O EU, O ISSO E O SUPEREU
Na terminologia psicanalítica, (...) Freud fez (...) a famosa divisão (...) da personalidade em três partes: o Id, o Ego e o Superego[1]. O Id representa a soma total dos desejos instintivos, e ao mesmo tempo pode ser identificado com o “inconsciente”, já que a maioria desses desejos não tem permissão para chegar ao nível da consciência.
O Ego, representando a personalidade organizada do homem, na medida em que esta observa a realidade e tem a função de um julgamento realista, pelo menos no que se relaciona com a sobrevivência, pode ser considerado como a “consciência”[2].
O Superego, a interiorização dos mandamentos e proibições do pai (e da sociedade), pode ser tanto consciente como inconsciente, e portanto não se presta à identificação com nenhum dos dois. (...)
O centro do pensamento de Freud era que a subjetividade do homem é, de fato, determinado por fatores (...) inconscientes (...) que agem à revelia dele, por assim dizer, determinando-lhe pensamentos e sentimentos, e assim, indiretamente, seus atos. O homem, tão cioso de sua liberdade de pensar e escolher, é, na realidade, uma marionete movida pelos cordéis, atrás e acima dele, e que por sua vez são dirigidos por forças desconhecidas de sua consciência. Para dar-se a ilusão de que age segundo sua vontade livre, o homem inventa racionalizações que lhe dão a impressão de agir como age por ter escolhido livremente a sua atitude, movido por motivos racionais ou morais.
Mas Freud não concluiu com uma nota de fatalismo, confirmando a incapacidade do homem em relação às forças que o determinam. Afirmou que o homem pode adquirir consciência dessas forças mesmas que atuam à sua revelia – e com isso ampliar o âmbito de sua liberdade e transformar-se de um joguete em movimento por forças inconscientes num homem livre e consciente, que determina o seu próprio destino. Freud expressou esse objetivo nas palavras “onde houver Id, haverá Ego”.
FROMM, Erich. Meu encontro com Marx e Freud. Rio de Janeiro: Zahar, 1963. p. 93, 94, 96, 97.
A vida psíquica é constituída por três instâncias(...): o id, o superego e o ego (ou o isso, o supereu e o eu). (...)
O id é formado por instintos, impulsos orgânicos e desejos inconscientes, ou seja, pelo que Freud designa como pulsões. Estas são regidas pelo princípio do prazer, que exige satisfação imediata. O id é a energia dos instintos e dos desejos em busca da realização desse princípio do prazer. É a libido. Instintos, impulsos e desejos, em suma, as pulsões, são de natureza sexual e a sexualidade não se reduz ao ato sexual genital, mas a todos os desejos que pedem e encontram satisfação na totalidade de nosso corpo.[3] (...)
O superego, também inconsciente, é a censura das pulsões que a sociedade e a cultura impõem ao id, impedindo-o de satisfazer plenamente seus instintos e desejos. É a repressão, particularmente a repressão sexual. Manifesta-se à consciência indiretamente, sob a forma da moral, como um conjunto de interdições e de deveres, e por meio da educação, pela produção da imagem (...) da pessoa moral, boa e virtuosa. (...)
O ego ou o eu é a consciência, pequena parte da vida psíquica submetida aos desejos do id e à repressão do superego. Obedece ao princípio da realidade, ou seja, à necessidade de encontrar objetos que possam satisfazer ao id sem transgredir as exigências do superego.
O ego, diz Freud, é “um pobre coitado”, espremido entre três escravidões: os desejos insaciáveis do id, a severidade repressiva do superego e os perigos do mundo exterior. Por esse motivo, a forma fundamental da existência para o ego é a angústia. Se se submeter ao id, torna-se imoral e destrutivo; se se submeter ao superego, enlouquece de desespero, pois viverá numa insatisfação insuportável; se não se submeter à realidade do mundo, será destruído por ele. Cabe ao ego encontrar caminhos para a angústia existencial. Estamos divididos entre o princípio do prazer (que não conhece limites) e o princípio da realidade (que nos impõe limites externos e internos).
