço de psicanálise.
Quanto à oposição do ego à análise das
resistências e à cura, Freud lembra o papel que desempenham os mecanismos de
defesa. Sua tarefa é dupla: de um lado, os mecanismos de defesa tal como os
descreveu Anna Freud (1936) têm como objetivo proteger o ego em face dos
perigos interiores, mas quando são muito desenvolvidos, eles próprios podem
constituir um perigo e criar limitações prejudiciais para o ego. Em poucas
palavras, prossegue Freud, o efeito terapêutico da análise está ligado à
possibilidade de tornar consciente o que foi reprimido e de se valer de
interpretações e da reconstrução para suprimir as resistências. Porém, durante
o trabalho, constata-se com frequência que o paciente não sustenta mais o
esforço de trazer à luz as resistências e as defesas e que as transferências
negativas podem predominar e ameaçar o êxito terapêutico: "O analista
agora é um estranho para o paciente, que o coloca diante de exigências abusivas
desagradáveis, e se comporta em relação a ele exatamente como uma criança que
não gosta do estranho e não acredita nem um pouco nele".
Encontramos uma grande variedade de
"ego", e cada ego particular é dotado desde o início de tendências
individuais que são em parte adquiridas durante os primeiros anos, em parte
inatas e provenientes da herança arcaica. Essas tendências formam o caráter da
personalidade, com suas resistências e suas defesas próprias, que tendem a se reproduzir
na relação analítica. Quanto mais se leva em conta a complexidade da
personalidade, mais fica difícil localizar as resistências, pois não se pode
simplesmente localizá-las entre o ego ou o id, mas é preciso
levar em conta agora fatores fundamentais que agem dentro do aparelho psíquico.
Entre as resistências de natureza mais
profunda, Freud menciona o caso de pessoas que apresentam uma excessiva
"viscosidade da libido", que retarda bastante o processo de cura.
Inversamente, cita pessoas que mostram uma mobilidade excessiva da libido e
passam de um objeto a outro sem conseguir investi-los. Finalmente, certos
pacientes manifestam, apesar da pouca idade, uma espécie de "entropia
psíquica", inércia que se costuma esperar em pessoas mais velhas.
Em outros casos, as resistências provêm do
conflito entre pulsão de vida e pulsão de morte que opera nos casos de
masoquismo, de reação terapêutica negativa ou do sentimento de culpa dos
neuróticos: "Esses fenômenos são indícios inegáveis da existência na vida
anímica de uma força que, conforme seus objetivos, chamamos de pulsão de
agressão ou de destruição, e que derivamos da originária pulsão de morte da
matéria inanimada". Contudo, a experiência recente mostrou a Freud que o
conflito entre Eros e pulsão de destruição não se encontra apenas na patologia,
mas também nas situações da vida normal. Ele lamenta que suas ideias nesse
campo sejam pouco seguidas: "Sei bem que a teoria dualista, que pretende
impor uma pulsão de morte, de destruição ou de agressão como parceiro legítimo
ao lado do Eros que se manifesta na libido, encontrou pouco eco e não se impôs
verdadeiramente entre os psicanalistas". Ao contrário, o filósofo grego
Empédocles forneceu-lhe um apoio inesperado, pois este pregava a existência de
dois princípios eternamente em combate entre si, - o φιλία, amor - e νεῖκος, a
luta, dualidade que não deixa de apresentar analogias com a segunda teoria
freudiana dos impulsos.
Freud se volta para os psicanalistas,
apoiando-se em um trabalho de Ferenczi (1928) que mostrava que é indispensável
para o êxito de uma análise que "o analista tenha aprendido
suficientemente com seus próprios 'desvios e erros' e que tenha submetido ao
seu poder os 'pontos fracos de sua personalidade'". Evidentemente,
prossegue Freud, os analistas são homens como outros quaisquer, e "é
incontestável que os analistas não atingiram completamente em sua própria
personalidade o grau de normalidade psíquica a que pretendem conduzir seus
pacientes". Contudo, no interesse de seus pacientes, é legítimo que se
exija do analista "um grau bastante elevado de normalidade e de retidão
psíquica". É por isso que a análise pessoal do psicanalista lhe parece uma
condição indispensável para a preparação de sua atividade futura. Além disso,
com o objetivo de evitar tanto quanto possível os vários perigos que rondam o
próprio analista em sua prática, Freud recomenda a todo psicanalista que retome
periodicamente uma análise, a cada cinco anos, "sem ter vergonha desse
procedimento".
