Módulo 31

 PROJEÇÃO E INTROJEÇÃO



PROJEÇÃO 

O SIGNIFICADO DA PALAVRA PROJEÇÃO

         De um modo muito geral, designa-se por “projeção” todo deslocamento de qualquer coisa de um espaço para um outro, ou de uma parte do espaço para uma outra (o termo latino projectio (...) significa (...) lançar para diante).

MIJOLLA, Alain de. Dicionário internacional de psicanálise. vol. 2. Rio de Janeiro: Imago, 2005. p.1443.

 

TODA PROJEÇÃO ENVOLVE UM MOVIMENTO, UM LANÇAMENTO QUE PARTE DO ESPAÇO ORIGINÁRIO E CHEGA A UM ESPAÇO DE DESTINAÇÃO

De uma maneira mais precisa, o termo designa uma operação que consiste em transportar uma forma, ou certos elementos dessa forma, para um suporte receptor, real (como no caso de uma projeção cinematográfica) ou imaginário (como no caso da geometria projetiva, considerando, por exemplo, a projeção de um cubo num plano, o que supõe leis da transformação). Assim se encontra sempre implicada a distinção de dois espaços, originário e de destinação, definidos de modo complementar por essa mesma operação.

MIJOLLA, Alain de. Dicionário internacional de psicanálise. vol. 2. Rio de Janeiro: Imago, 2005. p. 1433.

 

PROJEÇÃO NA PSICANÁLISE

         Essa definição de base reencontra-se na noção psicanalítica de projeção. (...) Depois de Freud (...) os espaços assim distinguidos (...) são (...) o espaço da realidade psíquica e o espaço do mundo exterior. Uma primeira definição pode ser a seguinte: a projeção é um processo intrapsíquico que cria ou modela uma percepção (ou um conjunto de percepções) referida a um objeto do mundo exterior, não obstante ser então suposto pelo sujeito como “objetivamente” percebido segundo suas características próprias; o caso mais interessante é aquele em que esse objeto é uma pessoa real (por vezes chamada de “objeto externo”). Passando por todos os intermediários possíveis, isso vai do caso onde a percepção é inteiramente criada, na ausência de toda referência sensorial atual (caso da alucinação, mas também do sonho noturno), até aquele em que se trata de “coloração” pelo sujeito de uma percepção sob todos os aspectos objetiva (por exemplo, a atitude de um desconhecido é percebida como vagamente hostil por uma pessoa, e muito amistosa por outra pessoa).

MIJOLLA, Alain de. Dicionário internacional de psicanálise. vol. 2. Rio de Janeiro: Imago, 2005. p. 1433.

 

A PROJEÇÃO NORMAL E A PROJEÇÃO PATOLÓGICA NA PSICANÁLISE

         Freud voltará por diversas vezes a ocupar-se dos problemas suscitados pela noção de projeção (...). Desde o início, Freud distingue a esse respeito dois mecanismos muito distintos. Um deles corresponde a uma projeção normal, definida por esta passagem de Totem e tabu[1]: “Em certas condições (...) processos que afetam os sentimentos e o pensamento são projetados no exterior como percepções sensoriais, a fim de aperfeiçoar e completar a forma do mundo exterior (...)”. Assim, essa projeção “normal” é constitutiva da própria percepção e da construção do real.

         O outro mecanismo implica uma projeção patológica[2], quando o processo, por assim dizer, adquire “embalo” e resulta numa construção do real tão distorcida que o funcionamento psíquico pode, com efeito, ser desde logo visto como patológico. Isto é observado nas fobias[3], (...) mas é sobretudo o funcionamento projetivo do paranoico[4] (...) o que melhor ilustra esse mecanismo.

MIJOLLA, Alain de. Dicionário internacional de psicanálise. vol. 2. Rio de Janeiro: Imago, 2005. p. 1434.