Ao ego-eu, ou seja, à consciência, é dada uma função dupla: ao mesmo tempo recalcar o id, satisfazendo o superego, e satisfazer o id, limitando o poderio do superego. A vida consciente normal é o equilíbrio encontrado pela consciência para realizar sua dupla função. O sofrimento psíquico (neuroses e psicoses) é a incapacidade do ego para realizar sua dupla função, seja porque o id ou o superego são excessivamente fortes, seja porque o ego é excessivamente fraco.
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. Rio de Janeiro: Ática, 1994. p. 167 e 168.
[1] Freud utiliza em alemão os termos Es, que é traduzível para português como “Isso”, o Ich, traduzível como “Eu” e o Uberich, traduzível como “Supereu”. Quando James Strachey traduziu em meados do séc. XX a obra de Freud para o inglês, optou por utilizar termos em latim - Id, Ego e Superego -, querendo ressaltar (na opinião de Elisabeth Roudinesco no verbete James Strachey do seu Dicionário de Psicanálise) a cientificidade do saber psicanalítico.
[2] Embora a consciência nasça no Ego e esteja fundamentalmente localizada no Ego, Freud considera que alguns aspectos do Ego permanecem escondidos no campo do inconsciente.
[3] A libido é a energia das pulsões sexuais. Em sua totalidade, Freud denomina tais pulsões com o nome de Eros, ou pulsão de vida. Mas Freud também fala de uma pulsão de morte, voltada para a destrutividade, a agressividade contra os outros e contra si mesmo. Eros e pulsão de morte, segundo a psicanálise, lutam entre si pela hegemonia dentro do psiquismo de cada ser humano.
A METÁFORA DO ICEBERG NA PRIMEIRA E NA SEGUNDA TÓPICA SIMULTANEAMENTE
DIAGRAMA ANEXADO POR FREUD NA CONFERÊNCIA XXXI (A DISSECAÇÃO DA PERSONALIDADE PSÍQUICA) DAS NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS SOBRE PSICANÁLISE:
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A METÁFORA DO CAVALO E DO CAVALEIRO:
O ego deve, no geral, executar as intenções do id, e cumpre sua atribuição descobrindo as circunstâncias em que essas intenções possam ser mais bem realizadas. A relação do ego para com o id poderia ser comparada com a de um cavaleiro para com seu cavalo. O cavalo provê a energia de locomoção, enquanto o cavaleiro tem o privilégio de decidir o objetivo e de guiar o movimento do poderoso animal. Mas muito frequentemente surge entre o ego e o id a situação, não propriamente ideal, de o cavaleiro só poder guiar o cavalo por onde este quer ir.
FREUD, Sigmund. Novas conferências introdutórias sobre psicanálise. Volume XXII das Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 81 e 82.
O Eu representa aquilo que podemos chamar de razão e ponderação, ao contrário do Id, que contém as paixões. (...) O Eu tem uma grande importância funcional, o que pode ser percebido pelo fato de que é a ele que cabe o controle do acesso à motilidade. Podemos comparar o relacionamento do Eu com o Id ao do cavaleiro que deve conduzir um cavalo muito mais forte do que ele, com a diferença de que o cavaleiro tenta fazê-lo com suas próprias forças, enquanto o Eu precisa fazê-lo com forças emprestadas do Id. Sigamos esta analogia ainda um pouco mais. Tal como o cavaleiro, que, não querendo se separar de seu cavalo, frequentemente não tem outra escolha a não ser conduzir o cavalo para onde este queira ir, da mesma forma também o Eu habitualmente converte a vontade do Id – como se fosse sua – em atos e ações.
FREUD, Sigmund. O Eu e o Id. In: Escritos sobre a psicologia do inconsciente. Vol. 3. Rio de Janeiro: Imago, 2007. p. 38.