A última parte em geral é a mais
conhecida desse texto no qual Freud descreve os dois obstáculos ao término que
considera como intransponíveis: a inveja do pênis na mulher e a rebelião contra
a posição passiva no homem.
Embora essas duas resistências ao
término sejam distintas, em razão da diferença dos sexos, elas possuem um
elemento comum, segundo Freud: a atitude semelhante do homem e da mulher em
relação ao complexo de castração. Para ele, o complexo de castração não tem de
fato o mesmo significado para um e para o outro sexo. No homem, esse desejo de
virilidade desde o início está de acordo com o desejo do ego, isso porque a
posição passiva que implica a castração é energicamente reprimida, revelando-se
quase sempre apenas por supercompensações excessivas. Na mulher, ao contrário,
o desejo de virilidade só é normal durante a fase fálica de seu
desenvolvimento, situado "antes do desenvolvimento que conduz a
feminilidade"; mas nela, a inveja do pênis logo depois é reprimida e o
destino da feminilidade depende do resultado de sua repressão. No caso de
fracasso do desenvolvimento da feminilidade, como na mulher "fálica",
o complexo de virilidade se compõe e influencia o caráter de forma duradoura;
ao contrário, no caso de desenvolvimento favorável, o desejo do pênis é
substituído pelo desejo do filho, segundo Freud. Contudo, ele insiste em pensar
que o complexo de virilidade continua a perturbar a vida psíquica normal da
mulher: "O desejo de virilidade ficou preservado no inconsciente e
continua a desenvolver seus efeitos perturbadores".
Freud prossegue lembrando que, para
Ferenczi, uma análise bem-sucedida devia ter dominado esses dois complexos, o
desejo do pênis na mulher e a rebelião contra a posição passiva no homem. Mas
Freud julga tais objetivos excessivamente ambiciosos, pois esses dois pontos
opõem ao analista resistências intransponíveis: "Em nenhum momento do
trabalho analítico se sofre mais por sentir de maneira opressiva a inutilidade
dos esforços reiterados, por imaginar que se faz 'pregação aos peixes', do que
quando se quer incitar as mulheres a abandonar seu desejo de pênis como
irrealizável, e quando se gostaria de convencer os homens de que uma posição
passiva em relação ao homem nem sempre tem o significado de uma castração, e
que ela é indispensável em inúmeras situações da existência".
No homem, segundo Freud, a
supercompensação viril arrogante determina a mais forte resistência à
transferência: "O homem não quer se submeter a um substituto paterno, não
quer ser seu vassalo e, portanto, também não quer aceitar a cura da parte do médico".
Na mulher, o desejo do pênis não pode determinar uma transferência análoga à do
homem, e nela a decepção de não ter pênis é "uma fonte dos surtos de
depressão grave oriunda da certeza interior de que a cura analítica não servirá
de nada e que nenhuma ajuda pode ser dada à doente". Para Freud, essa
depressão só pode ser a consequência do fracasso da "esperança de obter
apesar de tudo o órgão masculino cuja falta, tão dolorosamente sentida, foi o
motivo mais forte que levou a cura". Freud não entrevê em nenhum momento
que uma mulher possa estar deprimida por não ser aceita pelo analista em sua
especificidade feminina e em sua angústia de se sentir amputada de seus órgãos
femininos, o que constitui o equivalente feminino da angústia de castração no
homem. Ele não considera que a sexualidade feminina possa ter uma dimensão
positiva para a mulher. Contudo, segundo Ferenczi, o acesso à feminilidade para
uma mulher e o acesso à virilidade para um homem são objetivos que deveriam ser
atingidos ao término de uma psicanálise. Freud não está de acordo com as
conclusões de seu aluno, mas cita-o textualmente em uma nota: "(... ) é
preciso que todo paciente masculino adquira em relação ao médico, como sinal de
que superou a angústia de castração, o sentimento de ser legitimamente seu
igual; é preciso que todas as doentes femininas, para que a neurose seja
considerada como totalmente eliminada, tenham eliminado seu complexo de
virilidade, e se apropriem sem rancor das possibilidades de pensar próprias ao
papel feminino" (Ferenczi, citado por Freud). Em outras palavras, Freud
permanece inflexível em sua fidelidade ao "monismo fálico", e
irredutivelmente pessimista quando chega à conclusão de que o término de uma
análise se choca necessariamente com uma "rocha de origem", que ele
atribui ao fator biológico no qual se enraíza o psiquismo: "Não pode ser
de outra maneira, pois, para o psiquismo, o biológico desempenha efetivamente o
papel de rocha de origem subjacente. Evidentemente, a recusa da feminilidade
nada mais é que um fato biológico, uma parte desse grande enigma da
sexualidade".