 

A DIFERENCIAÇÃO DENTRO/FORA

         A projeção (...) supõe necessariamente uma distinção do “dentro” (o intrapsíquico) e do “fora” (o mundo circundante). Freud faz ver que essa distinção é fundamental e necessária desde o começo da vida biológica: o organismo unicelular (...) constitui uma unidade funcional separada do seu meio de vida por uma membrana; ele deve importar as substâncias nutritivas que lhe são necessárias e exportar os metabolismos nocivos que produz. Esse duplo movimento de importação/exportação, definido ao nível biológico como incorporação/excorporação[5], reconduz-se e transpõe-se ao nível do funcionamento psíquico (...). Assim, (...) o Eu “retém em si, na medida em que são fontes de prazer, os objetos que se lhe apresentam, introjeta-os (...) e, por outro lado, expulsa de si o que, no interior de si mesmo, provoca desprazer”[6].

MIJOLLA, Alain de. Dicionário internacional de psicanálise. vol. 2. Rio de Janeiro: Imago, 2005. p. 1434.

        

         Na teoria psicanalítica a projeção designa um (...) mecanismo (...) de defesa pelo qual o ego se protege da ansiedade, repelindo os seus maus objetos internos anteriormente introjetados e projetando-os em objetos externos. A ansiedade é assim neutralizada, na medida em que o ego conserva apenas, incorporados, os bons objetos. A personalidade assim formada, ansiosa por conservar em si as boas coisas, desconfiada, ciumenta, poderá, em caso de desequilíbrio emocional, dar origem à (...) paranoia.

CABRAL, Álvaro e NICK, Eva. Dicionário técnico de psicologia. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 254

 

DUAS FUNÇÕES DA PROJEÇÃO: FUNÇÃO DEFENSIVA E FUNÇÃO ELABORATIVA

         Cumpre distinguir, portanto, duas funcionalidades da projeção, as quais são, aliás, estreitamente complementares. Por uma parte, uma função defensiva[7], quando se trata de expulsar do espaço intrapsíquico o que para ele é causa de desprazer, ameaça etc.; por outra parte, uma função elaborativa[8], quando essa expulsão instaura e consolida a indispensável diferenciação dentro/fora[9]. Daí poderem se instaurar muitos equilíbrios dessas duas funcionalidades. Se a função defensiva prevalece, a projeção está a serviço da ignorância e o mundo assim construído povoa-se de figuras hostis: trata-se, neste caso, da projeção que Freud qualifica de “patológica” desde seus funcionamentos neuróticos relativamente menores até às construções delirantes da psicose. Se predomina a função elaborativa, trata-se, no prolongamento dos primeiros processos de individuação, de manter e de afirmar uma complementaridade do Eu e do que ele tem de conhecer.

 MIJOLLA, Alain de. Dicionário internacional de psicanálise. vol. 2. Rio de Janeiro: Imago, 2005. p. 1433 e 1435.

 

A UTILIZAÇÃO DO CONCEITO DE PROJEÇÃO EM OUTRAS ESCOLAS DE PSICOLOGIA, PARA ALÉM DA PSICANÁLISE

         O sujeito percebe o meio ambiente e responde a ele em função dos seus próprios interesses, aptidões, hábitos, estados afetivos duradouros ou momentâneos, expectativas, desejos etc. Essa correlação do mundo interior com o mundo exterior é uma das aquisições da (...) psicologia moderna (...). Ela se verifica a todos os níveis de comportamento: um animal seleciona no campo perceptivo certos estímulos privilegiados que orientam todo o seu comportamento; determinado homem de negócios considerará todos os objetos do ponto de vista do que se pode comprar ou vender (...); o homem bem-humorado tende a ver a “vida cor-de-rosa” etc. Mais profundamente, podem aparecer no comportamento manifesto estruturas ou traços essenciais da personalidade. É este fato que está na base das chamadas técnicas projetivas: o desenho da criança revela a sua personalidade; nos (...) testes projetivos (Rorschach, (...) por exemplo) o sujeito é posto na presença de situações pouco estruturadas e de estímulos ambíguos, o que permite ler, segundo regras de decifração próprias do tipo proposto de material e de atividade criadora, certos traços do seu caráter e certos sistemas de organização do seu comportamento e de suas emoções.