AS SEMELHANÇAS ENTRE A CURA FÍSICA
POR MEIO DA MEDICINA E A CURA
PSÍQUICA POR MEIO DA PSICANÁLISE
SEGUNDO GRODDECK
Não há dúvida de que podemos influenciar o Isso, tanto em suas funções psíquicas quanto corporais, através de intervenções materiais, químicas, físicas e cirúrgicas. A ideia contrária, a de que as intervenções psíquicas - a matéria do Isso, para usar uma outra expressão - podem mudar o corpo humano, levá-lo da doença à saúde e vice-versa, essa ideia pode soar estranha, mas é conhecida há muito tempo, e enquanto o mundo existir não deixará de ser colocada em prática a cada momento. Em última instância, os dois procedimentos dão na mesma, atacam o mesmo ponto: o inconsciente do ser humano. A amputação de um membro não é o processo de cura; é a reação do inconsciente, seu empenho e seu poder de curar as cicatrizes e revitalizar o organismo enfraquecido pela enfermidade e pela operação. Quem primeiramente reconhece que não é a operação a devolver a saúde à perna e ao ser humano - um juízo aparentemente fácil, mas na verdade bem difícil -, que nossos recursos médicos nunca levarão a uma cura direta e que sempre entram em ação fatores de cura que nos são completamente desconhecidos, que o objetivo do tratamento não pode ser o de curar como passe de mágica através da nossa arte, mas sim o de liberar as forças inconscientes, quem reconheceu tudo isso também há de reconhecer que, sob certas circunstâncias, pode ser conveniente ativar esses fatores de cura do Isso por meio da psicanálise.
GRODDECK, Georg. Condicionamento psíquico e tratamento de moléstias orgânicas pela psicanálise. In: Estudos psicanalíticos sobre psicossomática. São Paulo: Perspectiva, 2011. p. 26 e 27.
Não faço nada além, com a psicanálise, do que fazia antes, quando receitava banhos quentes, indicava regimes, massagens e mandava com autoridade, coisas de que continuo me servindo. (...) Meu tratamento, naquilo que tem de diferente do que era, consiste em tentar tornar conscientes os complexos inconscientes do Eu, metodicamente, e com toda a força de que disponho. Isso, sem dúvida, é novo, mas não provém de mim; Freud é o inventor disso; meu papel limita-se a aplicar esse método também aos males orgânicos. Como parto do princípio de que o Isso, através de sua força soberana, constitui o nariz, provoca a inflamação do pulmão, torna o homem nervoso, impõe-lhe sua respiração, seu modo de andar, sua profissão; como creio, além disso, que o Isso se deixa influenciar tanto pelo fato de tornar conscientes os complexos inconscientes do Eu quanto pelo ato de abrir uma barriga, não compreendo - ou não compreendo mais - como é possível imaginar que a psicanálise só é utilizável para os neuróticos e que as doenças orgânicas devem ser tratadas com outros métodos.
GRODDECK, Georg. O livro dIsso. São Paulo: Perspectiva, 2012. p. 228.
Pode-se imaginar o processo de recuperação mais ou menos como uma reforma do organismo. O organismo individual tem no próprio inconsciente toda a mão-de-obra e geralmente também todo o material para realizar esta reforma. Se não realizá-la voluntariamente - o que costuma fazer de forma mais ou menos perfeita - isso é sinal de que há algum obstáculo paralisando as forças inconscientes. Talvez haja um muro que deva ser derrubado por fora, ou então montes de entulho que se acumularam e cabe removê-los; vez por outra, também falta material de construção; aí é preciso uma operação cirúrgica, tratamento pela física ou pela química. Talvez os operários do Isso sejam muito comodistas e tenham se habituado demasiadamente às condições reinantes onde se sentem bem, ou não se atrevam a iniciar o trabalho por subestimar suas capacidades. É quando estão em seus direitos a sugestão, a persuasão, a ordem. Mas também pode ser que uma proibição alheia, uma proibição de um governante anterior ou de um inquilino atual que têm seus contratos, pesem sobre o Isso, que o Isso de certo modo acredite estar preso a algum juramento ou que os seus dons característicos tenham sido desvirtuados pela educação e levados a utilizar uma técnica errônea. Se é assim, o melhor seria buscar das profundezas do passado remoto ou recente essa pretensa proibição, essa técnica errônea e apresentá-la ao Isso do homem para nova decisão. Esse é o procedimento da psicanálise, um método que tem a vantagem de reconhecer como fator determinante aquele que vai cuidar da reforma, portanto o Isso, e tratar com ele como se trata com um especialista.