QUINODOZ,
Jean-Michel. Ler Freud: guia de leitura da obra de S. Freud. Porto
Alegre: Artmed, 2007. p. 279 a 283.
No texto Análise terminável e
interminável (Die Endiche und die Unenliche Analyse, 1937), Freud
debate a respeito da viabilidade de uma análise completa ou suficientemente
profunda de tal modo que se possa afirmar que o paciente tenha se tornado livre
de sua neurose, portanto de seus sintomas, inibições e anormalidades de caráter
neuróticas.
Ele discute, inicialmente, a respeito
da tentativa de O. Rank em focalizar as análises no âmbito do trauma do
nascimento do paciente; esse autor defende que a eliminação desse trauma seria
suficiente para eliminar todas as neuroses. Contudo, Freud faz notar que muitos
traumas ocorrem durante a vida infantil, portanto, após o nascimento.
Ele faz, então, referência às suas
próprias tentativas de encerrar análises mediante o expediente de estabelecer
um prazo para seu término. Relata que, assim, obteve resultados satisfatórios
no empenho do analisando em aprofundar a análise, mas que isso não evitou nova
neurose mais tarde, que, de algum modo, estava ligado ao que foi analisado
anteriormente. Coloca a questão relativa a existir algo que se possa chamar
“término de uma análise” e lembra que é frequente ouvir analistas afirmarem que
algum de seus colegas não terminou a sua análise ou nunca se analisou até o
fim. Não consegue chegar a uma conclusão definitiva, mas faz a ressalva de que
uma etiologia do tipo traumático oferece, de longe, o campo mais favorável para
a análise, mas que fica sempre a questão de não termos como afirmar que após a
alta não ocorrerão novos surtos.
Cita os fatores decisivos para o
sucesso ou não do tratamento analítico – a influência dos traumas, a força
constitucional dos instintos e as alterações do Eu -, mas reconhece que o que
exige maior atenção é “a força das pulsões”. Entretanto, lembra que o fator
constitucional pode ser aumentado por um reforço pulsional.
A questão passa a ser a seguinte: é
possível livrar-se de modo permanente e definitivo de um conflito pulsional, ou
melhor, é possível “amansar” suficientemente uma exigência pulsional?
Já em textos anteriores, Conferência
XXXI, da Nova série de conferências para introdução na psicanálise,
capítulo 3, A decomposição da personalidade psíquica, [Neue Folge der
Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse – Kapitel 3 – Die
Zerlegung der psychischen Persönlichkeit, 1933], Freud debate a respeito do
potencial do trabalho psicanalítico e seus pontos de sustentação. Nessa
conferência, ele afirma que (...) seu propósito é fortalecer o Eu e torná-lo
independente do Supereu, ampliar seu campo de percepção da realidade e
construir sua organização na medida em que consiga apropriar-se de novas partes
do Isso. Afirma então: onde estava o Isso, deverá surgir o Eu. Encerra o texto
com uma analogia: a psicanálise pode ser comparada a um trabalho civilizatório,
algo como a drenagem do Mar Zuyder nos Países Baixos, mar esse ocupado pela
terra. O Eu ocupa partes do Isso a partir de um trabalho que pode ser comparado
à drenagem de água desse mar nos Países Baixos, nessa atividade humana de
instalar diques de contenção da água marítima visando conquistar partes de
terreno do mar e ocupá-las como terrenos úteis à atividade humana.
Freud comenta, em seguida, que em todas
as fases do restabelecimento do paciente temos de lutar contra sua inércia,
tendendo o mesmo a se contentar com uma solução incompleta. Também pontua que o
trabalho de análise progride melhor se as experiências patogênicas do paciente
pertencem ao passado, de modo que seu Eu possa situar-se a certa distância
delas. Outro aspecto ressaltado é que, em estados de crise aguda, a análise é,
para todos os fins e intuitos, inutilizável, pois todo o interesse do Eu é tomado
pela realidade penosa, e ele se retrai da análise, procurando permanecer na
superfície e evitar contato com as influências do passado.