LAPLANCHE e PONTALIS. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 374 e 375.

         Chamam-se projetivas as técnicas de averiguação psicológica que consistem em apresentar um material (especialmente figuras) de significação ambígua, que pode ser interpretado segundo tendências, necessidades ou repressões, e cuja interpretação pode revelar o estado de quem o interpreta. O mais conhecido destes artifícios projetivos foi criado em 1921 pelo suíço Rorschach.

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 801.



[1] Totem e tabu é um livro escrito por Freud em 1913.

[2] A projeção patológica é considerada na psicanálise a criação de uma ilusão, isto é, ocorre de maneira que a realidade psíquica passa a ignorar o mundo real, e portanto anula a diferença entre os seus conteúdos subjetivos e o mundo exterior.

[3] Nas fobias, sentimos medo de certos objetos externos, como coisas, pessoas, animais ou situações que, em si mesmos, não representam nenhum perigo real. Porém projetamos conflitos íntimos no mundo exterior e tais objetos passam a apresentar características amedrontadoras falsamente objetivas.

[4] A paranoia é uma fantasia delirante de perseguição. Sua origem é a projeção no mundo externo de um ódio interno que não pode ser admitido por ameaçar o amor-próprio, e por isso causar intenso desprazer. Trata-se de uma regressão narcísica de natureza psicótica, com uma recusa da realidade externa. O paranoico não poderia admitir o seu ódio, pois isto abalaria seus autoinvestimentos libidinais narcísicos.

[5] Incorporação: propriedade biológica de alimentação; excorporação: propriedade biológica da excreção.

[6] Texto de Freud. Portanto, a distinção psicológica dentro/fora é baseada em uma distinção biológica que remonta aos organismos mais primitivos; devido às características desta origem biológica, o Eu psicológico relaciona a interioridade ao prazer, ao bem, e a exterioridade ao desprazer, ao perigo, à ameaça, ao mal. A diferença entre estes dois estados psicológicos está na origem da distinção dentro/fora. Os seres humanos utilizam-se desta diferença assim instaurada para pensar e agir com autonomia diante da realidade. Por outro lado, pessoas dominadas por projeções patológicas perdem a capacidade de agir com liberdade e eficiência.

[7] A função defensiva corresponde à projeção patológica.

[8] A função elaborativa corresponde à projeção normal.

[9] Ferenczi fala de uma “primeira projeção primitiva” em que o bebê, que partiu do narcisismo primário (introjeção absoluta de todo o real externo no si mesmo, monismo, indistinção bebê-mãe), começa “expulsar” de si os elementos externos que parecem não lhe obedecer. Por exemplo, o “seio mau” (conceito kleiniano) que não se faz presente quando o bebê tem fome. O que está se formando nesta “primeira projeção primitiva” é a fundamental diferenciação “dentro-fora”, que será aperfeiçoada cada vez mais pelo eu maduro e racional, mas que vai não será bem compreendida pelo psiquismo dominado pela regressão psicótica. 


PROJEÇÃO

 

Projeção: no sentido propriamente psicanalítico, operação pela qual o sujeito expulsa de si e localiza no outro - pessoa ou coisa - qualidades, sentimentos, desejos e mesmo “objetos” que ele desconhece ou recusa nele. Trata-se aqui de uma defesa de origem muito arcaica, que vamos encontrar em ação particularmente na paranoia, mas também em modos de pensar “normais”, como a superstição[1]. (...)