GRODDECK, Georg. Condicionamento psíquico e tratamento de moléstias orgânicas pela psicanálise. In: Estudos psicanalíticos sobre psicossomática. São Paulo: Perspectiva, 2011. p. 27.
Desde que constato que a doença é uma criação do paciente, ela se torna para mim a mesma coisa que seu modo de andar, sua maneira de falar, o jogo fisionômico de seu rosto, seus gestos com as mãos, o desenho que faz, a casa que constrói, o negócio que concluiu ou o curso de suas ideias: um símbolo significativo dos poderes que o dominam e que eu procurarei influenciar se considerar necessário. Nesse caso, a doença não é mais uma anomalia, mas algo determinado pela natureza mesma desse paciente que decidiu ser tratado por mim. Mesmo assim, resta o fato de que essas criações do Isso, que nos habituamos chamar de doenças, são, conforme as circunstâncias, tão pouco cômodas para seu próprio criador quanto para os que o cercam. Mas, pensando bem, uma voz estridente ou uma letra ilegível podem ser igualmente insuportáveis para o ser humano e seu próximo, e uma casa mal concebida precisa tanto ser modificada quanto um pulmão inflamado, por exemplo, de modo que, definitivamente, não há diferença entre a doença e a maneira de falar, escrever ou construir. Em outras palavras, não posso utilizar, em relação a um paciente, procedimentos diversos dos que utilizo em relação a quem escreve, fala ou constrói mal. Tentarei descobrir por que e com que objetivo seu Isso recorreu ao meio de falar mal, escrever mal, construir mal; em síntese, porque ele recorre à doença e o que pretende exprimir com isso. Tratarei de me informar a respeito junto a ele, junto ao Isso, sobre os motivos que o levaram a usar esse procedimento, tão desagradável para ele quanto para mim; conversarei com ele e depois verei o que fazer. E se uma conversa não bastar, recomeçarei dez vezes, vinte vezes, cem vezes, tanto quanto necessário para que o Isso, cansado dessas discussões, mude de procedimento ou obrigue sua criatura, a doença, a se separar de mim, seja interrompendo o tratamento, seja através da morte.
Reconheço, claro, que talvez seja necessário, que na maioria das vezes é indispensável modificar e até demolir uma casa mal concebida, ou pôr na cama um ser humano acometido de pneumonia, ou aliviar um hidrópico de sua água supérflua com a digital, reduzir uma fratura e imobilizá-la, cortar um membro gangrenado. Tenho mesmo a esperança, bem fundada, que um arquiteto cujo edifício recente foi modificado ou demolido logo após ser entregue ao proprietário, cairá em si mesmo, reconhecerá seus erros, evitando-os no futuro, a menos que renuncie de todo a sua profissão; que um Isso, quando deteriorou seus próprios produtos, pulmões ou ossos, sentiu dores e mal-estar, se tornará razoável e dará por aprendida a lição. Em outras palavras, o Isso pode perceber, ele mesmo, por experiência própria, que é bobagem demonstrar seu poder através da produção de doenças ao invés de utilizá-lo na criação de uma melodia, no esclarecimento de um problema, no esvaziamento da bexiga ou num ato sexual. Mas tudo isso não me desobriga, eu cujo Isso me fez médico, da obrigação, quando ainda há tempo, de tomar conhecimento dos pretextos do Isso desejosos de doenças de meu próximo, de considerar esses pretextos e, onde for necessário e possível, refutá-los.
GRODDECK, Georg. O livro dIsso. São Paulo: Perspectiva, 2012. p. 217 e 218.
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