Módulo 20

 PONTO DE VISTA ECONÔMICO NA COMPREENSÃO DO PSIQUISMO




Qualifica tudo o que se refere à hipótese de que os processos psíquicos consistem na circulação e repartição de uma energia quantificável (energia pulsional), isto é, suscetível de aumento, de diminuição, de equivalências.

1) Fala-se geralmente, em psicanálise, de “ponto de vista econômico”. É assim que Freud define a metapsicologia pela síntese de três pontos de vista: dinâmico, tópico e econômico - entendendo por este último “... a tentativa de acompanhar o destino das quantidades de excitação e de chegar pelo menos a uma estimativa relativa de sua grandeza”. O ponto de vista econômico consiste em considerar os investimentos na sua mobilidade, nas variações da sua intensidade, nas oposições que entre eles se estabelecem (noção de contrainvestimento) etc. Ao longo de toda a obra de Freud estão presentes considerações econômicas; para ele, não seria possível a descrição completa de um processo psíquico sem a apreciação da economia dos investimentos.

Os motivos desta exigência do pensamento freudiano encontram-se, por um lado, num espírito científico e num aparelho conceitual inteiramente impregnados de noções energéticas, e, por outro, na experiência clínica que impõe a Freud, de imediato, um certo número de dados que, para ele, só uma linguagem econômica pode explicar. Por exemplo: o caráter irreprimível do sintoma neurótico (muitas vezes traduzido na linguagem do doente por uma expressão como “é mais forte do que eu”), o desencadear de distúrbios de aspecto neurótico consecutivos a perturbações da descarga sexual (neuroses atuais); inversamente, o alívio e liquidação das perturbações durante o tratamento, logo que o indivíduo pode libertar-se (catarse) dos afetos bloqueados nele (ab-reação); a separação, efetivamente verificada no sintoma e no decorrer do tratamento, entre a representação e o afeto originariamente ligado a ela (conversão, recalque etc.); a descoberta de cadeias de associações entre determinada representação que provoca pouca ou nenhuma reação afetiva e uma outra, aparentemente anódina, mas que provoca reação afetiva. Este último fato sugere a hipótese de uma verdadeira carga afetiva que se desloca de um elemento para outro ao longo de um caminho condutor.

Esses dados encontram-se no ponto de partida dos primeiros modelos elaborados por Breuer nas suas Considerações teóricas (Estudos sobre a histeria [Studien über Hysterie, 1895]) e por Freud (Projeto para uma psicologia científica [Entwurf einer Psychologie, 1895]), inteiramente construído sobre a noção de uma quantidade de excitação que se desloca ao longo de cadeias neurônicas; capítulo VII de A interpretação de sonhos [Die Traumdeutung], 1900).

A partir de então, toda uma série de outras verificações clínicas e terapêuticas virão apenas reforçar a hipótese econômica, como, por exemplo:

a) Estudos de estados como o luto ou as neuroses narcísicas, que impõem a ideia de uma verdadeira balança energética entre os diferentes investimentos do sujeito, pois o desapego do mundo exterior está em correlação com um aumento do investimento ligado às formações intrapsíquicas.

b) Interesse conferido às neuroses de guerra e em geral às neuroses traumáticas, em que os distúrbios parecem provocados por um choque demasiadamente intenso, um afluxo de excitação excessivo tendo em conta a tolerância do sujeito.

c) Limites da eficácia da interpretação e, de um modo mais geral, da ação terapêutica em certos casos rebeldes, que levam a invocar a força respectiva das instâncias em presença — particularmente a força constitucional ou atual das pulsões.

2) A hipótese econômica está constantemente presente na teoria freudiana, onde se traduz por todo um aparelho conceitual. A ideia princeps parece ser a de um aparelho (inicialmente qualificado de neurônico e, ulteriormente e de modo definitivo, de psíquico) cuja função é manter no nível mais baixo possível a energia que ali circula (princípio de constância). Este aparelho executa um certo trabalho descrito por Freud de diversas maneiras: transformação da energia livre em energia ligada, adiamento da descarga, elaboração psíquica das excitações etc. Esta elaboração supõe a distinção entre representação e quantum de afeto ou soma de excitação, esta suscetível de circular ao longo de cadeias associativas, de investir determinada representação ou determinado complexo representativo etc. Daí o aspecto econômico de que se revestem imediatamente as noções de deslocamento e de condensação.

O aparelho psíquico recebe excitações de origem externa ou interna, sendo que estas últimas, ou seja, as pulsões, exercem uma pressão constante que constitui uma “exigência de trabalho”. De um modo geral, todo o funcionamento do aparelho pode ser descrito em termos econômicos como jogo de investimentos, desinvestimentos, contrainvestimentos, sobreinvestimentos.

A hipótese econômica está em estreita relação com os outros dois pontos de vista da metapsicologia: tópico e dinâmico. Freud define, com efeito, cada uma das instâncias do aparelho por uma modalidade específica de circulação da energia: assim, no quadro da primeira teoria do aparelho psíquico, energia livre do sistema Ics, energia ligada do sistema Pcs, energia móvel de sobreinvestimento para a consciência (ponto de vista tópico).

Do mesmo modo, a noção dinâmica de conflito psíquico implica, segundo Freud, que sejam consideradas as relações entre as forças em presença (forças das pulsões, do ego, do superego). A importância do “fator quantitativo”, tanto na etiologia da doença como na solução terapêutica, é sublinhada com especial nitidez em Análise terminável e interminável (Die endliche und die unendliche Analyse, 1937).

LAPLANCHE, Jean. Vocabulário de psicanálise. Verbete: econômico. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 121 a 123.



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