Freud invocou a projeção para explicar diferentes manifestações da psicologia normal e patológica:

1) A projeção foi descoberta primeiro na paranoia. Freud consagra a esta afecção já em 1895-96 dois curtos escritos e o capítulo III das suas Novas observações sobre as psiconeuroses de defesa (Weitere Bemerkungen über die Abwehr-Neuropsychosen, 1896). A projeção é descrita aqui como uma defesa primária, um mau uso de um mecanismo normal que consiste em procurar no exterior a origem de um desprazer. O paranoico projeta as suas representações intoleráveis que voltam a ele do exterior sob a forma de recriminações: “...o conteúdo efetivo mantém-se intato, mas há uma mudança na localização do conjunto”[2]. Em todas as ocasiões ulteriores em que Freud trata da paranoia, invoca a projeção, particularmente no estudo do Caso Schreber. Mas note-se a forma como Freud limita então o papel da projeção: ela é apenas uma parte do mecanismo da defesa paranoica e não está igualmente presente em todas as formas da afecção.

2) Em 1915, Freud descreve o conjunto da construção fóbica como uma verdadeira “projeção” no real do perigo pulsional: “O ego comporta-se como se o perigo de desenvolvimento da angústia não proviesse de uma moção pulsional, mas de uma percepção, e pode portanto reagir contra este perigo exterior pelas tentativas de fuga próprias aos evitamentos fóbicos.”

3) Freud vê o funcionamento da projeção naquilo que denomina “ciúme projetivo” - distinguindo-o tanto do ciúme normal quanto do delírio de ciúme paranoico: o sujeito defende-se dos seus próprios desejos de ser infiel imputando a infidelidade ao cônjuge; assim, desvia a sua atenção do seu próprio inconsciente, desloca-a para o inconsciente do outro, e pode ganhar com isso tanta clarividência no que diz respeito ao outro como desconhecimento no que diz respeito a ele mesmo. Portanto, às vezes é impossível, e sempre ineficaz, denunciar a projeção como uma percepção errada.

4) Por diversas vezes, Freud insistiu no caráter normal do mecanismo da projeção. É assim que ele vê na superstição, na mitologia, no “animismo”, uma projeção. “O obscuro conhecimento (por assim dizer, a percepção endopsíquica) dos fatores psíquicos e das relações que existem no inconsciente reflete-se [...] na construção de uma realidade suprassensível que deve ser retransformada pela ciência em psicologia do inconsciente.”

5) Por fim, só em raras ocasiões Freud invoca a projeção a propósito da situação analítica. Nunca designa a transferência em geral como uma projeção, e usa este último termo apenas para exprimir um fenômeno especial que se relaciona com ela: o sujeito atribui ao seu analista palavras ou pensamentos que na realidade são dele (por exemplo: “você vai pensar que... mas não é verdade”).

Vemos por este inventário que Freud dá à projeção um sentido bastante restrito, embora a encontre em diversos domínios. A projeção aparece sempre como uma defesa, como a atribuição ao outro - pessoa ou coisa - de qualidades, de sentimentos, de desejos que o sujeito recusa ou desconhece em si. O exemplo do animismo é o que melhor demonstra que Freud não toma a projeção no sentido de uma simples assimilação do outro à própria pessoa. Com efeito, muitas vezes se explicaram as crenças animistas pela suposta incapacidade dos primitivos para conceberem a natureza de outra maneira que não segundo o modelo humano; do mesmo modo, a propósito da mitologia, diz-se frequentemente que os antigos “projetavam” nas forças da natureza as qualidades e paixões humanas. Mas Freud - e esta é a sua maior contribuição - insiste em que tal assimilação tem o seu princípio e o seu fim num desconhecimento: os “demônios”, as “almas do outro mundo”, encarnariam os maus desejos inconscientes.