Por outro lado, é inútil alertar o
paciente sobre as possibilidades de irrupção posterior de outros conflitos
pulsionais, visando a uma prevenção ou profilaxia. Isso porque será meramente
uma informação cognitiva. Freud lembra ainda que o Eu faz uso de diversos
procedimentos para desempenhar sua tarefa – os mecanismos de defesa -, visando,
fundamentalmente, evitar o perigo, a ansiedade e o desprazer. O trabalho
terapêutico está constantemente oscilando para trás e para frente, como um
pêndulo, entre um fragmento de análise do Isso e um fragmento de análise do Eu.
Num momento, desejamos tornar consciente algo do Isso, e no outro voltamos
nossa atenção para algo no Eu. A dificuldade da questão é que os mecanismos
defensivos dirigidos contra um perigo anterior reaparecem no tratamento como
resistências contra o restabelecimento, o que leva o Eu a tratar o próprio
restabelecimento como um novo perigo. Faz o alerta de que o efeito terapêutico
depende de tornar consciente o que está recalcado no Isso e que preparamos o
caminho para essa conscientização mediante interpretações e construções, mas,
enquanto o Eu se apega a suas defesas primitivas e não abandona suas
resistências, interpretamos apenas para nós próprios, não para o paciente.
Freud considera, também, que o Isso
contém traços que pertencem ao que denominou herança arcaica [archaischer
Erbschaft], além dos traços que surgem com as vivências, e essa herança
arcaica pode ter influência em manter certas resistências comuns a certos
grupos familiares ou nacionais. Comenta que há pacientes que apresentam
adesividade da libido ou libido móvel e que também há muitos casos de entropia
psíquica, como nos idosos (...). Aponta, ainda, que devemos considerar a força
da pulsão de morte confrontando a força da pulsão de vida.
Freud lembra ainda que leu, em 1927, um
artigo de Ferenczi sobre o problema da conclusão das análises, no qual afirmou
que “a análise não é um processo sem fim, mas um processo que pode receber um
fim natural, com perícia e paciência suficientes do analista”. Diz Freud que
Ferenczi demonstra que o êxito depende muito de o analista ter aprendido o
suficiente com seus próprios erros e equívocos e de ter levado a melhor sobre
os pontos fracos de sua própria personalidade.
Ele conclui com a afirmação de que,
entre os fatores que influenciam as perspectivas do tratamento analítico e que
se somam às suas dificuldades da mesma maneira que as resistências, devem ser
levados em conta não apenas a natureza do Eu do paciente, mas também a
individualidade do analista. O analista deve poder ser considerado como sujeito
“normal”, que apresenta correção mental. Além disso, ele deve possuir algum
tipo de superioridade, de maneira que, em certas situações analíticas, possa
agir como modelo para seu paciente e, em outras como professor. E, finalmente,
não devemos esquecer que o relacionamento analítico se baseia no amor à verdade
– isto é, no reconhecimento da realidade -, e que isso exclui qualquer tipo de
impostura ou engano.
Afirma ainda que, tanto em análises
terapêuticas quanto em análises de caráter, observamos que dois temas vêm a ter
relevância e fornecem ao analista quantidade inusitada de trabalho. Logo se
torna evidente que aqui um princípio geral está em ação. Os dois temas estão
ligados à distinção existente entre os sexos; um deles é tão característico dos
homens quanto o outro o é das mulheres. Apesar da dessemelhança de seu
conteúdo, há uma correspondência óbvia entre eles. Algo que ambos os sexos
possuem em comum foi forçado, pela diferença entre eles, a formas diferentes de
expressão.
Os dois temas correspondentes são, na
mulher, a inveja do pênis – um esforço positivo por possuir um órgão genital
masculino – e, no homem, a luta contra sua atitude passiva ou feminina para com
outro homem. O que é comum nos dois casos foi distinguido na nomenclatura
psicanalítica como sendo uma atitude para com o complexo de castração.
Subsequentemente, Alfred Adler colocou o termo ‘protesto masculino’ em uso
corrente. Freud afirma que ele se ajusta perfeitamente ao caso dos homens, mas
que ‘repúdio da feminilidade’ teria sido a descrição correta dessa
característica da vida psíquica humana.
BRANDT,
Juan Adolfo. A psicanálise de Freud explicada. São Paulo: Zagodoni,
2017. p. 160 a 163.
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