Na maior parte das ocasiões em que Freud fala de projeção evita tratar do problema no seu conjunto. Explica-se a este propósito no Caso Schreber: “... visto que a compreensão da projeção implica um problema psicológico mais geral, decidimos pôr de lado, para o estudarmos em outro contexto, o problema da projeção e, com ele, o mecanismo da formação do sintoma paranoico em geral”. Esse estudo talvez tenha sido escrito, mas nunca foi publicado. No entanto, diversas vezes Freud deu indicações sobre a metapsicologia da projeção. Podemos tentar agrupar assim os elementos da sua teoria e os problemas colocados por ela:

1) A projeção encontra o seu princípio mais geral na concepção freudiana da pulsão. Sabemos que, para Freud, o organismo está submetido a duas espécies de excitações geradoras de tensão: aquelas a que pode fugir e de que se pode proteger, e aquelas a que não pode fugir e contra as quais não existe inicialmente aparelho protetor ou para-excitações; é esse o primeiro critério do interior e do exterior. A projeção aparece então como o meio de defesa originário contra as excitações internas cuja intensidade as torna demasiadamente desagradáveis; o sujeito projeta-as para o exterior, o que lhe permite fugir (evitamento fóbico, por exemplo) e proteger-se delas. Existe “... uma inclinação para tratá-las como se não agissem a partir do interior, mas sim do exterior, para poder utilizar contra elas o meio de defesa do para-excitações. É essa a origem da projeção”. A contrapartida desse benefício é, como Freud notou, que o sujeito se vê obrigado a dar pleno crédito ao que daí em diante está submetido às categorias do real.

2) Freud atribui um papel essencial à projeção, de par com a introjeção, na gênese da oposição sujeito (ego) - objeto (mundo exterior). O sujeito “... assume no seu ego os objetos que se apresentam a ele na medida em que são fonte de prazer, introjeta-os (segundo a expressão de Ferenczi) e, por outro lado, expulsa de si o que no seu próprio interior é ocasião de desprazer (mecanismo da projeção)”. Esse processo de introjeção e de projeção exprime-se “na linguagem da pulsão oral”, pela oposição ingerir-rejeitar. É essa a etapa daquilo que Freud chamou de “ego-prazer purificado”. Os autores que consideram esta concepção freudiana numa perspectiva cronológica se perguntam se o movimento projeção-introjeção pressupõe a diferenciação entre dentro e fora, ou se a constitui. É assim que Anna Freud escreve: “Pensamos que a introjeção e a projeção aparecem na época que se segue à diferenciação do ego em relação ao mundo exterior.” Opõe-se assim à escola de Melanie Klein, que situou em primeiro plano a dialética da introjeção-projeção do “bom” e do “mau” objeto, e nela viu o próprio fundamento da diferenciação interior-exterior[3].

LAPLANCHE e PONTALIS. Vocabulário de psicanálise. Verbete: Projeção. São Paulo: Martins Fontes, 2016. p. 374 a 377.


[1] Na superstição, os medos e desejos subjetivos são projetados no mundo externo, e passam a estar vinculados, por meio de conexões inexplicáveis ou “mágicas”, a comportamentos humanos. Assim, fazendo determinados gestos, comportando de determinada maneira, o ser humano evita magicamente o “azar” (a realização de situações que causam medo) e provoca magicamente a “sorte” (a realização de situações desejadas). Na crença supersticiosa, o ser humano perde a compreensão de sua subjetividade, fazendo desta uma realidade externa, isto é, projetada no mundo exterior.

[2] O paranoico recrimina, por exemplo, não sua própria crueldade, mas a crueldade de um outro. Mesmo deslocando para fora a localização do afeto, mantém contato com o seu conteúdo efetivo.

[3] Além de Melanie Klein, também Ferenczi vai atribuir a uma “projeção primitiva” o primeiro momento em que o ser humano começa a realizar a distinção fundamental entre o dentro e o fora de si mesmo.




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INTROJEÇÃO

 

Introjeção: processo evidenciado pela investigação analítica. O sujeito faz passar, de um modo fantasístico, de ‘fora’ para ‘dentro’, objetos e qualidades inerentes a esses objetos.

A introjeção aproxima-se da incorporação, que constitui o seu protótipo corporal, mas não implica necessariamente uma referência ao limite corporal (introjeção no ego, no ideal do ego)[1]. Está estreitamente relacionada com a identificação.

Foi Sandor Ferenczi que introduziu o termo introjeção, forjado por simetria ao termo projeção. Em Introjeção e transferência (Introjektion und Übertragung, 1900), escreve: “Enquanto o paranoico expulsa do seu ego as tendências que se tornaram desagradáveis, o neurótico procura a solução fazendo entrar no seu ego a maior parte possível do mundo exterior, fazendo dele objeto de fantasias inconscientes. Podemos dar a este processo, em contraste com a projeção, o nome de introjeção”.

É difícil, porém, distinguir do conjunto deste artigo uma acepção exata da noção de introjeção, pois Ferenczi parece utilizá-la num sentido amplo, o de uma ‘paixão pela transferência’ que leva o neurótico a ‘abrandar os seus afetos livremente flutuantes, estendendo o círculo de seus interesses’. (...)

Freud adota o termo introjeção e o contrapõe nitidamente à projeção. O texto mais explícito a este respeito é Pulsões e destinos das pulsões (Triebe und Triebschicksale, 1915), onde é considerada a gênese da oposição sujeito (ego) – objeto (mundo exterior), na medida em que é correlativa da oposição prazer-desprazer: o “ego-prazer purificado” constitui-se por uma introjeção de tudo o que é fonte de prazer e por uma projeção para fora de tudo o que é ocasião de desprazer. Encontra-se a mesma oposição em A negação (Die Verneinung, 1925): “... o ego-prazer originário quer (...) introjetar em si tudo o que é bom e rejeitar tudo o que é mau”

A introjeção caracteriza-se ainda pela sua ligação com a incorporação oral. Aliás, os dois termos são muitas vezes utilizados como sinônimos por Freud e por numerosos autores. Freud mostra como a oposição introjeção – projeção se atualiza inicialmente segundo o modo oral antes de se generalizar. Este processo ‘exprime-se assim na linguagem das pulsões mais antigas, orais: quero comer aquilo ou quero cuspi-lo; e, traduzido numa expressão mais geral: quero introduzir isto em mim e excluir aquilo de mim’.

Convém, portanto, manter uma distinção, aliás sugerida por esta última passagem, entre incorporação e introjeção. Em psicanálise, o limite corporal é o protótipo de toda e qualquer separação entre um interior e um exterior; o processo de incorporação refere-se explicitamente a este invólucro corporal. O termo ‘introjeção’ é mais amplo: já não é apenas o interior do corpo que está em questão, mas o interior do aparelho psíquico, de uma instância etc. É assim que se fala de introjeção no ego, no ideal do ego etc.

A introjeção foi inicialmente evidenciada por Freud na análise da melancolia e depois reconhecida como um processo mais geral. Nesta perspectiva, ela renovou a teoria freudiana da identificação.

Na medida em que a introjeção permanece marcada pelo seu protótipo corporal, traduz-se em fantasias, que incidem sobre os objetos, sejam estes parciais ou totais. Também a noção desempenha um grande papel em autores como Abraham, e sobretudo em M. Klein, que se dedicou a descrever as idas e vindas fantasísticas dos ‘bons’ e ‘maus’ objetos (introjeção, projeção, reintrojeção).”

LAPLANCHE e PONTALIS. Vocabulário de psicanálise. Verbete: Introjeção. São Paulo: Martins Fontes, 2016. p. 248 a 249.


[1] Embora a questão do limite corporal e da incorporação de alimentos seja fundamental para uma compreensão do significado psíquico da introjeção na psicanálise, é óbvio que o psíquico envolve dimensões que, mesmo depois de incorporadas, não deixam de permanecer existindo fora dos limites do corpo. Assim, quando alguém traz um elemento psíquico externo para compor o seu caráter, a sua personalidade, como por exemplo a introjeção dos valores morais de um pai para compor o seu supereu, ou a introjeção de uma identidade cultural, está compondo o seu eu (dimensão interna) com elementos que circulam e permanecem circulando depois da incorporação pela vida sociocultural (dimensão externa).


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